“Devoção mariana e (re)construção do feminino no Cristianismo”

“Devoção mariana e (re)construção do feminino no Cristianismo”

SamuelPinheiro _ 2016out23 7

O Instituto de Cristianismo Contemporâneo (ICC), que integra o centro de investigação da Área de Ciência das Religiões (Lusófona (CICMER) organizou a sua Linha de Investigação em sete Unidades de Investigação do qual uma delas é a que nos serve de título e que, sendo uma pessoa que se habituou a assumir posição pública sobre as suas convicções, não lhe posso passar ao lado, porque me provocou uma reflexão.
É com profundo reconhecimento pela sua influência na formação de gerações nas últimas décadas que lembro o saudoso teólogo evangélico John Stott e o Instituto de Cristianismo Contemporâneo que fundou em Inglaterra. Instituto que tinha por base não o subjetivismo opinativo de quem quer que seja, mas uma busca permanente e contínua no texto bíblico face às realidades do nosso quotidiano contemporâneo e que o texto inspirado trata de forma inultrapassável. John Stott foi um eximiu pensador e escritor e tenho um profundo apreço pela obra que nos deixou e que para mim tem sido de grande ajuda na carreira cristã. É que na verdade não há cristianismo fora das balizas da revelação escrita que é a Palavra de Deus, o resto pode ter o título que tiver mas andará por fora da essência do que é ser cristão. O cristianismo articulado em Jesus Cristo não pode prescindir ou secundarizar a Sua Palavra. O Cristianismo não é resultado do que eu queira criar, mas do que Ele é, da Sua vida e do Seu ensino. Isto mesmo ficou muito bem traduzido num dos seus muitos livro “Ouça o Espírito, Ouça o Mundo”. Ouvir a realidade que nos circunda é essencial para quem está comprometido com Cristo, mas sempre para responder a essas interpelações com a revelação do Espírito constante da Bíblia enquanto Palavra de Deus. Não reconheço outra forma de estabelecer um Instituto de Cristianismo Contemporâneo, e por muito que isso pareça retrógrado ou conservador, não consigo falar de cristianismos contemporâneos. Cristianismo só há um e tema ver com a pessoa de Jesus Cristo, por Ele próprio, nas narrativas dos que lidaram de perto com Ele desde o início e foram testemunhas da Sua ressurreição.
Considero logo à partida que o tema está eivado de uma inconciliável contradição, ou falamos de cristianismo ou falamos de marianismo. Os dois não podem existir em simultâneo. Cristo não está dividido. A devoção a Maria, ou melhor dizendo, a adoração de Maria, porque é disso que se trata, não pode coexistir biblicamente com Jesus Cristo. Isso é bem visível na nos evangelhos e em toda a restante literatura inspirada do Novo Testamento. Custa-me mesmo a acreditar como é que com honestidade se pode sugerir semelhante proposta face ao que encontramos no texto bíblico.
O marianismo é uma construção herética do catolicismo romano sem uma ponta de suporte no ensino e prática da igreja neotestamentária. Eu sei que isto pode parecer ofensivo e pouco tolerante para o pluralismo e relativismo religioso que impera. Mas a questão é qual o fundamento que temos para estabelecer o que é e o que não é a fé cristã. Nem tudo pode caber na fé cristã só porque queremos ser simpáticos. Isto não é uma questão de simpatia. Maria foi uma pessoa muito especial na graça divina para ser a mãe do Salvador. Mas daí a ser catapultada para o que o marianismo tem realizado vai uma distância que o evangelho não respalda, que o evangelho contraria e que, no meu entender, fere os próprios evangelhos na sua centralidade em Jesus Cristo.
Defendo que devido à influência negativa do catolicismo no sul da europa, não temos apreciado nem dado o devido relevo à pessoa de Maria como mulher piedosa, temente a Deus, disponível para que nela se realizassem os propósitos e desígnios divinos. Nesse aspeto e em outros ela é para nós um estímulo à nossa própria dependência de Deus. Agora isso é totalmente distinto do marianismo nem é compaginável com ele. Não se trata de um marianismo moderado face a um mais amplo. Não há qualquer laivo de marianismo no texto bíblico e isso deveria ser suficiente para quem aborda a questão.
Associar o marianismo ao feminino construído ou reconstruído é despropositado do nosso ponto de vista. O evangelho sempre valorizou a mulher. A escolha de Maria é um dos exemplos, mas não é o único. As mulheres apoiarem o ministério público de Jesus. Jesus ministrou às mulheres como aos homens. Foram as mulheres as primeiras a terem um encontro com Ele depois de ressuscitado, e as primeiras que se tornaram porta-vozes da Sua ressurreição. Na história da igreja relatada no livro de Atos, e a história ao longo de todos os tempos, as mulheres têm um papel que não pode ser subalternizado ou minimizado. Não negamos que existiu e continua a existir uma força de oposição a um papel mais destacado e interveniente das mulheres na liderança eclesial. Começo por considerar que a questão colocada em termos de títulos perde a sua pertinência face ao evangelho. Para Jesus o que importa é que todos sejamos servos e servas! A ideia de hierarquia com a figura do papa no topo, não corresponde ao que a Bíblia nos apresenta. Por isso a prescrição de cotas na organização eclesial é despropositada, porque para a nomenclatura bíblica, a igreja não é uma organização mas um organismo e como todos bem sabemos num corpo todos os órgãos são igualmente importantes independentemente do valor que lhe possamos atribuir.
Voltando à origem da nossa reflexão o marianismo não serve nem nunca serviu a (re)construção do feminino no cristianismo, mas a uma heresia que nega e se opõe ao verdadeiro cristianismo. A idolatria que subjaz ao marianismo é por si só suficiente para evidenciar a sua oposição à verdadeira fé cristã. Mas as doutrinas que lhe estão ligadas são uma afronta ao ensino bíblico: virgindade perpétua, maternidade divina, imaculada conceição, coredentora, intercessora e medianeira, assunção ao céu, rainha do céu.
O facto é que o catolicismo romano que está na origem do marianismo e da mariolatria, e de todas as doutrinas que lhe estão subjacentes, tem sido quem mais se tem oposto a uma participação e intervenção das mulheres de um modo mais pleno, ao contrário de um número muito significativo de igrejas reformadas, protestantes e evangélicas.
O feminino no cristianismo não vive em função de heresias, mas da sua natureza em Cristo que é tudo e em todos.

“Foram renovados de acordo com a imagem do próprio Deus e criados por ele para o conhecerem. Assim, não se voltará a pôr mais a questão de ser ou não ser judeu, de estar circuncidado ou não, de ser ou não civilizado, estrangeiro, escravo ou livre, pois Cristo é tudo e está em todos.” (Colossenses 3:10,11 – BPT)
“Pois pela fé que vos une a Jesus Cristo são todos filhos de Deus. Com efeito, todos os que foram baptizados em Cristo revestiram- se das qualidades de Cristo. Não há diferença entre judeus e não-judeus, entre escravos e pessoas livres, entre homem e mulher. Agora constituem um todo em união com Cristo Jesus. E se são descendência de Abraão e herdeiros de acordo com a promessa.” (Gálatas 3:26-29 – BTP)

 
Samuel R. Pinheiro
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