OS DOIS SENHORES

Os Dois Senhores

Dr. Jorge Pinheiro

2021dez20 Jorge Pinheiro _ peq
Texto: Mateus 6:19-34.
O Sermão no Monte está estruturado por agrupamentos de assuntos.

Neste capítulo, encontramos sete temas diferentes, embora inter-relacionados. Nesta secção, detectamos quatro temas distintos, interligados, a saber:

vv. 19-31 – o tesouro no céu.
vv. 22-23 – o olho puro.
v. 24 – os dois senhores.
vv. 25-34 – a solicitude da vida.

1. O tesouro no céu (vv. 19-21)

Não está errado ter um tesouro ou trabalhar para ele – o versículo 20 declara: mas ajuntai tesouros no céu. O problema está não no tesouro em si mas na sua localização e natureza. Estes versículos contrastam a Terra e o Céu.

Não nos limitemos a considerar “céu” como sinónimo do domínio do espiritual, morada de Deus, vida depois da morte: Terra aponta para o relativo, o imanente, o passageiro; Céu aponta para o absoluto, o transcendente, o permanente.

O nosso tesouro – o que mais apreciamos – deve estar situado e depositado no domínio do Absoluto, o qual não está sujeito ao desgaste do Relativo.

Na Terra, todo o tesouro está sujeito a desgaste por causas naturais – traça e ferrugem – ou sociais – os ladrões que minam e roubam.

Onde está o nosso tesouro está o nosso coração. O que significa que o nosso coração tem de estar num tesouro imperecível. Por isso, devemos dizer “NÃO” a toda a tentativa de transformar os tesouros perenes em tesouros perecíveis. O Evangelho não gira à volta de riquezas materiais.

Este texto fala então de valores e do seu fundamento, não da realização de boas obras como passaporte para obter as graças de Deus.

2. A candeia dos olhos ou os olhos puros (vv. 22-23)

A candeia ilumina. O que ilumina o nosso corpo são os nossos olhos. Quanto mais intensa for a candeia, mais claras se tornam as coisas.

O nosso olhar tem de ver o mais claramente possível. Aqui, olhos referem-se não apenas ao nosso órgão da visão mas aos meios que nos permitem relacionar com o exterior. Para uns, os olhos são os ouvidos, para outros é o raciocínio, a reflexão. Caso contrário, os cegos estariam excluídos das bênçãos das bem-aventuranças.

É costume dizer que colhemos o que semeamos mas não menos é verdade que semeamos o que colhemos. Neste tema, Jesus retoma a lição e significado do tema do sal e da luz (Mateus 5:14), embora numa outra perspectiva.

3. Os dois senhores (v. 24)

Aqui, Jesus coloca em oposição duas realidades antagónicas: Deus e mamon. Mamon significa apenas dinheiro, riqueza ou tesouro. Este tema está intimamente relacionado com o primeiro.

Mamon não é um demónio, mas podemos transformá-lo em demónio, se permitirmos que ele ocupe o lugar que pertence a Deus.

Não podemos servir dois senhores. A nossa fidelidade tem de ser para com aquele de quem dependemos. Se não dependemos de Deus, então transformamo-nos em senhores de Deus. O mesmo em relação às riquezas.

Já vimos que onde estiver o nosso tesouro, aí estará o nosso coração. Já vimos também que não está errado termos tesouros. Mas temos de ser seus senhores e não seus servos.

Quando a Igreja se preocupa só com o dinheiro, deixou de servir Deus. Paulo diz que o amor ao dinheiro é a raiz de todo o mal.

Jesus parte de uma realidade comum – impossibilidade de servir dois senhores – para uma realidade essencial: impossibilidade de emparceirar Deus com outras entidades, por muito importantes que elas possam ser e por muito relevante que o seu papel possa ser nas nossas vidas.

4. Ansiedade com as solicitudes da vida (vv. 25-32)

Vivemos num mundo com o qual nos relacionamos e, por causa disso, entramos numa situação de dependência, de resolução de necessidades que vão surgindo e que precisam de ser supridas. São necessidades tanto básicas como complexas, muitas delas dependentes do sistema de organização da sociedade em que vivemos.

Se Deus cuida das básicas, também cuida das complexas.

Como Igreja, não podemos (nem devemos) descurar nenhuma dessas necessidades. As nossas necessidades individuais e colectivas variam em grau de intensidade e de importância, podendo variar de indivíduo para indivíduo. E algumas só podem ser satisfeitas quando outras já estiverem resolvidas. Vejamos algumas:

Necessidades básicas: alimentação, vestuário, habitação, possibilidades de rendimento.
Necessidades emotivas: auto-estima, amizades, carinho, compreensão.
Necessidades intelectuais: aprender, manifestar e explorar capacidades cognitivas ou artísticas.
Necessidades sociais: relacionamentos com indivíduos, empresas e sociedades simples ou complexas.
Necessidades espirituais: realização dos nossos anseios pelo transcendente, pelo divino.

As necessidades, pelo seu peso e importância, podem esmagar-nos ou querer esmagar-nos, mas Jesus apela à confiança em Deus – vv. 31-32.

Isso só se consegue se a nossa relação com Deus for a de pai para filho – v. 32 – vosso Pai.
5. Conclusão

Se a nossa confiança estiver em Deus, nem podemos (ou devemos) ignorar a situação nem devemos entrar em pânico – Deus vela por nós. Mas para isso, devemos buscar primeiro o reino de Deus e a sua justiça ou rectidão. E todas as outras coisas nos serão acrescentadas.

SAC, 9.Março.2021