ELEIÇÃO

ELEIÇÃO

Por Rui Tiago Reis

Rui Reis

Monografia elaborada para a

Disciplina Metodologia do Trabalho Científico

do docente Prof. Samuel Pinheiro

FANHÕES

20 de Junho de 2018

 

Índice

Introdução…………………………………………………………………………………………………………. 1

I. caracterização geral da eleição…………………………………………………………. 2

1.  Conceito Bíblico de Eleição…………………………………………………………………………….. 2

2.  Diferentes Correntes Teológicas……………………………………………………………………….. 3

ii. eleição no antigo e novo testamento…………………………………………………. 5

1.  Antigo Testamento…………………………………………………………………………………………. 5

2.  Novo Testamento…………………………………………………………………………………………… 6

III. versículo chave e outros versículos……………………………………………….. 8

1.  Versículo Chave…………………………………………………………………………………………….. 8

2.  Outros Versículos…………………………………………………………………………………………… 9

Conclusão…………………………………………………………………………………………………………. 12

Bibliografia……………………………………………………………………………………………………… 13

 

 

Introdução

O presente trabalho enquadra-se na disciplina do 1º ano de Metodologia do Trabalho Científico e tem como foco principal efetuar uma análise concisa da doutrina bíblica da eleição. A eleição tem sido uma doutrina muito polémica e discutida ao longo da história da igreja, inclusive tem dividido muitos teólogos e o movimento evangélico. “Se Deus é soberano, como podemos então ser livres? A soberania divina não torna a liberdade humana um simulacro? Não é o Deus soberano um grande dono de marionetes, puxando as cordinhas das pequenas marionetes humanas para fazer a vontade dele?”[1]

A dificuldade em conciliar a soberania de Deus e o livre-arbítrio é real, o que gera muitas questões nas mentes dos cristãos e impacta diretamente a doutrina da eleição. Nas palavras de Champlin “Nós os cristãos modernos, com frequência pensamos que essa doutrina da eleição, que atravessa a Bíblia inteira é difícil de ser compreendida.”[2] Apesar de haver certas respostas que só teremos a certeza da sua veracidade quando chegarmos à presença de Deus, é importante estudarmos acerca da eleição e assumirmos uma posição referente a esta doutrina, pois não há dúvidas que ela faz parte da Palavra de Deus.

A atual monografia pretende conduzir o leitor a compreender sinteticamente a doutrina bíblica da eleição através de uma abordagem estrutural dividida em três capítulos: O primeiro capítulo do trabalho diz respeito à “Caracterização Geral da Eleição”, neste primeiro ponto é apresentado o conceito base de eleição e a visão das duas principais correntes teológicas (Arminianismo e Calvinismo) acerca desta doutrina. O segundo capítulo identifica-se como “Eleição no Antigo e Novo Testamento”, nesta secção do trabalho será analisado o significado panorâmico e diversos casos de eleição ocorridos no Antigo e Novo Testamento. No último capítulo aborda-se o “Versículo Chave e Outros Versículos”, ou seja, examina-se mais especificamente a doutrina da eleição com base em alguns versículos bíblicos. Por fim, apresenta-se sumariamente as conclusões que se puderam retirar após o estudo da temática em causa. Todas as citações bíblicas introduzidas neste trabalho dizem respeito à tradução Almeida Revista e Atualizada (ARA).

 

I. caracterização geral da eleição

O significado do termo eleição para uma pessoa que não professa a fé cristã em comparação a um cristão pode ser distinto, dado a posição deste termo na doutrina bíblica ter um sentido diferente face à forma como é usado na vida comum do dia-a-dia.  Segundo um dicionário comum de língua portuguesa, o termo eleição, com origem numa palavra latina (Electio, -onis), resumidamente, significa “ato de eleger: 1. escolha, por sufrágio, de alguém para ocupar um cargo, um posto ou desempenhar determinada função; pleito 2. escolha preferencial; primazia, predileção (…)”[3].  Em uso corrente, o termo eleição diz respeito sobretudo a um ato eleitoral, contudo, tendo em vista a temática deste trabalho, o mais interessante será analisar este conceito do ponto de vista bíblico, doutrinário e sumariamente compreender como as diferentes correntes teológicas se relacionam com ele.

1.    Conceito Bíblico de Eleição

Ao consultar-se um dicionário bíblico, percebe-se efetivamente que o significado do termo eleição é diferente quando comparado a um dicionário comum de língua portuguesa. No dicionário Wyclife:

Eleição é a doutrina relacionada à divina escolha de Deus de alguns indivíduos de toda a humanidade, para se tornarem seus, através da regeneração e da salvação. A eleição deve ser relacionada, mas não diferenciada dos decretos de Deus em geral, da predestinação, da pré-ordenação e do conhecimento prévio.[4]

O termo eleição biblicamente está ligado à doutrina e remete-nos para a situação em que Deus concede salvação aos seus eleitos. A análise desta doutrina também envolve o estudo de como essa seleção foi realizada. Será que envolve uma pré-ordenação designada por Deus, ou seja, de entre os pecadores Deus escolheu salvar apenas alguns, deixando outros a caminho do inferno, ou será que essa eleição depende da resposta do homem ao chamado de Deus à salvação? A própria palavra predestinação, que se relaciona com a doutrina da eleição, pode ser encarada de forma diferente. “Pode ser empregada, primeiramente, no sentido geral de pré-ordenação (…). Deus ordena antecipadamente tudo o que acontece. Em segundo lugar, pode referir-se ao propósito geral da redenção sem referência específica a indivíduos concretos.”[5]

Para alguns cristãos a eleição está estreitamente relacionada à predestinação e pré-ordenação de todos os acontecimentos por Deus. Segundo Strong “Eleição é o ato eterno de Deus pelo qual, em seu soberano agrado e não por mérito algum previsto nos homens ele escolhe alguns dos numerosos pecadores para serem os recetores da graça especial do seu Espírito (…).”[6] Teólogos como Strong seguem uma linha de raciocínio calvinista.

Através da consulta à enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, depreende-se principalmente que “a eleição é um dos decretos de Deus. O lado oposto da eleição é a reprovação. O Arminianismo se opõe violentamente a estas doutrinas, promovendo o ensino do livre-arbítrio do homem e a universalidade do evangelho (…).”[7] A consulta desta enciclopédia permite desde logo entender que existem diferentes opiniões teológicas acerca da doutrina da eleição, de um lado temos o raciocínio calvinista e do outro lado o raciocínio arminiano. Atendendo que no meio evangélico, a grande maioria dos cristãos pensa de acordo com uma destas duas linhas de raciocínio, estas serão em seguida apresentadas sucintamente.

2.    Diferentes Correntes Teológicas

“Não há discussão entre as tradições cristãs quanto à necessidade da união com Cristo para a salvação. Porém, existe muita discussão sobre o significado dessa união e como é que a pessoa consegue entrar em união com Cristo.”[8] Tanto o Calvinismo como o Arminianismo assentam em cinco pontos, os quais se contraíram totalmente nas suas posições mais extremas.

O Calvinismo baseia-se em: “1. Depravação Total, 2. Eleição Incondicional, 3. Expiação Limitada, 4. Graça Irresistível, 5. Perseverança dos Santos.”[9] De acordo com Geisler, um Calvinista pode observar estes cinco pontos de um ponto de vista extremo ou de um ponto de vista moderado, como pode ser verificado na tabela 1. Um calvinista moderado vê os cinco pontos de forma totalmente diferente, o que leva muitas vezes os calvinistas extremados a consideram os moderados como adeptos e seguidores do arminianismo, o que não é verdade.

Tabela 1 – Ponto de vista extremo e moderado de um calvinista[10]

Cinco Pontos

Calvinismo Extremo

Calvinismo Moderado

Depravação total

Intensiva (destrutiva)

Extensiva (corruptora)

Eleição incondicional

Nenhuma condição para Deus ou para o homem

Nenhuma condição para Deus; uma condição para o homem (fé)

Expiação limitada

Limitada na extensão (somente para os eleitos)

Limitada no resultado (mas para todas as pessoas)

Graça irresistível

Em sentido coercitivo (contra vontade do homem)

Em sentido persuasivo (de acordo com a vontade do homem)

Perseverança dos santos

Nenhum dos eleitos morrerá em pecado

Nenhum eleito será perdido (mesmo que morra em pecado)

 

Por outro lado, o Arminianismo assenta em: 1. Vontade Livre, 2. Eleição Condicional, 3. Expiação Universal, 4. A Graça pode ser impedida, 5. O Homem pode cair da Graça.”[11] Um arminiano comum ou moderado defende “a realização do decreto de Deus de salvar pecadores é condicionada à perseverança na fé e na obediência daqueles que crerão em Jesus. Como conclusão lógica, a eleição está baseada na presciência que Deus tem daqueles que responderão ao evangelho (…).”[12] Um adepto do Arminianismo também defende que Deus quer salvar todas as pessoas, mas concede o livre-arbítrio ao homem de escolher aceitar ou rejeitar essa salvação, além de que a condição de salvo pode ser perdida por uma pessoa. O problema do arminianismo extremo é colocar demasiada ênfase na vontade humana, retirando a soberania a Deus.

“Os calvinistas moderados e os arminianos moderados, que representam a grande maioria da cristandade, têm muito em comum.”[13] O diálogo entre seguidores moderados destas duas linhas de raciocínio é possível e saudável, ambos acreditam que “A Bíblia é um livro equilibrado. Ela afirma tanto a soberania de Deus quanto a livre-escolha do ser humano.”[14] As diferenças teológicas restantes devem ser respeitadas, atendendo ao facto que nenhum ser humano é dono da verdade absoluta e pode ter a certeza que sua exegese do texto bíblico corresponde inteiramente à verdade divina.

 

ii. eleição no antigo e novo testamento

“Na revelação progressiva do plano de redenção na Bíblia, o conceito do relacionamento salvífico entre Deus e o seu povo se torna um dos temas centrais. O amor de Deus chega a seu ápice na eleição e união do seu povo com Cristo.”[15] A eleição é sem dúvida uma doutrina bíblica e está presente em ambos os testamentos, contudo a forma como é apresentada e aplicada varia do antigo testamento para o novo testamento, pelo que é útil analisar-se os diferentes casos de eleição que ocorrem em cada um dos testamentos. A partir deste capítulo a doutrina da eleição será abordada seguindo uma linha de raciocínio arminiana moderada.

1.    Antigo Testamento

O “Antigo Testamento diz que Deus escolheu Abraão (Neemias 9:7), o povo de Israel (Deuteronómio 7:6, 14:2; Atos 13:17), Davi (I Reis 11:34), Jerusalém (II Reis 23:27) e o Servo (Isaías 42:1, 43:10).”[16] Abraão é o primeiro exemplo bíblico de alguém que foi eleito por Deus. A graça de Deus neste homem “foi poderosa para tirá-lo de Ur da Caldéia, e, ao dar-lhe o nome de Abraão, Ele colocou honra sobre ele, tornando-o seu e assegurando-o de que deveria ser o pai de uma multidão de nações.”[17] A relação de Deus com este homem marca também o inicio da relação de Deus com a nação de Israel e respetiva eleição. “Este povo foi escolhido para receber a revelação divina (…). Deus fala que é Israel é povo santo, separado e santificado; o seu povo próprio (…)”[18], de onde haveria de nascer o Messias.

A eleição individual de Abraão transforma-se na eleição coletiva de Israel, no entanto esta aliança era alicerçada no cumprimento da lei pelo povo. “A eleição do povo não anula a resposta humana, que faz parte do processo de salvação (…)”[19], esta eleição era coletiva, no entanto a responsabilidade de cumprir a lei era individual. Esta questão fica bem patente na relação de Deus com o rei Davi e seu antecessor Saúl, ambos membros do povo de Israel. Os dois foram eleitos por Deus, mas suas respostas individuais foram diferentes. Samuel disse a Saúl “(…) Visto que rejeitaste a palavra do Senhor, ele também te rejeitou a ti, para que não sejas rei.” (I Samuel 15:23). A falta de arrependimento sincero por seus pecados, levou a que Saul perdesse sua eleição, contudo Davi foi um homem segundo o coração de Deus. “Então disse Davi a Natã: Pequei contra o Senhor. Disse Natã a Davi: Também o Senhor te perdoou o teu pecado; não morrerás.” (II Samuel 12:13). A eleição parte sempre de Deus, todavia “(…) a salvação visa um relacionamento pessoal e íntimo com Deus, a resposta humana é importante.”[20]

No Antigo Testamento Deus também elegeu a cidade de Jerusalém, “mas escolhi Jerusalém para que ali seja estabelecido o meu nome (…)” (2 Crónicas 6:6). Jerusalém, cidade de reis, foi designada para receber o templo e ser o lugar onde Deus deveria ser honrado e adorado, contudo o propósito de Deus era maior do que habitar num templo construído por mãos humanas. Deus pretendia alcançar o resto do mundo, Israel não estava à altura da missão, apenas o Messias estava. “Eis aqui o meu servo, a quem sustenho; o meu escolhido, em quem a minha alma se compraz; pus sobre ele o meu Espírito, e ele promulgará o direito para os gentios” (Isaías 42:1). Esta descrição “(…) vai além do que é o Israel visível ou mesmo o Israel ideal. (…) No mínimo, precisamos reconhecer aqui um tipo do nosso Senhor Jesus Cristo (…).”[21] Nas palavras de Henry “embora Ele fosse Filho, ainda assim, como mediador, Ele assumiu a forma de servo, aprendeu a obediência à vontade de Deus e a praticou, e renunciou a si mesmo para o progresso dos interesses do Reino de Deus, e assim foi Servo de Deus.”[22]  Por intermédio do Messias seria instituída a nova aliança, dado que “sua natureza reflete o Deus que elege, e em Jesus não achamos nenhum particularismo.”[23]

2.    Novo Testamento

“No Novo Testamento, a escolha divina inclui anjos (I Tm 5:21), Cristo (Mt 12:18; I Pe 2:4,6), um remanescente de Israel (Rm 11:5) e os crentes, isto é, os eleitos, quer individual (Rm 16:13; II Jo 1:1,13), ou coletivamente (Rm 8:33; I Pe 2:9).”[24] Horton começa por referenciar a eleição dos anjos, referenciada em I Timóteo 5:21, neste versículo “os anjos são descritos como eleitos em contraste com os anjos caídos (…)”[25], tal como os homens, os anjos também são livres de fazer a sua escolha, os que escolheram servir a Deus, são descritos como os seus eleitos.

A encarnação do Messias surge no Novo Testamento, cumprindo-se assim as profecias do Antigo Testamento. “(…) Jesus Cristo era o escolhido de Deus, como a única pessoa adequada e apropriada para cuidar da grande obra da nossa redenção.”[26] Ele é o mediador, o único que foi perfeito e capaz de sustentar a nova aliança entre Deus e os seres humanos que haveriam de ser chamados seus filhos. “Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou” (Romanos 8:29 – 30). De acordo com Myatt e Ferreira “Neste texto há uma progressão lógica, da eleição até à glorificação, tudo procedendo do eterno decreto de Deus para justificar os eleitos. (…) A eleição, a predestinação, o chamado, a justificação e a glorificação aparecem com uma unidade completa.”[27] O propósito de Deus é que os seus eleitos atinjam a glorificação. Todo o ser humano é chamado a entrar neste processo, contudo tal como no Antigo Testamento a responsabilidade é individual, existe possibilidade de escolha.

A encarnação de Cristo mudou o paradigma, a eleição anteriormente restrita ao povo de Israel, no Novo Testamento é aberta a todos. Jesus Cristo é a pedra fundamental de todas as nossas esperanças e felicidade”[28], “também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mateus 16:18). A verdadeira igreja está edificada em Jesus, todos os que fazem parte dela são considerados “(…) raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus (…)” (I Pedro 2:9). A nação de Israel falhara na sua missão, todavia eles não foram totalmente rejeitados por Deus, como em tantos períodos de rebeldia durante os tempos do antigo testamento “assim, pois, também agora, no tempo de hoje, sobrevive um remanescente segundo a eleição da graça” (Romanos 11:5). A eleição não surge de atos meritórios de homens, mas somente pela graça e misericórdia de Deus, a qual não faz distinção entre judeus e gentios.

 

III. versículo chave e outros versículos

O presente capítulo visa uma análise mais concisa da doutrina da eleição à luz da Palavra de Deus, doutrina esta que é muito discutida devido ao paradoxo existente entre a soberania de Deus e o livre-arbítrio do homem. “Visto que a Bíblia não tenta harmonizar este aparente paradoxo, ele continua sendo um dos ‘mistérios’ mais divisórios e especulativos da fé cristã (…)”[29]. Em primeiro lugar será utilizado um trecho da palavra de Deus, o qual será denominado como versículo-chave, este será explorado e analisado de forma específica, desenvolvendo e aprofundado as ideias referidas e exploradas superficialmente nos anteriores capítulos. Por último serão apresentados e estudados outros versículos que vão complementar a investigação efetuada sobre a doutrina da eleição, contudo estes versículos não serão explorados na mesma dimensão do versículo-chave.

1.    Versículo Chave

O trecho da Bíblia escolhido para servir de base ao estudo mais aprofundado da doutrina da eleição corresponde a Efésios 1:3-5: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais em Cristo, assim como nos escolheu, nele, antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade.”

A doutrina da eleição está contida essencialmente nos versículos quatro e cinco referidos, todavia o versículo três identifica o ponto de partida da eleição, ou seja, quem é o eleitor.   Definir o eleitor é muito importante, porque para se compreender esta doutrina primeiro é necessário entender a origem da eleição, a qual segundo o versículo três nasceu na mente de Deus, “fomos ‘eleitos’, isto é, ‘escolhidos’ por Deus.”[30] No conjunto dos três versículos apresentados, percebe-se que a “eleição é um dos vários motivos encontrados neste magnífico paragrafo que descrevem diferentes facetas da graça e propósito salvífico de Deus.”[31]

Não devemos cair em extremos arminianos, Deus é o ponto de partida deste processo e não o homem, contudo também não podemos tender para extremos calvinistas, “a eleição simplesmente afirma que a fé pessoal repousa sobre a obra anterior (graça) de Deus (…).”[32] A fé tem de estar em Cristo, “o fundamento da igreja, de sua plena salvação do princípio ao fim, consequentemente também de sua eleição, é Cristo.”[33] Todas as bênçãos e respetiva eleição são por meio Dele, “com toda sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais em Cristo, assim como nos escolheu, nele” (Efésios 1:3-4). Este desígnio de Deus é anterior à nossa existência, já estava delineado há muito tempo, o seu propósito é a nossa santificação e sermos aprazíveis a Ele, como identifica Efésios 1:4 “antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele”. A “eleição não é apenas para salvação, mas para santidade de vida.”[34]

No versículo cinco surge outro desígnio de Deus, a predestinação, a qual se dirige aos eleitos de Deus e “(…) se refere às bênçãos para as quais estão destinados, especialmente a bênção que nos predestinou para filhos de adoção.”[35] Este privilégio é derivado do amor de Deus e da sua vontade, “sem nada fora de si mesmo que o movesse, ele os separou para que fossem seus próprios filhos.”[36] Tanto a eleição como a predestinação são possíveis apenas por meio de Cristo. Estas doutrinas não contradizem o livre-arbítrio do homem, o evangelho é oferecido a todos. Aqueles que aceitam a nova identidade em Cristo oferecida por Deus são denominados eleitos, os quais Deus conhecia por meio da sua presciência, todavia “(…) o cristão necessita perceber que sua fé descansa completamente sobre a obra de Deus e não sobre o fundamento inseguro de qualquer coisa que encontre em si mesmo.”[37]

2.    Outros Versículos

Para completar o estudo serão apresentadas em seguida análises efetuadas a mais alguns versículos da Bíblia. Os versículos de apoio por ordem bíblica são João 15:16, Romanos 8:29-30, II Tessalonicenses 2:13, II Timóteo 1:9 e I Pedro 1:2. As duas primeiras análises apresentadas serão a de II Tessalonicenses e II Timóteo, porque ambas apoiam a ideia de que Deus é quem formalizou a eleição desde a eternidade, ideia já defendida no estudo do versículo chave. Em seguida são expostas as análises dos textos de Romanos e I Pedro, visto que estes versículos clarificam a relação entre a eleição, predestinação e presciência de Deus. Por último apresenta-se o estudo efetuado à passagem bíblica de João, a qual revela que Jesus escolheu seus discípulos.

O texto de II Tessalonicenses 2:13 declara “entretanto, devemos sempre dar graças a Deus por vós, irmãos amados pelo Senhor, porque Deus vos escolheu desde o princípio para a salvação, pela santificação do Espírito e fé na verdade.” Neste versículo, como no versículo chave, ambos escritos pelo apóstolo Paulo, compreende-se que a eleição é um desígnio de Deus formado na eternidade, muito antes de nós existirmos. Hendriksen afirma “(…) Deus chamou homens a uma salvação para a qual os havia escolhido anteriormente é tanto lógico quanto paulino.”[38]

Em II Timóteo 1:9 constata-se “que nos salvou e nos chamou com santa vocação; não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos.” Neste texto percebemos mais uma vez que o movimento inicial na nossa eleição foi realizado por Deus, tal como é a sua ação através do sacrífico de Cristo que dá eficiência à salvação. Nas palavras de Fee “Deus iniciou e efetuou a salvação.”[39]

Romanos 8:29-30 afirma “Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou.” Estes dois versículos têm sido interpretados ao longo dos tempos de maneiras diferentes. De acordo com a linha de raciocínio até aqui seguida, Murray afirma em relação aos predestinados que Deus “(…) os conheceu de antemão como seus por causa da fé. De conformidade com essa interpretação, a predestinação é concebida como algo condicionado à previsão da fé.”[40] Deus não predestina ninguém para a perdição, mas aqueles que depositam sua fé em Cristo (decisão prevista por Deus) são predestinados a “serem conformes à imagem de Seu Filho”. Os predestinados posteriormente são conduzidos num processo que conduz à glorificação.

I Pedro 1:2 refere “eleitos, segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito, para a obediência e a aspersão do sangue de Jesus Cristo, graça e paz vos sejam multiplicadas.” Deste versículo é possível compreender dois aspetos, primeiramente a eleição tem como objetivo a santificação e uma vida de obediência a Deus. Em segundo lugar, os eleitos são designados segundo o conhecimento prévio de Deus, nunca é afirmado que Deus toma controlo da decisão pessoal da pessoa e que a predetermina à eleição ou perdição. De acordo com Mueller “por um lado a nossa salvação é deixada completamente à nossa decisão (…). Por outro lado, contudo, a nossa salvação repousa totalmente na eleição prévia da parte de Deus (…).”[41]

O trecho de João 15:16 diz: “Não fostes vós que me escolhestes a mim; pelo contrário, eu vos escolhi a vós outros e vos designei para que vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça; a fim de que tudo quanto pedirdes ao Pai em meu nome, ele vo-lo conceda.” Neste trecho da Palavra de Deus, Jesus dirige-se aos seus discípulos revelando que fora Ele que os escolhera e não o contrário. Eles tinham sido selecionados por causa da graça de Deus, “não era devido à sua sabedoria e benevolência (…). Embora os ministros façam deste santo chamado sua própria escolha, a escolha de Cristo é anterior à deles, e a orienta e determina.”[42] Este versículo revela que Deus pode escolher certas pessoas para certas responsabilidades, todavia a concretização dessa eleição depende também da nossa decisão. Judas Iscariotes foi escolhido e sua decisão pessoal levou-o à perdição.

Os versículos analisados apoiam muitas verdades compreendidas no versículo-chave, trazendo mais alguma claridade a outros aspetos da doutrina da eleição. Do estudo efetuado destes versículos depreende-se sobretudo que a eleição é um ato designado por Deus previamente à nossa existência, ação esta que só tem valor e eficiência por meio de Jesus Cristo. A nossa responsabilidade é somente escolher depositar ou não a nossa fé em Cristo. Por outro lado, a eleição e a predestinação, são formalizadas com base na presciência de Deus. Em suma Deus concede oportunidade a todos de serem eleitos através do sacrifício de Jesus, mas Ele já sabe quem serão os eleitos que depositarão sua fé em Cristo.

 

Conclusão

Esta monografia tornou possível compreender em primeiro lugar que a definição do termo eleição à luz da Bíblia é diferente em comparação à definição e uso comum desta palavra no dia-a-dia na nossa sociedade. O termo eleição, biblicamente aponta para a doutrina da eleição, a qual permeia toda a Palavra de Deus e baseia-se na eleição divina de pessoas para a salvação. O conhecimento humano e lógico tem muita dificuldade em entender esta doutrina, dado que, ela mistura dois aspetos difíceis de relacionar e que são ambos defendidos pela Bíblia, a soberania de Deus e o livre-arbítrio do homem. Este paradoxo tem sido um dos mais difíceis de decifrar, este facto leva a que existam duas grandes linhas interpretativas para a doutrina da eleição, que nos seus extremos se contradizem totalmente, o calvinismo e o arminianismo.

As convicções apresentadas neste trabalho de cada umas destas duas vertentes teológicas revela que os extremos do calvinismo e arminianismo devem ser rejeitados pois fazem claramente exegeses erradas de textos da Palavra de Deus. A grande questão diz respeito à visão moderada do calvinismo e arminianismo, ambas convergem em muitos pontos, divergindo em alguns aspetos que não são totalmente decifrados na Bíblia, principalmente na questão se uma pessoa eleita e salva por Deus pode vir a perder ou não a sua salvação. Visualizando o Antigo e Novo Testamento da perspetiva arminiana moderada conclui-se que existem casos de eleição divina em ambos os escritos. A principal diferença surge do facto que no Antigo Testamento a eleição dizia respeito apenas ao povo de Israel, enquanto no Novo Testamento todos são chamados à eleição. A principal convergência tem em conta que em ambos os tipos de eleição (limitada e total), o individuo eleito tem a responsabilidade de aceitar ou rejeitar o chamado à eleição.

A análise ao versículo chave e aos outros versículos de apoio permitiu desenvolver de forma mais aprimorada a análise da doutrina e compreender alguns pontos chaves. A eleição surge em virtude da vontade e amor de Deus, enquadrando-se no Seu propósito salvífico para a humanidade. A partir da morte e ressurreição de Cristo, a eficácia deste propósito está completamente assente na obra da redenção concretizada por Jesus e delineada por Deus desde a eternidade. A eleição individual não é predeterminada por Deus, ela está disponível a todos os que escolherem depositar sua fé em Cristo, contudo Deus como ser presciente já conhece a decisão de cada ser humano. Aqueles que decidem viver pelo propósito divino, Deus os chama de eleitos e os predestina “para ele, para a adoção de filhos” (Efésios 1:5) e “para serem conformes à imagem de seu Filho” (Romanos 8:29). Em última análise a nossa eleição não pode ser descurada, mas deve ser cultivada rumo à santificação e total obediência a Deus.

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[1] GEISLER, Norman. Eleitos, mas livres, p. 20

[2] CHAMPLIN, Russel Norman. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia – Volume 2 D – G, p. 322

[3] HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, p. 3187

[4] PFEIFFER, Charles F; VOS, Howard F; REA, John. Dicionário Bíblico Wycliffe, p. 623

[5] HODGE, Charles. Teologia Sistemática, p. 23

[6] STRONG, Augustus Hopkins. Teologia Sistemática – Volume II, p. 472

[7] CHAMPLIN, Russel Norman. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia – Volume 2 D – G, p. 319

[8] FERREIRA, Franklin; MYATT, Alan. Teologia Sistemática, p. 708

[9] SPENCER, Duane Edward. Tulip, p. 11

[10] GEISLER, Norman. Eleitos, mas livres, p. 134

[11] SPENCER, Duane Edward. TULIP, p. 11 – 12

[12] FERREIRA, Franklin; MYATT, Alan. Teologia Sistemática, p. 717

[13] GEISLER, Norman. Eleitos, mas livres, p. 151

[14] Idem. Ibidem, p. 168

[15] FERREIRA, Franklin; MYATT, Alan. Teologia Sistemática, p. 726

[16] HORTON, Stanley M. Teologia Sistemática, p. 166

[17] HENRY, Matthew. Comentário Bíblico Antigo Testamento: Josué a Ester, p. 829

[18] FORD, Jack; DEASLEY, A. R. G. Comentário Bíblico Beacon: Gênesis a Deuteronômio, p. 436

[19] FERREIRA, Franklin; MYATT, Alan. Teologia Sistemática, p. 727

[20] FERREIRA, Franklin; MYATT, Alan. Teologia Sistemática, p. 727

[21] PRICE, Ross E. Comentário Bíblico Beacon: Isaías a Daniel, p. 132

[22] HENRY, Matthew. Comentário Bíblico Antigo Testamento: Isaías a Malaquias, p. 187

[23] HORTON, Stanley M. Teologia Sistemática, p. 167

[24] Idem. Ibidem, p. 166

[25] KELLY, J. N. D. I e II Timóteo e Tito: introdução e comentário, p. 122

[26] HENRY, Matthew. Comentário Bíblico Novo Testamento: Mateus a João, p. 151

[27] FERREIRA, Franklin; MYATT, Alan. Teologia Sistemática, p. 728

[28] HENRY, Matthew. Comentário Bíblico Novo Testamento: Atos a Apocalipse, p. 867

[29] PATZIA, Arthur G. Novo Comentário Bíblico Contemporâneo: Efésios, Colossenses, Filemon, p. 147

[30] CHAMPLIN, Russel Norman. O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo – Volume IV, p. 534

[31] O’BRIEN, Peter Thomas. The Letter to the Ephesians, p. 98 [tradução pelo autor]

[32] PATZIA, Arthur G. Novo Comentário Bíblico Contemporâneo: Efésios, Colossenses, Filemon, p. 147

[33] HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento: Efésios e Filipenses, p. 90-91

[34] FOULKES, Francis. Efésios: introdução e comentário, p.40  

[35] HENRY, Matthew. Comentário Bíblico Novo Testamento: Atos a Apocalipse, p. 578

[36] HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento: Efésios e Filipenses, p. 95

[37] FOULKES, Francis. Efésios: Introdução e comentário, p.40  

[38] HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento: 1 e 2 Tessalonicenses, Colossenses e Filemon, p. 219

[39] FEE, Gordon D. Novo Comentário Bíblico Contemporâneo: 1 e 2 Timóteo, Tito, p.244

[40] MURRAY, John. Comentário Bíblico Fiel: Romanos, p. 344

[41] MUELLER, Ênio R. I Pedro: introdução e comentário,p. 71

[42] HENRY, Matthew. Comentário Bíblico Novo Testamento: Mateus a João, p. 991