As “crueldades” de Deus

AS “CRUELDADES” DE DEUS

A natureza intrínseca da Bíblia reside no facto de ela mesma se nos apresentar como a Palavra de Deus, o livro em que está escrito “Assim diz o Senhor”, em que Deus narra a Sua intervenção na história dos homens, em que Deus se mostra nessa história, em que Deus nos revela a História da Salvação. Nessa narrativa Deus mostra o propósito, desígnio e vocação com que nos criou, como dele nos desviámos individual e coletivamente, desde os nossos primeiros pais até aos dias de hoje. Mostra-nos simultaneamente que precisamos ser salvos, reconciliados com Ele e que isso não nos é possível, mediante as nossas forças, o nosso intelecto, a nossa capacidade, as nossas virtudes ou méritos; mas só Ele nos podia, nos pode salvar e nos salvou mediante Jesus Cristo.

Deus assume a Sua criação por inteiro, assume plena responsabilidade pelo Seu acto Criador. Deus criou soberanamente, porque quis. Ao criar Deus já conhecia antecipadamente toda a História. Deus nunca foi apanhado de surpresa. Deus não precisou de retocar ou alterar o Seu plano. Deus assume e reforça ao longo de toda a Bíblia que a criação valeu a pena. O tempo presente não é para comparar com o porvir a ser revelado em nós. Deus já conhece o fim das coisas e o começo de todas elas bem como o seu recomeço. Antes da fundação do mundo estava decidido no seio da trindade divina que Jesus viria e seria morto na cruz pela maldade do homem e no lugar de todo o homem pecador. Criação, queda, redenção e glorificação são parte de um todo. Jesus é o alfa e o ómega, o princípio e o fim. Ele é o Senhor soberano. O pecado não vai prevalecer. O golpe de estado cósmico contra Deus fracassou desde sempre. Deus nunca foi destronado. Ele é, foi e sempre será o soberano de todo o universo. Nas catástrofes do pecado e da rebelião, da desobediência e da loucura humana Deus haveria de manifestar a Sua glória em todo o Seu amor e justiça, em toda a Sua santidade. A santidade de Deus haveria de sobressair em meio ao pecado e em contacto directo com ele, quando Jesus veio, andou entre nós e o carregou na cruz.

Deus criou o homem como um ser livre e responsável. Não há erro de fabrico. Existem condicionantes mas elas não tiram do homem a sua responsabilidade. Deus nunca deixou de fazer o que tinha de fazer, quando tinha que o fazer, do modo como o havia de fazer. A liberdade é um dom precioso, sem ela não existe o verdadeiro amor. O amor só se pode exprimir em perfeita e absoluta liberdade, a perfeita e absoluta liberdade só existe no perfeito e completo amor. Deus criou-nos por amor e em liberdade. Usámos essa liberdade para rompermos com o amor e darmos lugar ao egoísmo que é um amor ao contrário e, portanto, a sua negação. Deus não nos deixou de amar e deu-Se por nós em sacrifício.

Todos temos um Deus que é o nosso Criador, nem todos o têm como Pai. Podemos escolher a Deus como Pai embora não tenhamos tido a possibilidade de O não aceitar como Criador, senão não existiríamos. A existência não é a razão da nossa desgraça, mas o não aceitarmos a Sua graça da qual emana toda a vida desde o acto Criador, sustentador, redentor e restaurador.

Deus não esconde, não subverte, não encobre, não atribui a outros o que é da Sua própria responsabilidade e determinação, por muito que isso custe ao homem pecador que quer ver Deus como réu e O acusa da sua própria injustiça e desobediência. Deus assume as Suas decisões mesmo as que nos podem parecer menos adequadas ou razoáveis. Ele é Deus. Deus revela a culpa da acção do príncipe das potestades do mal, dessas potestades, do sistema do mundo e do homem na sua natureza pecaminosa (carnal). É Deus quem determina as consequências do pecado para o homem, para a mulher, para a terra e para a serpente (o Diabo e seu anjos). É Deus que planta no jardim a árvore da ciência do bem e do mal, é Deus que avisa o homem que dela não deve comer porque no dia em que o fizer certamente morrerá, é Deus que dá ao homem a ordem de guardar o jardim, é Deus que afirma que não é bom que o homem esteja só e lhe faz uma companheira, é Deus que não impede a serpente de entrar no jardim, é Deus que vai ao encontro do homem quando este peca, é Deus que dá a sentença do castigo individual e geracional do pecado dos nossos primeiros pais, é Deus que acende desde logo a esperança e anuncia o evangelho e a redenção, é Deus que o prefigura pelas vestes de animais que são dados ao homem para cobrir a nudez da glória que o pecado provocou, é Deus que interpela Caim, é Deus que o coloca perante a responsabilidade dos seus actos, é Deus que uma vez mais declara as consequências e mostra misericórdia, é Deus que assume o dilúvio e a confusão das línguas. É Deus quem chama Abraão para abençoar todas as famílias da terra, o que há-de acontecer com o nascimento de Jesus Cristo, Sua vida, Sua morte e ressurreição, Sua ascensão e Sua segunda vinda em glória que aguardamos para breve, e novos céus e nova terra para todo o sempre com paz, justiça, santidade, amor, fraternidade, felicidade.

Ao longo de toda a Bíblia Deus assume sempre que valeu a pena e não desistiu do homem, não deixou de o amar, sem escamotear a Sua ira e o Seu juízo. Não há amor sem ira, quando o objecto do nosso amor se autodestrói e é destruído pelo pecado. A ira de Deus é santa, sem qualquer sombra de contaminação de injustiça. Aqueles que criticam a Deus e O julgam como culpado da situação humana, referindo que Deus ou não é todo-poderoso ou não é amor, fogem às suas próprias responsabilidades. Suponhamos que Deus não existisse. As guerras, os conflitos, as doenças, a violência… deixariam de existir? De modo algum! Tudo ficaria na mesma? Não tudo ficaria bem pior porque não haveria esperança. Se com Deus é difícil de aceitar ou perceber toda a maldade à nossa volta, sem Deus fica por entender o bem que nos rodeia, a beleza de toda vida e de todo o universo, e não nos resta esperança a não ser a morte e o nada.

O que Deus determinou numa altura específica não é álibi para quem quer que seja em outra qualquer ocasião. Deus é imutável, mas quando nós mudamos Ele age em conformidade com essa mudança. Não existe nenhuma possibilidade de à luz da Bíblia tentar extrapolar o que Deus ordenou num determinado e específico tempo e modo, para outras latitudes e épocas. As situações locais distinguem-se daquelas que têm uma abrangência universal, que são imutáveis.

Deus sempre avisou repetidamente o homem acerca das consequências resultantes do pecado reiterado, da obstinação pecaminosa, da arrogância, da rebeldia do homem individual e da humanidade como um todo. O juízo divino tem sempre como objectivo o arrependimento do ser humano. Quando Deus permite que as consequências da maldade ocorram ainda assim Ele não permite que elas aconteçam com toda a devastação que poderiam ter e que em última instância, nas contas das potestades do mal, visam a destruição da humanidade e do planeta Terra. A intervenção soberana de Deus na História só pode ser entendida através da cruz e da ressurreição de Jesus Cristo, e ela só assumirá o seu significado final aquando dos novos céus e da nossa terra em que habitará a justiça para sempre, segundo a Sua promessa (2 Pedro 3:13). Até lá temos todas as razões para confiarmos em Deus de todo o nosso coração, com toda a nossa razão e com toda a nossa vontade. Só o Autor e Consumador desta fé muda cada circunstância e situação!

Samuel R. Pinheiro www.samuelpinheiro.com

Deixar uma resposta