O BAPTISMO DE JOÃO – Mateus 21:23-27

O Baptismo de João

Jorge Pinheiro 7

Dr. Jorge Pinheiro

 

Mateus 21:23-27

Perguntou Jesus: O baptismo de João de onde era? Do céu ou dos homens?
Na sequência do episódio em que ordena que a figueira seque por não ter figos. Jesus dirige-se ao templo onde, como era Seu hábito, se põe a ensinar, provocando uma reacção de antagonismo por parte dos responsáveis religiosos que Lhe perguntam com que autoridade exercia o Seu ministério. A isto Jesus responde com uma pergunta e exige-lhes que Lhe digam qual a origem do baptismo de João. Numa atitude de cautela, para não serem apanhados em falso com uma resposta que não contemplasse a verdade, assumem a sua ignorância quanto à origem desse baptismo. Ante isso, Jesus replica que, não tendo recebido uma resposta positiva, não se vê obrigado a revelar-lhes com que autoridade praticava o Seu ministério.

Este é o exemplo típico de um dilema que Jesus enfrentou durante o Seu ministério. Num dilema, temos de escolher entre duas resposta antagónicas e contraditórias ou insatisfatórias para a resolução do problema apresentado. Ou seja, em termos práticos qualquer das respostas que possamos dar está errada. A verdade é que, ao longo da Sua vida, Jesus enfrentou diversos dilemas, sendo talvez o mais conhecido a questão do tributo (Mateus 22:15-21). Quando Lhe perguntaram se é lícito pagar o tributo a César, depois de pedir que Lhe mostrassem uma moeda, Jesus respondeu com uma frase famosa e que muitas vezes tem sido citada fora do contexto: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Poderíamos citar outra situação em que Jesus enfrenta um dilema. Encontramo-la na tentação (Mateus 4:1-11), em que pelo menos duas das três tentações podem ser consideradas dilemáticas. Para além de outras que, a um estudo mais aprofundado poderemos encontrar nos evangelhos, pensamos que o mais emblemático e importante dilema que Jesus enfrentou ocorreu quando estava crucificado: “Se és Filho de Deus, desce da cruz” (Mateus 27:40). Poderia ter descido da cruz? Poderia e essa decisão revelaria ser não apenas o Filho de Deus e o Messias há tanto tempo aguardado. Mas Jesus permaneceu na cruz, cumprindo até ao fim o Seu papel de vítima expiatória e vicária. E garantindo não local mas universalmente, não momentânea mas eternamente que é o Salvador e o Rei dos reis e Senhor dos senhores.

Embora por norma não haja resposta para um dilema e todos quantos o enfrentam fiquem enredados na sua teia, a verdade é que Jesus sempre que confrontado com um deu uma resposta assertiva sem se deixar prender na armadilha. Porque entrar na lógica do dilema é entrar num círculo vicioso de que só se pode sair se “pensarmos fora da caixa”, aplicando o que os especialistas designam por “pensamento lateral”. O pensamento lateral estimula uma nova perspectiva e é isso que o ensino de Jesus nos aponta – perante os dilemas da vida apresentados ou não pelos sistemas que nos governam, há sempre uma nova perspectiva ao nosso dispor e que se obtém com a recomendação de Paulo em Romanos 12:1-2: não nos conformando com este mundo, mas transformando-nos pela renovação do nosso entendimento. E isso é possível porque segundo Paulo, temos a mente de Cristo (1 Coríntios 2:16). Só temos de deixar que a mente de Cristo vá ocupando paulatina e totalmente todo o nosso entendimento. Durante todo o processo, não haverá dilema que não possamos vencer.

Neste episódio, Jesus não enfrenta nenhum dilema mas é Ele quem confronta os seus adversários com um. E ao contrário dos dilemas que teve de enfrentar e aos quais respondeu positivamente, este deixa os seus oponentes sem possibilidade de resposta, porque em qualquer resposta que dessem seriam sempre achados culpados de inconsistência e toda a sua hipocrisia e falsidade seriam desmascaradas. Eles próprios o reconhecem porque se respondessem que o baptismo vinha do céu, seriam acusados de não crerem, eles que eram os profissionais religiosos e defensores da verdade celeste. Se respondessem que o baptismo era de origem humana, veriam a sua posição de privilégio ameaçada porque todo o povo considerava que João era um profeta, logo com uma mensagem e um ministério validados por Deus. Receando as consequências de qualquer das respostas optam por esconder-se atrás da ignorância. O que também não milita em seu favor porque ou não se preocupam com uma questão de primordial importância (o baptismo que apela ao arrependimento e a uma maior comunhão com Deus) ou estão mais preocupados com aquilo que é passageiro – a vanglória do poder humano. E assim a sua própria resposta os condena.

Que João Baptista era profeta a Escritura confirma porque, segundo as palavras de Jesus (Mateus 11:14), foi o Elias profetizado e que surgiria antes do grande e terrível dia do Senhor, conforme anunciara Malaquias 4:5. De resto, João Baptista, interrogado sobre quem era, limitou-se a identificar-se como a voz que clama no deserto, preparando o caminho ao Senhor (João 1:23), em cumprimento da profecia de Isaías 40:3: Voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor; endireitai no ermo vereda a nosso Deus.

É verdade que João surge como uma figura estranha e singular que foge aos modelos tradicionais. Vestido de forma simples e natural, com uma alimentação mais que frugal, escolhendo como palco da sua actuação não o cenário das grandes cidades, mas um local deserto e inóspito que exige aos que o queiram ouvir a terem de deixar o conforto da cidade e aventurar-se num lugar tão pouco hospitaleiro, a sua mensagem e prática manifestam-se com um cunho que foge às exigências normais da religiosidade tradicional. Além de anunciar uma mensagem de arrependimento porque o dia do juízo se aproxima e a vinda do Messias prometido está próxima, João Baptista faz acompanhar a declaração de decisão de arrependimento de um sinal ou prática sensível: um banho ritual. Ou seja, não basta a confissão vocal em que apenas a boca e a voz estão envolvidos, mas a decisão prática de experimentar em todo o corpo essa mesma decisão através da lavagem simbólica nas águas do Jordão.

O banho ou lavagem ritual não era coisa desconhecida entre os judeus, mas ele estava mais destinado aos sacerdotes que tinham de se purificar antes de ministrarem no templo. É verdade que todo o judeu tinha de se purificar antes de oferecer um sacrifício, mas com João Baptista, o baptismo extensivo a todo o que se arrepende abre a todos a possibilidade de também se assumirem como sacerdotes do Deus a quem prometeram servir. Esta ideia central do baptismo de João continua presente no baptismo cristão, o que significa que todo quanto é baptizado em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, se compromete a reconhecer que abandona a sua vida velha de pecado consciente e se entrega de corpo e alma à acção do Espírito de Deus que o conduzirá à prática de uma nova vida de que Cristo é o centro e a quem serve como Seu sacerdote porque, como já sabemos, somos o templo do Espírito Santo.

Ao tempo de Jesus, havia um grupo, os Essénios, que voluntariamente voltavam as costas à cidade e se juntavam em comunidade em lugares desertos e em que os banhos rituais eram praticados com assiduidade. Com toda a probabilidade João terá convivido com eles ou terá sido por eles influenciado, uma vez que, conforme Lucas 1:23, esteve nos desertos até ao dia em que havia de se mostrar a Israel. Por outro lado, a sua zona de pregação e baptismo situava-se num local onde a história prova ter existido uma comunidade essénia ou, pelo menos, com as características desse grupo. Os Essénios cuja prática faz lembrar um pouco os monges que se retiram do chamado século para viver em reclusão ou em local ermo, defendiam a necessidade de uma reaproximação de Deus, através do arrependimento das acções e atitudes que impediam uma vida santa. E a marca visível desse arrependimento e reaproximação eram exactamente os banhos rituais. Mas fosse ou não essénio, João Baptista surge não apenas como o precursor do Messias mas como o anunciador de uma prática e de uma decisão essenciais para que a vontade de Deus se cumpra na vida do crente e se torne visível e efectiva – a exigência do arrependimento. Vemos que essa foi a primeira mensagem de Jesus ao iniciar o Seu ministério: Desde então começou Jesus a pregar e a dizer: “Arrependei-vos, porque é chegado o reino dos céus.” (Mateus 4:17), essa foi a primeira mensagem no dia de Pentecostes. À pergunta da assistência “Que faremos, varões irmãos?”, Pedro responde com toda a ousadia e convicção: Arrependei-vos e cada um de vós seja baptizado em nome de Jesus Cristo para perdão dos pecados; e recebereis o dom do Espírito Santo (Actos 2:37-38). Essa tem de ser também a mensagem da igreja hoje quando anuncia o evangelho: “Arrependei-vos e aceitai Cristo como o único Mediador entre Deus e os homens”. Essa tem de ser a mensagem central para correcção de algum desvio em que entretanto qualquer crente tenha incorrido: “Arrepende-te e regressa ao caminho da santidade.” Essa tem de ser a prática que cada um de nós tem de viver diariamente: aproximarmo-nos arrependidos a Deus, sempre que entramos na Sua presença, gratos porque Ele a ninguém lança fora desde que se apresente a Ele com um coração contrito e arrependido.

Sem dúvida alguma a resposta certa ao dilema de Jesus era que o baptismo de João vem de Deus. E ao responder assim, a pergunta deixa de ser um dilema e passa a ser a confissão de uma verdade que nos abre a porta ao privilégio de sermos chamados filhos de Deus.
A Deus toda a glória!