SOLI DEO GLORIA

SOLI DEO GLORIA

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Samuel R. Pinheiro

A Reforma Protestante da qual neste ano se comemoram os 500 anos, repôs as verdades fundamentais da revelação bíblica com a clareza resultante da sua própria essência, e que ao longo dos séculos continuam a ser reavivadas e aprofundadas. De entre elas a que nos serve de título e que aqui tocamos levemente.

Tudo o que somos e tudo o que temos, todas as competências que demonstramos e tudo o que fazemos é dádiva divina. Não nos criámos ou fizemos a nós mesmos. Somos criação divina. Isso não significa que Deus nos tenha criado como meras máquinas ou autómatos. Deus criou-nos à Sua imagem e semelhança, e nesse sentido deu-nos o privilégio de criarmos a partir da Sua criação, de nos empenharmos, de nos envolvermos e sermos mordomos do que nos confiou. Não somos donos de coisa nenhuma. A vida é uma dádiva e não uma conquista nossa. Isso não significa e nem implica que cruzemos os braços, antes bem pelo contrário. O maior impulso que temos na nossa vida é precisamente a consciência de que somos uma criação especial do Senhor do Universo.

Moisés, uma das maiores figuras da história bíblica, que viu milagres que todos certamente gostaríamos de ver, à medida que esses milagres ocorriam crescia no seu coração o desejo intenso, o mais atrevido de todos, mas o mais grandioso a que podemos aspirar – ver a Deus! Apesar de tal não ser possível ao homem na condição presente, ainda assim Deus deu-lhe a possibilidade de O ver escondido pela rocha e pelas costas. Quem mesmo assim vê a Deus não permanece o mesmo. É uma visão transformadora. No tempo em que Jesus viveu entre nós encontramos a mesma aspiração no discípulo Filipe: “Senhor, mostra-nos o Pai e isso nos basta.” Na verdade o que é suficiente é contemplar o Pai. E Jesus responde prontamente: “Filipe, há tanto tempo que vivo convosco e ainda não me conheces? Aquele que me viu, viu também o Pai.” (João 14:8,9 – BPT). Jesus reafirma o que logo no primeiro capítulo do evangelho de João é declarado “Nunca ninguém viu Deus. Só o Deus único, que está no seio do Pai, o deu a conhecer.” (João 1:18 – BPT)

Por isso só há uma forma de vivermos: para a Sua exclusiva glória. É isso que o texto bíblico nos ensina em cada momento da história que ali nos é narrada. No primeiro capítulo da carta que o apóstolo Paulo endereça à Igreja em Éfeso e a todas as igrejas em todas as épocas e longitudes, refere por três vezes que existimos para a glória exclusiva de Deus, uma glória que só a Deus pertence, que só Nele encontramos e que só nela nos realizamos. Nos versículos cinco e seis de modo bem expressivo declara: “Ele destinou-nos para sermos seus filhos por meio de Cristo, conforme era seu desejo e vontade, para louvor da sua graça gloriosa que ele gratuitamente nos concedeu no seu amado Filho.” No versículo doze incita-nos a que “Louvemos, portanto, a glória de Deus, nós que previamente já pusemos a nossa esperança em Cristo.” E, finalmente, no versículo catorze “O Espírito Santo é a garantia da herança que nos está prometida e que consiste na completa libertação dos que pertencem a Deus, para louvor da sua glória.” (Bíblia Para Todos) Neste capítulo que é uma descrição sublime da nossa vocação, a afirmação é que ela reside em exclusivo na glória do Deus trino – Pai, Filho e Espírito Santo, inclui o tempo presente e a eternidade, envolve todo o nosso ser, e ao estar focada plenamente n’Ele tem um impacto radical na nossa essência e existência. Esta é uma vocação inexcedível porque está focada no Deus Criador, Sustentador, Redentor e Restaurador de todas as coisas. Do comentário de John Stott sobre Efésios e no que diz a este capítulo citamos: “A glória de Deus é a revelação de Deus, e a glória da sua graça é a sua auto-revelação como um Deus gracioso. Viver para o louvor da sua graça é não somente adorá-lo com nossas palavras e acções, pelo Deus gracioso que Ele é, como também levar outros a vê-lo e a louvá-lo.” (A Mensagem de Efésios; ABU: 1986; p. 27)

O Breve Catecismo de Westminster, na primeira pergunta que formula: “Qual o fim principal do homem?”, dá como resposta: “O fim principal do homem é glorificar a Deus, e gozá-lo para sempre.” Com várias referências bíblicas que reproduzimos:

“É que tudo veio de Deus e tudo existe por ele e para ele. A Deus seja dado louvor para todo o sempre. Ámen.” (Romanos 11:36 – BPT)

“Portanto, quer comam, quer bebam, quer façam qualquer outra coisa, devem fazer tudo para dar glória a Deus.” (1 Coríntios 10:11 – BPT)

“Quem tenho eu no céu, além de ti? Na terra só desejo estar contigo. Ainda que o meu ser se esteja a consumir, Deus é quem dá força ao meu coração; ele é a minha herança para sempre.” (Salmo 73:25,26 – BPT)

“São todos os que têm o meu nome, que eu criei, formei e fiz, para manifestarem a minha glória.” (Isaías 43:7 – BPT)

“Nenhum de nós vive para si mesmo nem morre para si mesmo. Se vivemos, é para o Senhor que vivemos; e se morremos, é para o Senhor que morremos: pois tanto na vida como na morte pertencemos ao Senhor.” (Romanos 14:7,8 – BPT)

“Todos os teus habitantes formarão um povo de justos, e hão-de possuir esta terra para sempre. Serão como uma árvore que eu plantei, a obra das minhas mãos, para manifestarem a minha glória.” (Isaías 60:21 – BPT)

“(…) para colocar na cabeça dos enlutados de Sião uma coroa em vez de cinza, um perfume de felicidade em vez de cara triste, um vestido de festa em vez do rosto abatido. Então serão chamados: ‘Teberintos do Deus Justo, jardim plantado para a glória do SENHOR’.” (Isaías 61:3 – BPT)

A pessoa que nesta terra mais glorificou o Pai e foi por Ele glorificado, foi precisamente a pessoa de Jesus Cristo. Ele mostrou-nos como a nossa vida só é vivida na plenitude apontada à glória de Deus em tudo o que somos e fazemos. “A Palavra fez-se homem e veio habitar no meio de nós, e nós contemplámos a sua glória, como glória do Filho único do Pai, cheio de graça e de verdade.” (João 1:14 – BPT). É neste processo que estamos envolvidos pelo Espírito Santo pela experiência da relação pessoal com Deus em Jesus Cristo – “Todos nós, porém, estamos de rosto descoberto e, como um espelho, somos um reflexo da glória do Senhor. Transformamo-nos assim numa imagem dele, com um brilho cada vez maior, porque é o Senhor, isto é, o Espírito, que faz isto.” (2 Coríntios 3:18 – BPT). Fixemos em Deus a nossa atenção, entreguemos-Lhe a nossa vida, vivamos cada dia e cada momento para a Sua glória e a vida será o que deve ser, atingiremos o que de outro modo não conseguiremos, e nós mesmos seremos o que fomos criados para ser – “imagem e semelhança de Deus”. Não troquemos por nada esta essência, porque trocá-la é mergulhar no absurdo, na morte, no nada! Só a Sua glória nos pode satisfazer!

Soli Deo Glória – A Deus toda a glória – Para louvor da Sua glória – Só a Deus a glória!