Uma questão de estilo ou algo mais?
A Igreja Católica Romana tem um novo chefe que não se senta no trono de Pedro, nem calça as suas sandálias, nem toma o leme da sua barca, porque o apóstolo de Jesus Cristo nunca foi Papa, nunca teve um trono nesta terra e deixou os seus instrumentos de pesca para se tornar pescador de homens, quando Jesus o convocou para Seu discípulo. Conheceu as prisões, os insultos, as perseguições e os maus tratos. Também conheceu o calor e a comunhão dos santos, o entusiasmo de levar o evangelho até aos gentios, na casa de Cornélio, e aos judeus, em várias paragens. Se morreu ou não em Roma, existe dúvida e discordância sobre o assunto. De uma coisa, não existe qualquer dúvida: o próprio Pedro, pelo Espírito Santo, foi encarregue de identificar, objetivamente, a pedra de esquina sobre a qual a Igreja é edificada – Jesus Cristo!
Muitos católicos romanos estão entusiasmados com o estilo do novo Papa, que tomou para si o nome de Francisco, numa referência a Francisco de Assis (1182-1226), que, na Idade Média, confrontou a Igreja Católica Romana por causa da opulência em que vivia, se dedicou aos mais pobres dos pobres, chamando de irmãos todas as criaturas inclusive a própria criação inanimada, como se pode ler em “O Cântico ao Irmão Sol”, ou “Cântico das Criaturas”:
“Altíssimo, onipotente e bom Senhor, a ti subam os louvores, a glória e a honra e todas as bênçãos! A ti somente, Altíssimo, eles são devidos, e nenhum homem é sequer digno de dizer teu nome. Louvado sejas, Senhor meu, junto com todas tuas criaturas, especialmente o senhor irmão sol, que é o dia e nos dá a luz em teu nome. Pois ele é belo e radioso com grande esplendor, e é teu símbolo, Altíssimo. Louvado sejas, Senhor meu, pela irmã lua e as estrelas, as quais formaste claras, preciosas e belas. Louvado sejas, Senhor meu, pelo irmão vento, e pelo ar, pelas nuvens e o céu claro, e por todos os tempos, pelos quais dás às tuas criaturas sustento. Louvado sejas, Senhor meu, pela irmã água, que é tão útil e humilde, e preciosa e casta. Louvado sejas, Senhor meu, pelo irmão fogo, por cujo meio a noite alumias, ele que é formoso e alegre e robusto e forte. Louvado sejas, Senhor meu, pela irmã, nossa mãe, a terra, que nos sustenta e nos governa, e dá tantos frutos e coloridas flores, e também as ervas. Louvado sejas, Senhor meu, por aqueles que perdoam por amor a ti e suportam enfermidades e atribulações. Benditos aqueles que sustentam a paz, pois serão por ti, Altíssimo, coroados. Louvado sejas, Senhor meu, por nossa irmã, a morte corpórea, da qual nenhum homem vivo pode fugir. Pobres dos que morrem em pecado mortal! e benditos quem a morte encontrar conformes à tua santíssima vontade, pois a segunda morte não lhes fará mal. Louvai todos vós e bendizei o meu Senhor, e dai-lhe graças, e o servi com grande humildade!”
Estes tratamentos de familiaridade com a natureza, poeticamente sugestivos, sempre me pareceram difíceis de conciliar com a narrativa da criação e do tratamento bíblico que ela nos apresenta. Não será propriamente uma forma de panteísmo, de panenteísmo ou de animismo, mas não salvaguarda a criação especial, enquanto pessoas que, como homens e mulheres, somos à imagem e semelhança de Deus. O que importa é perceber que Deus é o Criador de tudo o que existe, mas que, nessa criação, só nós fomos criados “parecidos” com Ele, não para destruirmos a natureza e para a exaurirmos a nosso “belo prazer” numa saga consumista devastadora, mas para sermos mordomos responsáveis.
O catolicismo romano deposita neste bispo de Roma grandes expetativas e os meios de comunicação têm sido pródigos em salientar a sua mudança de estilo, em relação aos seus predecessores. A questão que se coloca é se estamos em presença de apenas uma mudança de imagem, que trará a impressão de uma maior informalidade, aproximação com o homem da rua, uma maior atenção aos desfavorecidos; ou se existirão mudanças efetivas no magistério, no governo e, acima de tudo, na doutrina. Num tempo em que a dimensão doutrinária é desvalorizada, dentro e fora do catolicismo romano, e tantas vezes até entre os grupos que se identificam com a reforma protestante e os avivamentos evangélicos; num tempo em que as ideologias políticas e filosóficas se encontram em crise; e num tempo em que os meios de comunicação atribuem mais destaque e atenção à imagem, esta pode aparentar uma alteração substancial, quando apenas se trata de uma mudança epidérmica.
Certamente que será de registar que este Papa que, segundo as suas próprias palavras, veio “do fim do mundo”, mais propriamente da América Latina – Argentina –, Jorge Mario Bergoglio, cardeal em Buenos Aires, onde andava de metropolitano, vivia num apartamento e cozinhava as suas próprias refeições, tem um estilo diferente, mas o que se exige é que vá ao fundo da questão e tenha a coragem de alterar heresias fatais do catolicismo romano, particularmente as que se relacionam com a salvação pelas obras e não pela graça, a mentira do purgatório, a intercessão dos mortos, o marianismo, a idolatria, o celibato imposto, a confissão auricular. Ora, francamente, temos muita dificuldade em admitir que tal venha a acontecer, o que não quer dizer que não o desejemos intensamente.
No dia da sua eleição, ouvi, na Antena 1, alguns responsáveis católicos romanos considerar que seria importante um papa desta região do globo, de modo a estancar a migração de crentes para as igrejas evangélicas. Tal situação não nos parece verosímil, pois não é o proselitismo que anima uma genuína igreja evangélica, mas sim a conversão à pessoa de Jesus Cristo, a experiência da Bíblia, enquanto Palavra de Deus como espírito e vida, geradora de fé; o conhecimento pessoal do amor e do poder transformador do Pai; e a presença do Seu Santo Espírito. Isto, sim, é o que importa e não me parece que um estilo diferente seja capaz de interromper o que Deus está a fazer nos quatro cantos do mundo, atraindo pessoas de todas as raças e culturas à pessoa de JESUS CRISTO! Ele, e só Ele, é o Senhor e Salvador, o Cabeça da Igreja, o fundamento, o arquiteto e construtor.
Alguns observadores e comentadores aventam a hipótese deste Papa vir a substituir o voto do celibato pelo voto de pobreza, mas uma vez mais estamos diante de uma mudança que não tem respaldo nas Escrituras. Nem uma, nem outra encontram ali qualquer suporte. A generosidade, a bondade, a mordomia, até o espírito de sacrifício, o amor em favor dos excluídos é um chamado do evangelho, mas nunca foi, como é bem visível na narrativa do livro de Atos dos Apóstolos, uma imposição, uma obrigação, e muito menos uma condição para o exercício do ministério. Pode causar o seu impacto e provocar o aplauso de certos sectores, mas o que importa é se tem ou não fundamento na Palavra de Deus.
Claramente, denunciamos os que, particularmente na América Latina, no exercício do seu múnus religioso, vêm enriquecendo de forma chocante à custa de uma doutrina da prosperidade e de uma estratégia repugnante de práticas magico-sacramentais, tão ou mais abjetas do que aquelas que se encontram no catolicismo romano. O que se tem vindo a chamar, nos meios académicos, de neopentecostalismo, e que é uma fraude, porque não é, de modo algum uma renovação, mas movimentos heréticos, cujas ênfases não estão no Pentecostes, na proclamação do evangelho, no arrependimento e conversão, pela graça por meio da fé; mas numa série de promessas que ofendem a santidade divina, a partir de práticas que incluem águas abençoadas, vassouras espanta espíritos, balões cheios de ar para purificar o ar no espaço familiar, rebuçados, sabonetes, entre muitos outros. Tenho que confessar que só o enunciar de algumas destas práticas me provoca náuseas e indignação, e algumas delas não consigo sequer enunciar na sua totalidade.
Esta reflexão também nos coloca a mesma questão de fundo: Vivemos em função de uma imagem que não corresponde à essência? Somos portadores de uma máscara que esconde o que na realidade somos? O nosso discurso é contraditório com a nossa postura de vida? Alimentamos tendências e inclinações, impulsos e tentações, em contradição com a natureza divina e com os valores que dela emanam? Procuramos um comportamento exemplar, mas ainda não experimentámos uma mudança de coração, não nascemos de novo? Temos religião e regras, mas não somos novas criaturas? Somos uma nova criação, mas descuramos a vida no espírito e o fruto que dela resulta? Vivemos fragmentados numa duplicidade de vida? Desenvolvemos uma esquizofrenia espiritual entre uma vida sagrada e profana, entre o secular e o espiritual, entre o privado e o público (como se fosse possível dividir e separar a realidade e a integralidade do ser)? Vivemos amarrados em tradições que confundimos com pecado? Temos pecados de estimação que não queremos largar? Mantemos a ideia de que Deus é inimigo do nosso prazer e da nossa alegria, e que a santidade é renúncia às coisas boas e bonitas da vida? Seguimos um corpo de tradições e de regras humanas ou a revelação escrita e pessoal de Deus, na Bíblia e na pessoa de Jesus Cristo (ou confundimos os dois e rejeitamos ambos, andando à deriva)? Vivemos pelo nosso esforço ou no impulso do Espírito?
Santidade não é apenas perfeição, mas separação e relação para e com o Santo, em cuja presença vamos sendo aperfeiçoados, tendo sido salvos pela graça, e continuando a caminhar na mesma graça até à consumação final do que ela significa e implica.
A Bíblia deixa-nos alguns alertas que devemos continuar a lembrar e que, com eles, terminamos. Eu também preciso de rever, continuamente, cada aspeto da minha vivência pessoal, pública e privada, como homem que quero ser de Deus e para Deus. A minha vida tem que ser muito mais do que uma determinado estilo e uma determinada imagem.
“Percebem o que isso significa – todos esses pioneiros iluminando o caminho, todos esses veteranos nos encorajando? Significa que o melhor a fazer é continuar. Livres dos acessórios inúteis, comecem a correr – e nunca desistam! Nada de gordura espiritual extra, nada de pecados parasitas. Mantenham os olhos em Jesus, que começou e terminou a corrida de que participamos. Observem como ele fez. Porque ele jamais perdeu o alvo de vista – aquele fim jubiloso com Deus. Ele foi capaz de vencer tudo pelo caminho: a cruz, a vergonha, tudo mesmo. Agora, está lá, num lugar de honra, ao lado de Deus. Quando se sentirem cansados no caminho da fé, lembrem-se da história dele, da longa lista de hostilidade que ele enfrentou. Será como uma injeção de adrenalina na alma!” (Hebreus 12:1-3 – paráfrase “A Mensagem”, Eugene H. Peterson, Editora Vida)
“Esta é, em essência, a mensagem que ouvimos de Cristo e passamos a vocês: Deus é luz, pura luz; nele não há nenhum traço de escuridão.
Se afirmarmos que andamos com ele e continuamos a tropeçar por falta de luz, obviamente estamos mentindo – não vivemos o que afirmamos. Mas, se andarmos na luz, como o próprio Deus é luz, vamos experimentar uma vida de comunhão uns com os outros, enquanto o sangue derramado de Jesus, o Filho de Deus, nos purifica de todo o nosso pecado.
Se afirmarmos que estamos livres do pecado, estaremos apenas enganando a nós mesmos. Uma declaração dessas é um erro absurdo. Mas, se admitirmos nossos pecados e os confessarmos, ele não vai deixar de nos atender: ele é fiel a si mesmo. Ele perdoará nossos pecados e nos purificará de todo erro. Se afirmarmos que nunca pecamos, contradizemos Deus – fazemos dele um mentiroso. Uma declaração dessas simplesmente revela nossa ignorância a respeito de Deus.
Escrevo isto, filhos queridos, para orientá-los a não pecar. Mas, se alguém cometer pecado, temos uma Amigo-Sacerdote na presença do Pai: Jesus Cristo, o justo. Quando ele se entregou como sacrifício por nossos pecados, resolveu para sempre o problema do pecado – não apenas os nossos, mas os do mundo inteiro.” (1 João 1:5-10; 2:1,2 – paráfrase “A Mensagem”, Eugene H. Peterson, Editora Vida)
Samuel R. Pinheiro