Razão de ser da apologética?

Vamos dar a conhecer neste espaço monografias realizadas sobre esta matéria.

“Depende de nós criar o futuro. Por isso, devemos, primeiro, defender o que temos construído até hoje! A seguir, precisamos deixar as futuras gerações colocarem-se em cima dos nossos ombros, para que possam chegar ainda mais longe!” Escravo de Cristo

Juntos Venceremos!Juntos podemos fazer grandes coisas! Pois juntos vencemos!

 

 

 

 

REVELAÇÃO E RAZÃO 

Começo por referir que a Bíblia me tem acompanhado desde a infância. Desde muito cedo tive o privilégio de ser exposto e instruído nos seus ensinos, nos seus conteúdos, nas suas narrativas, na sua cosmovisão, nos seus conceitos, na sua linguagem, na sua literatura. O apreço por esta biblioteca tem vindo a crescer cada vez mais ao longo dos anos (adolescência, juventude e idade adulta). Reconheço que este é o livro fundamental e essencial na minha vida. Parto, portanto, para esta breve intervenção, com o claro propósito de incentivar, quem quer que seja, a abeirar-se desta obra milenar e a constatar por si próprio a sua qualidade.

Escolhemos esta temática porque algumas vezes nos parece que ainda subsiste teimosamente uma clivagem entre a revelação e a razão, e porque continua a reincidir-se no erro de tentar sujeitar a Bíblia e Deus ao escrutínio laboratorial e científico, quando as pessoas não se conhecem dessa forma. Ora desde sempre para mim tem sido claro que existe uma complementaridade entre revelação e razão. Ou seja, existe revelação porque há razão e a razão existe como disponibilidade para a revelação. Uma e outra fazem parte de uma marca distinta da natureza divina que está presente no homem como “imagem e semelhança de Deus”. Deus tem a capacidade de se revelar como o homem também. Deus é um Ser da “razão” da mesma forma que o homem. Existe uma afinidade entre Deus e o homem e por isso podem estar em relação e só nela o homem encontra o seu propósito e sentido, a sua plenitude. Mas à medida que fui aprofundando a temática fui dando conta cada vez mais da importância da relação pessoal na revelação e na razão que acaba por passar também pelo coração.

Não é razoável querer reduzir o homem e a humanidade a uma fórmula química, física e matemática. Mal irá à sociedade quando tal suceder. Se isso é verdade para connosco, muito mais em relação a Deus. Não esperemos pois poder conhecer Deus dentro do laboratório ou na cátedra universitária, mas no relacionamento. Falamos de Deus como revelação.

A revelação consiste no facto de que existe conhecimento que vai muito além do que a nossa mente por si só consegue vislumbrar. Pascal traduziu isso mesmo de uma forma muito eloquente quando referiu: “O conhecimento tem razões que a razão desconhece.” “Tudo o que é incompreensível, nem por isso deixa de existir.” “O último esforço da razão é reconhecer que existe uma infinidade de coisas que a ultrapassam.” “Há dois excessos: excluir a razão ou não admitir mais nada que a razão.” O teólogo John Sttott escreveu um pequeno livro cujo título é muito sugestivo e que situa a questão em termos bíblicos: “Crer É Também Pensar”.

Quando se escreve um livro e quando ele é lido, o fenómeno da revelação está presente. Trata-se de uma mente e de um coração que se abre a cada leitor. É na medida em que a razão se abre às várias revelações que se nos vão deparando, é na medida em que nós mesmos nos disponibilizamos para partilharmos, que crescemos, que nos desenvolvemos, que nos enriquecemos, que podemos chegar mais fundo à essência de nós mesmos, do universo, da vida, do espírito, do divino, do sagrado, do propósito e do sentido da vida, de quem nós somos e onde nos movemos, para onde vamos, de onde vimos e onde estamos. Queremos com isto dizer que a revelação é essencial à natureza humana.

Quando abrimos a Bíblia estamos diante de uma revelação que passa pela mente e pelo coração de cada escritor, de cada personagem. Mas acima dessa dimensão humana não podemos deixar de reparar que há um outro coração muito maior que se nos abre para que O conheçamos. Estamos a falar de Deus.

Através da Bíblia ouvimos a voz de Deus. Constantemente ao longo dela se refere: “Assim diz o Senhor!”

A revelação existe porque há razão. Se esta não existisse não poderia ser possível falar de revelação. Tanto uma como outra falam de quem Deus é e de quem o homem é. A revelação e a razão ressaltam a natureza pessoal de Deus e do homem. Significa que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus. Por isso Deus pode falar e o homem pode ouvir. Como também o homem fala e Deus ouve. Relacionamo-nos porque somos pessoas, porque temos mente e coração, vontade e consciência, emoções e sentimentos. Não nos relacionamos com uma força e uma energia.

A revelação implica que apesar de Deus ser absoluto e transcendente, ainda assim Ele acaba por chegar bem perto do homem. Deus é capaz de falar a nossa língua e nós somos capazes de entendê-lo. Deus está presente e move-se e nós podemos aperceber-nos da Sua presença e do Seu mover.

A revelação diz-nos que Deus é pessoa distinto da coisa criada e não podendo confundir-se com ela.

A revelação diz-nos que Deus procura comunhão e proximidade.

“Mas pode uma mãe esquecer o seu bebé, deixar de ter amor ao filho que ela gerou? Ainda que ela se esquecesse dele, eu nunca te esqueceria. Pois eu gravei a tua imagem na palma das minhas mãos; as tuas muralhas estão sempre diante dos meus olhos.” (Isaías 49:15,16)

“Ouçam-me, ó gente de Jacob, sobreviventes do povo de Israel, eu trouxe-vos ao colo desde o vosso nascimento, desde que a vossa mãe vos deu à luz. Até à vossa velhice eu serei o mesmo, encarregar-me-ei de vós até terem cabelos brancos. Assim o fiz e continuarei a fazê-lo, encarreguei-me de vós e hei-de livrar-vos. A quem me podereis comparar ou igualar? Quem poderá assemelhar-se a mim ou comparar-se comigo?” (Isaías 46:3-5)

A revelação significa que é possível conhecer Deus bem como a Sua acção, para que a nossa vida seja diferente e responda aos apelos que nos faz para um relacionamento pessoal. A revelação interpela-nos, questiona-nos, algumas vezes até nos inquieta e incomoda. Não é por causa disso que nos devemos alhear dela.

A revelação implica que a palavra pode traduzir uma parte do que a Deus diz respeito. Pela palavra podemos saber o suficiente acerca do Ser absoluto que não vemos, mas que nem por isso deixa de estar perto.

A revelação implica que apesar da relatividade do tempo, o absoluto pode estar presente. Há algo de permanente na mudança, há algo que continua naquilo que muda mesmo quando as mudanças são vertiginosas, como é o caso do tempo em que vivemos.

A revelação acontece na relação pessoal. O Deus que se revela é um Deus que tem coração, que ama, que não é alheio à condição humana, que não fica indiferente ao seu sofrimento, que se envolve com a história humana, que esta também é sua. Daí que a Bíblia não é um tratado de teologia sistemática, não é uma obra de erudição académica, não é um compêndio científico, não é uma obra filosófica recheada de silogismos, de elaborados e intrincados raciocínios. Não é assim que as pessoas se conhecem, se relacionam e desenvolvem confiança mútua. A revelação acontece na história e é feita da história das suas personagens que são indivíduos de todas as idades, classes sociais, profissões e preparação académica. No seu enredo vemos surgirem-nos pessoas diversas, famílias, povos e nações.

Os escritores da História Sagrada são homens e mulheres do coração de Deus. O seu apelo e incentivo é para que também nós conheçamos o coração de Deus.

Existem textos sublimes, de uma beleza dificilmente superável, que falam do caminhar do homem com Deus e de Deus com o homem tanto nos cumes do êxtase, como nos vales profundos da depressão. Em todos eles jorra uma sedutora luz de paz e de confiança. É na revelação que se aprende a confiar e a descansar, a olhar para a frente com alegria e com determinação, não deixando, acima de tudo, que a esperança morra.

Apetece-me citar por inteiro todos os salmos do livro que tem o mesmo título, mas limito-me a alguns trechos:

“O Senhor é o meu pastor: nada me falta. Em verdes pastos me faz descansar e conduz-me a lugares de águas tranquilas. Conforta a minha alma e leva-me por caminhos retos, honrando o seu bom nome. Ainda que eu atravesse o mais escuro vale, não terei receio de nada, porque tu, Senhor, estás comigo. A tua vara e o teu cajado dão-me segurança. Preparaste-me um banquete à frente dos meus inimigos. Recebeste-me com todas as honras e encheste a minha taça até transbordar. De facto, a tua bondade e o teu amor acompanham-me ao longo da minha vida. E na tua casa, Senhor, morarei para sempre.” (Salmo 23)

“Senhor, tu examinaste-me e conheces-me. Conheces todos os meus movimentos; à distância, sabes os meus pensamentos. Vês-me quando trabalho e quando descanso; conheces todas as minhas acções. Mesmo antes de eu falar, já tu sabes o que vou dizer. Tu estás à minha volta por todo o lado; proteges-me com o teu poder. O teu conhecimento a meu respeito é muito profundo; está para além da minha compreensão. Onde poderia eu ir, para escapar a ti? Para onde poderia eu fugir da tua presença? Se subisse ao céu, lá estarias; se descesse ao mundo dos mortos, lá estarias também. Se eu voasse para além do oriente ou fosse habitar nos lugares mais distantes do ocidente, também lá a tua mão desceria sobre mim, lá estarias para me segurar! Se eu pedisse à escuridão para me esconder ou à luz para se transformar em noite à minha volta, a escuridão não me ocultaria de ti e a noite seria para ti tão brilhante como o dia. Para ti a escuridão e a luz são a mesma coisa! Foste tu que formaste todo o meu ser; formaste-me no ventre de minha mãe. Louvo-te, ó Altíssimo, porque és terrível, fico maravilhado com os teus prodígios. Conheces intimamente o meu ser. Quando os meus ossos estavam a ser formados, sem que ninguém o pudesse ver; quando eu me desenvolvia em segredo, nada disso te escapava. Tu viste-me antes de eu estar formado. Tudo isso estava escrito no teu livro; tinhas assinalado todos os dias da minha vida, antes de qualquer deles existir. Mas para mim, que profundos são os teus pensamentos, ó Deus! Que misterioso é o seu conteúdo. Se eu quisesse contar, seriam mais do que a areia; e se pudesse chegar ao fim, ainda estaria contigo. Ó Deus, tira a vida aos que fazem o mal, afasta de mim os assassinos. Eles falam maldosamente contra ti; os teus inimigos dizem mal de ti. Ó Senhor, como eu odeio aqueles que te odeiam! Como eu desprezo os que se voltam contra ti! Odeio-os com toda a minha alma! Considero-os meus inimigos! Examina-me, ó Deus, e conhece o meu coração;põe-me à prova e conhece os meus pensamentos. Vê se eu sigo pelo caminho do mal e guia-me pelo teu caminho, ó Deus eterno. (Salmo 139)

Neste contexto o ídolo é denunciado e posto em causa porque tem olhos mas não vê e boca e não fala. O ídolo é incapaz de relacionamento, de partilha, de comunicação, de revelação enfim. O contraste é apresentado de uma forma nua e crua. Através de todo o texto bíblico encontramos a mesma tónica. Tanto nos livros escritos antes de Cristo como depois de Cristo. Esta negação dos ídolos vem acompanhada da declaração não menos radical da existência de Deus como único, em quem não há contradição, nem confusão, nem ruído. A multiplicidade de deuses é negada e a existência de um único Deus com vários rostos, com diversos e contraditórios discursos ou revelações é também negado. A revelação estaria comprometida se de Deus o que pudéssemos saber fosse incoerente, contraditório, confuso.

Eis o que o Senhor declara a Ciro, seu escolhido: “Eu peguei-te pela mão: vou fazer com que as nações se sujeitem a ti e que os reis fiquem sem poder. Vou fazer com que os batentes das portas das cidades se abram de par em par diante de ti. Caminharei diante de ti para aplanar os obstáculos, arrombar portas de bronze e quebrar ferrolhos de ferro. Dar-te-ei tesouros ocultos e riquezas escondidas. Assim saberás que eu sou o Senhor, o Deus de Israel, que te chama pelo teu nome. Por amor de Israel, meu servo, de Jacob, meu escolhido, eu chamei-te pelo teu nome, sem que tu me conhecesses. Eu é que sou o Senhor e mais ninguém: fora de mim não há outro deus. Dei-te o poder, sem que me conhecesses, para que saibam desde o Oriente até ao Ocidente que fora de mim não há nada. Eu é que sou o Senhor e mais ninguém. Faço a luz e crio as trevas, sou o autor do bem-estar e o criador da desgraça. Sou eu, o Senhor que faço tudo isto. Que o céu, lá do alto, faça descer o orvalho, e que as nuvens façam chover a vitória; abra-se a terra para que floresça a salvação e, ao mesmo tempo, germine a justiça. Sou eu, o Senhor, que crio tudo isto. Ai de quem, sendo simples vaso de argila como os outros, se atreve a discutir com quem o fez! Caso o barro diz ao oleiro: “Que fazes?” Ou então: “A tua bilha não tem asas?” Ai de quem se atreve a dizer ao seu pai: “Que espécie de filho geraste?” Ou então à sua mãe: “O que é que tu deste à luz?” Assim declara o Senhor, o Santo de Israel, que formou o seu povo: “Pretendeis pedir-me contas acerca dos meus filhos e dar-me ordens sobre aquilo que devo fazer? Eu é que fiz a terra e criei os homens para a povoar; eu é que estendi os céus com as minhas mãos e dou ordens ao exército das estrelas. Fui eu que pus esse homem em marcha para a vitória, e aplanarei todos os seus caminhos. Ele reconstruirá  minha cidade, e libertará o meu povo do exílio, sem nada exigir como recompensa. É o Senhor do universo quem o declara.” Assim fala o Senhor: “Os trabalhadores egípcios, os comerciantes etíopes, os povos de Seba, de alta estatura, todos passarão diante de ti e serão teus. Estes povos irão atrás de ti com cadeias, inclinar-se-ão diante de ti e dir-te-ão em súplica: “Não há outro Deus se não o teu; todos os outros não são nada!” Na verdade, tu, és um Deus escondido, o Deus de Israel, o Salvador. Os fabricantes de ídolos retiram-se cheios de vergonha, confundidos e cobertos de ignomínia. Mas Israel foi salvo pelo Senhor para sempre. Nunca mais haverá para eles vergonha nem desonra. O Senhor que criou o céu, o Deus que formou a terra e a fez, que não a criou vazia, mas pronta para ser habitada, declara o seguinte: “Eu é que sou o Senhor e mais ninguém. Não falei em segredo, nem em lugar obscuro, não pedi aos israelitas que me procurassem no vazio. Eu o Senhor, falo de maneira franca, o que anuncio é bem claro. Reúnam-se, venham juntar-se aqui aqueles que sobreviveram no exílio. Nada percebem os que levam o seu ídolo de madeira e oram a um deus que os não pode salvar. Digam o que têm a dizer e apresentem provas; podem mesmo aconselhar-se em conjunto. Quem anunciou de antemão o que está acontecendo? Quem o revelou desde há muito? Não fui eu, o Senhor? Fora de mim não há nenhum outro deus. Eu sou um Deus justo e salvador, e não existe nenhum outro.Voltem-se para mim e sereis salvos, os que habitais nos confins da terra, pois eu sou Deus e não há nenhum outro. Juro por mim mesmo e o que digo é verdadeiro, pois a minha palavra não muda! Toda a gente, de joelhos, me fará juramento de fidelidade e dirão: “Só no Senhor se encontra a lealdade e a força.” E todos os que se tinham levantado contra o Senhor, virão ter com ele cheios de vergonha. Mas todos os descendentes de Israel hão-de triunfar e receber louvores junto do Senhor.” (Isaías 45)

A revelação abre a eternidade para o tempo, o absoluto para o finito, o universal e efémero para o imutável e perene.

Não admira que sejamos frequentemente interpelados por absolutos. O nosso tempo e cultura vive algumas ambivalências perante esta questão. De um lado afirmam-se valores absolutos como os direitos humanos, a liberdade, a justiça, a solidariedade, a tolerância; por outro lado desconfia-se do absoluto e promove-se o relativismo (apesar de ninguém gostar de ser tratado relativamente).

Cada um dos absolutos que pontuam a revelação deve ser devidamente entendido e contextualizado na natureza e carácter de Deus e na sua aplicação ao nosso quotidiano como seres limitados.

“O Senhor, Deus todo-poderoso falou; chamou os habitantes da terra do nascente ao poente. Deus resplandece desde Sião, a cidade perfeita em beleza. O nosso Deus virá e não ficará calado; à sua frente vem um fogo abrasador, ao seu redor, uma forte tempestade. Deus, lá do alto, chama céu e terra, como testemunhas, porque vai fazer justiça ao seu povo. “Reúnam-se todos os que me são fiéis, os que fizeram comigo uma aliança e me ofereceram sacrifícios.” Até os céus anunciarão que o Senhor é justo, porque Deus é quem julga. “Escuta, povo meu! Quero falar contigo, para te pedir contas, ó Israel! Eu sou Deus, o teu Deus! Não te repreendo por causa dos sacrifícios, das ofertas de animais que sempre me tens feito. Não te peço nenhum dos teus touros nem os cabritos que tens nos currais, pois todos os animais dos bosques me pertencem, bem como os que se encontram nos altos montes; pois conheço bem as aves das montanhas e os répteis do campo estão à minha disposição. Se eu tivesse fome não precisava de to dizer, pois o mundo e tudo o que ele contém pertencem-me. Porventura como eu carne de touros ou bebo sangue de cabritos? A tua melhor oferta é agradeceres-lhe e cumprires as promessas que fizeste ao Altíssimo! Chama por mim, quando estiveres em aflição; eu te livrarei e tu me honrarás.”Mas ao infiel declara Deus: “De que te serve recitares as minhas leis e falares sempre da minha aliança, se não te agrada que eu te corrija nem dás importância às minhas palavras? Tornas-te cúmplice dos ladrões que vês e fazes sociedade com adúlteros! Estás sempre pronto a dizer mal e não hesitas em mentir. Falas contra o teu irmão; difamas o filho da tua própria mãe! Tens feito tudo isto e eu fiquei calado; pensavas que eu era igual a ti. Mas vou chamar-te a julgamento e pedir-te contas do que fizeste. Oiçam bem isto, os que se esquecem de Deus; não aconteça que eu vos despedace sem que ninguém vos possa livrar. Aquele que me oferece ações de graças hei-de homenageá-lo e àquele que andar no meu caminho hei-de fazê-lo experimentar a salvação.” (Salmo 50)

A razão sendo limitada tem a potencialidade de receber e acolher o absoluto divino e expandir-se nesse conhecimento e relacionamento. Quer dizer que o poder da mente está principalmente em ser recetáculo da Palavra de Deus.

Se por um lado Deus pode falar com o homem, significa que este pode ouvir Deus e também falar com Ele.

A razão pode perscrutar a mente divina, pode ser povoada pelos Seus pensamentos, pode embrenhar-se no seu mistério.

A razão pode abrir-se ao questionamento de Deus e pode responder mediante uma escolha e opção esclarecidos pela fé e pela esperança.

 

CRIAÇÃO, QUEDA, REDENÇÃO E CONSUMAÇÃO

Existem quatro aspetos que gostaria de destacar aqui na relação da revelação divina com a razão humana e que são, face à cultura contemporânea, decisivos, no nosso entender. São eles a criação, a queda, a redenção e a consumação.

A criação surge como pórtico do texto bíblico e é o único que cabe como introdução. Seria impossível encontrar uma outra forma de dar começo à revelação como aquele que encontramos em Génesis capítulo um, versículo um e dois:

“No princípio, quando Deus criou o céu e a terra, a terra era um caos sem forma nem ordem.”

Ao longo de todos os livros da Bíblia encontramos a mesma declaração de princípio e origem. Foi Deus quem criou. Existem vários modelos explicativos, todos eles de algum modo assentes na fé, porque efetivamente ninguém estava lá para contar o como. Quem estava revela-nos o substancial do assunto. O que existe não existe por acaso nem por acidente. Existe um plano, um propósito, uma razão, um sentido. No princípio está Deus, está um Ser pessoal inteligente, amoroso, bondoso, perfeito, justo, santo. Do caos surge a ordem pela palavra divina. O homem é criado à sua imagem e semelhança, a marca divina está nele.

Talvez desde sempre a ideia da condição humana considera que as disfunções encontradas são resultado de fatores externos que o próprio não pode controlar e que fogem à sua responsabilidade. O homem é apresentado como vítima do meio ambiente, da educação, do meio familiar, da precariedade económica. Numa aceção mais positiva o homem é um ser em construção, em melhoramento genético e cultural, e daqui a quanto tempo não se sabe, atingirá o estatuto divino, de perfeição, de equilíbrio e de harmonia. Numa orientação mais negativa tudo continuará a ser mais ou menos na mesma, as dificuldades e imperfeições humanas continuarão a manifestar-se, até que tudo acabará por desintegrar-se e o projeto humano soçobrará no silêncio e no nada absolutos e eternos.

A revelação indica-nos uma outra perspectiva: o homem foi criado livre e responsável, em relacionamento e intimidade como Seu Criador, com a possibilidade de optar pelo seu próprio caminho. O que veio a acontecer. Hoje, nessa condição, conhecedor das consequências planetárias e individuais que daí ocorreram, pode ter uma outra opção face ao tempo que aqui irá viver e à eternidade.

A queda, como é conhecida em termos teológicos, esta tragédia, não encontra eco na cultura contemporânea, embora, por outro lado, se constate no dia a dia do homem e da sociedade. Preferimos pensar que estamos em evolução e que somos bons desde a nascença, do que afetados por uma corrupção geral desde a barriga da mãe. O que não muda é o facto de que alguma coisa não está bem com o homem. A sua responsabilidade e a esperança de mudança é o que realmente importa.

A “doença” de que trata a Bíblia é a da ausência de relacionamento, de intimidade, de sintonia, de comunhão do homem com Deus. A isso a revelação chama de pecado. O pecado consiste na impossibilidade do relacionamento e proximidade de Deus com o homem, a morte espiritual do homem que o impede, que o incapacita de se relacionar com Deus. Uma doença que é traduzida pela figura da lepra que afastava os que dela padeciam dos seus familiares e amigos e que ao mesmo tempo simboliza a sua insensibilidade às consequências que dela advêm.

O problema do homem é a rebeldia, é a solidão, é o egoísmo, é o egocentrismo, é o orgulho, é a prepotência, é a autosuficiência. Esta situação verifica-se com o Criador bem como com o próximo.

Mas Deus não se ausenta, não abandona o homem, não o deixa entregue a si mesmo. Daí em diante assiste-se ao desenrolar do plano divino que há-de culminar com a presença do próprio Deus entre os homens para consumar a Sua reconciliação com a pessoa humana, em respeito pela Sua justiça e santidade, e em consonância com o Seu amor e misericórdia.

É aqui que surgem alguns conceitos estruturantes da revelação: novo nascimento, graça, redenção, remissão, resgate e justificação.

Aquilo que para o homem poderá parecer bem fácil, para Deus representou a dádiva da vida de Cristo em sacrifício na satisfação da justiça e na realização do Seu amor. A aceitação incondicional não se impõe. Neste sentido a vulnerabilidade de Jesus entre os homens é manifesta. O amor vai ao ponto da própria morte. Mas a crucificação de Cristo na revelação vai muito mais além porque quer dizer que o próprio Deus Homem assume na íntegra a condição do homem e suporta sobre Si mesmo as consequências do pecado. Se a criação implicou apenas a palavra enunciada, a recriação exigiu o sangue derramado na cruz e a agonia da morte pelos pecados alheios. Daí também que a aceitação incondicional não signifique consentimento e indiferença para com o pecado. Tal não poderia acontecer porque isso seria a negação do amor e da justiça. A esperança existe com base na erradicação do pecado e das suas consequências eternas… a reconciliação eterna com Deus. Moradas eternas com o Senhor do Universo.

“(…) Vai-te embora e daqui em diante não tornes a pecar.” (João 8:11)

Para o homem de todos os tempos que Cristo tenha morrido como manifestação de amor face aos Seus discípulos, como mártir pelas suas ideias e ideais, é perfeitamente admissível e louvável. A questão muda de figura quando se afirma que a Sua morte foi substitutiva para nossa salvação. Ou seja que Ele sofreu as consequências da nossa rebeldia e desobediência para que pudéssemos ser aceites por Deus e declarados justos. Isto é verdadeiramente intragável pelo homem de hoje como o foi pelo judeu e grego do primeiro século. Mas é isso mesmo que a revelação declara, aceitemos ou não, gostemos ou não. A questão é que a questão está do lado divino e Ele mesmo a solucionou. O pecado apresenta-se em toda a sua malignidade quando nem sequer é percebido e reconhecido em toda a sua devastação. O homem teima em pensar que pode por si próprio resolver a sua situação, ou prefere o nada à salvação divina e à Sua companhia eterna. Mesmo assim Deus criou e Deus resgatou o que havia criado.

Já pendurado na cruz a multidão e os religiosos admitiam crer n’Ele se porventura saísse da cruz e se salvasse a Si mesmo. O que não viam é que essa Sua salvação seria a nossa condenação. Crer em Deus não chega para que tenhamos relacionamento pessoal com Ele. Foi preciso resolver pela morte as consequências eternas do pecado humano. Cumpriu-se a profecia salmódica: “O amor e a verdade se encontrarão; a justiça e a paz se beijarão.” (Salmo 85:11)

“Quem acreditou naquilo que ouvimos? A quem foi revelada a intervenção do Senhor? O servo cresceu diante do Senhor como um simples rebento ou raiz em terra árida sem aparência nem beleza para poder dar nas vistas. O seu especto não tinha qualquer atrativo. Era desprezado e abandonado pelos homens, como alguém cheio de dores e habituado ao sofrimento, e para o qual se evita olhar. Era desprezado e tratado sem nenhuma consideração. Na verdade ele suportava os nossos sofrimentos e carregava as dores, que nos eram devidas. E nós pensávamos que Deus é que assim o castigava e humilhava duramente. Mas ele foi ferido por causa das nossas faltas, aniquilado por causa das nossas culpas. O castigo que nos devia redimir caiu sobre ele; ele recebeu os golpes e nós fomos poupados. Todos nós vagueávamos como rebanho perdido, cada qual seguindo o seu caminho; mas o Senhor carregou sobre ele as consequências de todas as nossas faltas. Foi vexado e humilhado, mas a sua boca não se abriu para protestar; como um cordeiro que é levado ao matadouro ou como uma ovelha emudecida nas mãos do tosquiador, a sua boca não se abriu para protestar. Levaram-no à força e sem resistência nem defesa; quem é que se preocupou com a sua sorte? De facto, foi suprimido da terra dos vivos, mas por causa dos pecados do meu povo é que ele foi maltratado. Foi-lhe dada sepultura entre os ímpios e um túmulo entre os malfeitores, embora não tenha cometido qualquer crime, nem praticado qualquer fraude. Mas o Senhor quis esmagá-lo com o sofrimento, para que a sua vida fosse uma oferta de expiação. Mas o servo verá a sua descendência e viverá por muito tempo, e o desígnio do Senhor realizar-se-á por meio dele. Por causa do sofrimento da sua vida verá a recompensa,e ficará satisfeito com a experiência que teve. O meu servo, que é justo, fará com que muitos se tornem justos diante de mim, pois ele mesmo carregou com os crimes deles. Por isso receberá a sua parte entre os grandes e repartirá os despojos com os mais poderosos, já que expôs a sua vida à morte e foi contado entre os malfeitores, ele que carregou com o pecado de muitose intercedeu pelos pecadores.”(Isaías 53)

E se alguém lhe pergunta: “Que feridas são essas que trazes no corpo?” Ele responderá: “Fizeram-mas em casa dos meus amigos.” (Zacarias 13:6)

Se vocês chamam a Deus, vosso Pai, ele que julga cada um conforme as suas obras sem fazer distinção de pessoas, então tenham-lhe respeito enquanto vivem neste mundo. Saibam que foram resgatados daquela vida inútil que tinham herdado dos antepassados. E não foi pelo preço de coisas que desaparecem, como a prata e o ouro, mas pelo sangue precioso de Cristo, como o de um cordeiro sem mancha nem defeito. Ele tinha sido destinado para isso, ainda antes da criação do mundo e manifestou-se nestes últimos tempos, para vosso bem. Por meio dele vocês crêem em Deus que o ressuscitou dos mortos e o glorificou. E assim a vossa fé e esperança estão postas em Deus.

Aceitando a verdade, vocês ficaram purificados, para amarem sinceramente os irmãos na fé. Tenham pois amor uns aos outros de todo o coração. Todos vocês nasceram de novo, não de uma origem mortal, mas imortal, por meio da Palavra de Deus que vive para sempre. É assim que diz a Escritura: Todo o homem é como a erva e toda a sua grandeza como a flor da erva. A erva seca e a flor cai, mas a Palavra do Senhor permanece para sempre.” (1 Pedro 1:17-25)

O sentido final é a filiação divina do homem através de Jesus Cristo.

A expressão “novo nascimento” tem uma pertinência de esperança que não podemos nem devemos olvidar. Existe a possibilidade de um novo começo. Há a possibilidade de uma nova criação. O Criador é agora também Pai. De criaturas somos elevados à condição genuína de filhos.

Outro termo carregado de profundas implicações num tempo de competição selvagem e de consumismo é a graça. Não estamos condenados a conquistar a atenção e o amor de Deus. Phillip Yancey no seu livro “Maravilhosa Graça” exprime-o de uma forma eloquente quando afirma: “Não há nada que possamos fazer para Deus nos amar mais. Não há nada que possamos fazer para Deus nos amar menos.”

Finalmente e ainda por realizar está a consumação planetária e cósmica dessa redenção do Reino de Deus em novos céus e nova terra em que habitará a justiça. A bem-aventurança eterna é traduzida na plena realização da comunhão do homem com Deus por toda a eternidade.

Jesus disse depois aos seus discípulos: “Não estejam preocupados. Tenham confiança em Deus e em mim também! Na casa de meu Pai há muitos lugares; se assim não fosse, ter-vos-ia dito que vou preparar-vos um lugar? Eu vou à vossa frente para vos preparar lugar. Depois hei-de voltar para junto de vocês a fim de vos levar comigo. Quero que vocês estejam onde eu estiver. (João 14:1-3)

Pai! Que todos aqueles que me deste estejam onde eu estiver, para que possam ver a glória que me deste. Essa glória consiste em tu me teres amado antes que o mundo fosse mundo. Pai bondoso, o mundo não te conhece, mas eu conheço-te, e estes também já sabem que fui enviado por ti. Eu dei-lhes a conhecer quem tu és, e vou continuar a fazê-lo, para que eles se amem, como tu me amas, e o meu amor esteja neles.” (João 17:24-26)

Considero que estes três aspetos são hoje elementos essenciais para uma nova cultura, uma nova agenda, um novo estilo de vida, uma cosmovisão que proporcione ao homem e à humanidade, ao indivíduo e à sociedade uma forma de pensar e de agir com esperança.

Como professor estou convencido que estes fatores são decisivos para uma educação e formação que mudem efetivamente a essência do ser, dos relacionamentos e da ação.

Viver à deriva no jogo acidental dos genes e das condições sociais e económicas trará cada vez mais males.

Lamento profundamente que o consumismo e o materialismo contaminem decididamente o futuro e o presente desta geração.

Constato que a maior necessidade desta geração é amor, aceitação, afecto, carinho, exemplos, modelos e relacionamentos. Aprender a ser.

O centro de toda a revelação é um Deus pessoal que acaba por mostrar-se em carne e osso. Esse é o sentido pleno da revelação. O Deus longínquo e escondido torna-se próximo e visível, membro da nossa história. Experimenta a nossa carne, os nossos limites, as nossas circunstâncias e acaba por consentir que as nossas mãos O preguem numa cruz, realizando por Sua iniciativa e desta forma a nossa salvação. Pode parecer estultícia, loucura, escândalo. A razão parece aí que trava a sua batalha final e a sua incompatibilidade com a revelação. Mas é na expressão máxima do amor que a revelação rasga a razão e a une ao coração.

O apóstolo Paulo tem a este respeito algumas declarações que são contundentes:

Onde estão os sábios? Onde estão os doutores? Onde estão os entendidos nas coisas deste mundo? Não mostrou Deus que a sabedoria deste mundo não passa de loucura? Pois, uma vez que os homens, com a sua sabedoria, não reconheceram a Deus na sabedoria que ele manifestou, Deus achou por bem salvar os crentes por meio da mensagem que anunciámos e que aparentemente é uma loucura. De facto, os judeus pedem milagres e os gregos procuram sabedoria. Mas nós anunciamos Cristo que morreu na cruz. Isto causa horror aos judeus e parece uma loucura para os não-judeus. Mas para aqueles que foram chamados, quer sejam judeus quer não, Cristo é o poder e a sabedoria de Deus. Na verdade, aquilo que nas obras de Deus parece loucura tem muito mais sabedoria do que toda sabedoria humana, e aquilo que parece fraqueza tem muito mais força do que toda a força humana.

Irmãos, pensem no que eram, quando foram chamados por Deus. Não eram muitos os intelectuais, os poderosos ou os da alta sociedade. Pelo contrário, Deus escolheu aqueles que os homens tinham por ignorantes, para envergonhar os sábios e aqueles que os homens tinham por fracos, para envergonhar os fortes. Deus escolheu os que, no mundo, não têm importância nem valor, para deitar abaixo os que parecem importantes. Assim, ninguém, se pode orgulhar diante de Deus. é por ele que vocês vivem em união com Cristo Jesus, que se tornou para nós a sabedoria que vem de Deus, que nos pôs em boas relações com Deus, e nos consagrou a ele e nos libertou do pecado. Deste modo, e como diz a Sagrada Escritura:

Por isso, irmãos, ao chegar à vossa terra não fui anunciar-vos o plano de Deus com grandes discursos e muita sabedoria. Eu não pretendia fazer-vos ver mais nada a não ser Jesus Cristo e sobretudo o valor da sua morte na cruz. Apresentei-me diante de vocês como um homem sem forças, cheio de medo e ansiedade. E quando vos falei e preguei não tentei convencer-vos com a linguagem da sabedoria humana. Pelo contrário, mostrei-vos o Espírito e o poder de Deus, para que vossa fé não se apoiasse na sabedoria dos homens, mas no poder de Deus.

(1 Coríntios 1:20-31; 2:1-5).

JESUS CRISTO – A RAZÃO DAS RAZÕES – A REVELAÇÃO DENTRO DA HISTÓRIA EM CARNE E OSSO, OLHOS NOS OLHOS

Se me pedissem uma única razão para acreditar e aceitar a Bíblia como revelação, como Palavra de Deus eu apontaria necessariamente para o Seu centro: Jesus Cristo. Ele é a revelação – a Palavra viva, Deus feito carne e osso no nosso meio. É aí que a Revelação atinge a sua plenitude. Assim se exprime o escritor da carta ao Hebreus logo na sua abertura:

Nos tempos antigos, Deus falou muitas vezes e de muitas maneiras aos nossos antepassados pelos profetas. Mas agora, que o fim está perto, falou-nos por meio do seu Filho. Foi por meio dele que Deus criou o mundo e a ele deu o poder sobre todas as coisas. Ele é o reflexo da glória de Deus e a mensagem perfeita da sua pessoa. É ele que sustenta o universo com o poder da sua palavra. Depois de ter purificado os homens dos seus pecados, ele tomou o seu lugar no céu, à direita de Deus.

(Hebreus 1:1-3).

Já lá vão vinte séculos depois da Sua passagem histórica entre nós e não podemos deixar de esbarrar na quantidade de sinais que nos dão testemunho da Sua presença. Muita coisa feia e horrível aconteceu e continua a acontecer depois da Sua vida e do Seu ensino, em contradição nítida com a forma como Ele viveu e com o que a partir daí ensinou. Mas as trevas mais intensas ainda fazem ressaltar mais o brilho da Sua pessoa. Em abono da verdade convém não ficar com a impressão de que o mal supera o que de bom foi feito e conseguido, porque não é assim.

Jesus Cristo continua a ser o expoente ético e espiritual. Fazemos coro com o psiquiatra Augusto Jorge Cury nos títulos dos seus livros: “O Mestre dos Mestres”, “O Mestre da Sensibilidade” e “O Mestre da Vida”.

Toda a excelência do ser tem a sua manifestação em Jesus Cristo. Aí a revelação atinge o seu auge, a sua plenitude. Nada mais há para acrescentar. O autor assenta arraiais entre nós.

Analisando a vida de Jesus Cristo verificamos ser Ele uma pessoa de relacionamentos, de amizade, de proximidade:

Depois vem o Filho do Homem, que come e bebe, e dizem dele: “Olhem para este homem! Come bem e bebe melhor e é amigo de cobradores de impostos e outra gente de má fama. Mas a sabedoria de Deus só se mostra pelas obras.” (Mateus 11:18,19)

O ensino de Jesus tem as suas tónicas no amor, no perdão, no serviço, no relacionamento.

Jesus conta parábolas e histórias reais como do Filho Pródigo, da Ovelha Perdida, da Dracma Perdida, do Bom Samaritano, do Rico e do Lázaro, que são autênticas celebrações da reconciliação, da amizade, da solidariedade, da tolerância, do amor, do serviço e do perdão.

Jesus revela o Pai na medida em que Ele é íntimo do Pai desde a eternidade e, no Seu percurso, esta é uma tónica permanente.

Tornarmo-nos filhos de Deus decorre da nossa aceitação de Jesus como Seu Filho segundo escreve o apóstolo João: “Veio para o seu próprio povo, que não o quis receber. Mas àqueles que o receberam e acreditaram nele deu o privilégio de se tornarem filhos de Deus. Não se tornaram filhos de Deus por vontade e geração humana, mas sim porque Deus o quis. (João 1:11-13)

            O apóstolo Mateus coloca a questão nos seguintes termos citando a Jesus:

Venham ter comigo todos os que andam cansados e oprimidos e eu vos darei descanso. Juntem-se a mim e aprendam comigo, que sou manso e humilde de coração. Assim o vosso coração encontrará descanso, pois os deveres que eu vos imponho são agradáveis e os meus fardos são leves.” (Mateus 11:28-30)

A indisposição de Jerusalém em ser acolhida por Cristo arranca do seu coração um gemido e dos seus olhos lágrimas:

Jesus disse: “Oh, Jerusalém, Jerusalém! Matas os profetas e apedrejas os mensageiros que Deus te envia! Quantas vezes eu quis juntar os teus habitantes como a galinha junta os pintainhos debaixo das asas! Mas tu não quiseste. (Mateus 23:37)

            A intimidade e o relacionamento são tão determinantes na vida cristã que Jesus coloca-os alegoricamente na mesma relação que existe entre a videira e os seus ramos:

Eu sou a autêntica videira e o meu Pai é o que trata da vinha. Ele poda todos os ramos que em mim não dão fruto, e limpa os que dão fruto, para que dêem ainda mais. Vocês já estão limpos pelo ensino que eu vos deixei. Permaneçam unidos a mim, que eu também permaneço unido a vocês. Um ramo não pode dar fruto por si só, se não estiver unido à videira. Por isso, vocês não podem dar fruto se não estiverem unidos a mim. Eu sou a videira e vocês os ramos. Aquele que estiver unido comigo dá muito fruto. Porque sem mim vocês nada podem fazer. Todo aquele que não estiver unido a mim, é lançado fora como um ramo e seca. Tais ramos são enfeixados e lançados ao fogo para arderem. Se vocês continuarem unidos a mim e não esquecerem as minhas palavras, hão-de receber tudo quanto pedirem. Se vocês derem muito fruto e mostrarem que são meus discípulos, a glória do meu Pai será manifestada. Eu tenho-vos amor como o meu Pai me tem amor a mim. Continuem sempre unidos no meu amor! Se obedecerem à minha doutrina, permanecem sempre unidos no meu amor. Eu também obedeço à vontade do Pai e nunca me afasto do seu amor. Falo-vos desta maneira para que se alegrem comigo e para que tenham uma alegria perfeita. O meu mandamento é este: amem-se uns aos outros como eu sempre vos tenho amado. Ninguém ama tanto como aquele que dá a vida pelos amigos. Vocês são meus amigos se fizerem aquilo que eu vos mando. Agora já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor. Chamo-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo quanto aprendi de meu Pai. Não foram vocês que me escolheram, mas sim eu que vos escolhi e enviei para produzirem muito fruto; não um fruto passageiro, mas um fruto que dure para sempre. Desta maneira, o Pai vos há-de dar tudo quanto lhe pedirem em meu nome.

E recomendo-vos isto: amem-se uns aos outros. (João 15:1-17)

            Importa no entanto entender que nas palavras e ensino de Jesus Cristo relacionamento, amizade, significa acertar o passo,  a mente e o coração por Ele.

Vocês são meus amigos se fizerem aquilo que eu vos mando. (João 15:14)

Enquanto Jesus estava ainda a falar à multidão, chegaram sua mãe e seus irmãos. Ficaram do lado de fora e procuravam maneira de lhe falar. Então alguém lhe disse: “Olha que tua mãe e os teus irmãos estão ali fora e querem falar contigo. Jesus disse à pessoa que lhe foi dar o recado: “Quem é minha mãe e quem são os meus irmãos?” Depois apontou para os discípulos e disse: “Aqui está a minha mãe e os meus irmãos! Aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe.” (Mateus 12:46-50)

            O apóstolo Paulo torna-se na sua própria experiência um exemplo e modelo da mudança radical de uma religiosidade e espiritualidade rígida, legalista, ritualista, enclausurada, feita de normas e esforço para conquistar o merecimento, para um relacionamento pessoal com base no amor incondicional de Deus, na Sua graça e misericórdia. E é neste termos que ele coloca a missão do povo de Deus:

Assim, de agora em diante, já não quero julgar ninguém por critérios humanos. Ainda que noutro tempo tenha pensado assim sobre Cristo, agora já não o faço. É que quem vive unido a Cristo torna-se uma pessoa nova. Tudo é novo. Isto é obra de Deus que, em Cristo, nos reconciliou consigo e nos chamou a colaborar nessa obra de reconciliação. Assim, Deus, por meio de Cristo, reconciliou consigo a humanidade, não tendo em conta os seus pecados e encarregando-nos de anunciar a obra da reconciliação. O encargo que eu tenho é, portanto, exercido em nome de Cristo e é Deus que fala por meu intermédio. Em nome de Cristo vos peço, irmãos, que se reconciliem com Deus. Cristo não tinha cometido pecado, mas Deus, para nosso bem, tratou-o como pecador, para que nós, em união com ele pudéssemos ser bem aceites por Deus. (2 Coríntios 5:16-21)

            Ao orar pela Igreja na cidade de Éfeso Paulo coloca o acento tónico no conhecimento de experiência feito do amor divino. Vale a pena prestar atenção a esta oração:

Por este motivo, eu me ajoelho em oração diante de Deus Pai, no qual toda a família, tanto no céu como na terra, tem a sua origem. Que ele vos conceda, com a riqueza do seu poder, a força para se manterem interiormente firmes e seguros, pelo Espírito. Também peço a Deus que Cristo habite pela fé em vossos corações e que estejam bem arraigados e alicerçados no amor, para poderem compreender, com todos os crentes, a grandeza, a largueza, a imensidade, e a profundidade do amor de Cristo. Que sejam capazes de conhecer o amor de Cristo, ainda que ele ultrapasse qualquer possibilidade de conhecimento, para que Deus vos encha com toda a sua riqueza. Demos louvores a Deus, o qual, pela força que nos concede, tem poder para realizar muito mais do que aquilo que nós pedimos ou somos capazes de imaginar. Demos-lhe louvores por meio da igreja e de Jesus Cristo, para sempre. Ámen. (Efésios 3:14-21)

O projeto divino é fazer habitação no coração do homem e esse é o nosso maior privilégio. O coração do homem foi feito para ser ocupado pela presença divina e só essa presença efetivamente o preenche e satisfaz. Nada mais é capaz de tamanha façanha. É essa presença que ilumina a razão com a luz da revelação.

Olhem que eu estou à porta e chamo. Se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, eu entro em sua casa, janto com ele e ele comigo. (Apocalipse 3:20)

E o que dizer da teoria geocêntrica, e da teoria da evolução, e da ideia que o homem terá sido criado há cerca de 4000 anos antes de Cristo? Não existe efetivamente um conflito entre a revelação e a razão, ou entre a revelação e a ciência?

Não é pretensão da revelação dar-nos uma explicação científica acerca da forma pela qual as coisas são feitas, mas encaminhar-nos para uma relação que traz plenitude e realização a tudo o que existe.

Entre a revelação e a razão está a relação porque o tema essencial e fundamental da Bíblia é a relação do homem com Deus, consigo mesmo e com o outro. A aparente tensão entre a revelação e a razão é plenamente superada na relação pessoal e no conhecimento que daí desponta e se desenvolve.

Samuel R. Pinheiro

 

 

 

 

Deixar uma resposta