(OS) CODEX EPHREM DA PÓS-MODERNIDADE

(OS) CODEX EPHREM DA PÓS-MODERNIDADE

JTP_4

© João Tomaz Parreira

«Porque nós não somos, como muitos, falsificadores da palavra de Deus.» II Co 2,17

Fazer uma ligação entre o Codex Ephrem e a pós-modernidade é ensaiar uma ponte entre o século V e os dias de hoje, embora pareça um mal entendido aos mais sensíveis que se restringem a padrões rígidos de interpretação de eventos actuais.
Sim, porque à partida parece que pretendemos misturar o que foi uma das bases manuscritas para a formação e estabelecimento dos canones dos Velho e Novo Testamentos e qualquer ética ou filosofia do pós-moderno.
O chamado Codex Ephrem, que tem menor importância que o Sinaiticus, e.g., «foi» um manuscrito de ambas as partes de Bíblia, designadamente do NT, do século V, e está conservado na Biblioteca Nacional, em Paris. «Foi» um manuscrito que agora se lê dificilmente, porque um copista resolveu apagar do pergaminho os textos sagrados e reescrever outras coisas. A este trabalho de raspagem e reescrita chama-se palimpsesto (do grego pálin e psestos, novo e raspar).
O Codex Ephraemi Reescritus, assim também conhecido, é, segundo os especialistas, o último do grupo em que se reúnem, com ele próprio, os quatro manuscritos da Bíblia Grega , os Codex Sinaiticus, Alexandrinus e Vaticanus.
O texto que foi escrito por cima do Codex inicial, no século XII ou XIII, por um autor sírio, o Efraem, contém as obras desse, crónicas religiosas, de onde sobressaem as ditas sobre a história eclesiástica de João em Éfeso.
Há literatura sobre o assunto que nos assegura que os textos originais do pergaminho, os textos bíblicos digamos assim para generalizar, não foram inteiramente raspados e podem ainda ser lidos, penosamente embora, sob meios tecnológicos modernos.
A Palavra de Deus parece ter desaparecido sob as opiniões e as histórias, ainda que eclesiásticas, de homens alegadamente piedosos. O palimpsesto foi um contentor de duas mensagens. À luz da crítica literária contemporânea e de qualquer dicionário das comunicações de massa, é material polissémico, porque tem vários sentidos.
As Releituras
Considerando que a Bíblia Sagrada é o Livro mais vendido, 5-6 biliões de cópias, e por conseguinte o mais lido, é natural que seja objecto de múltiplas e díspares releituras, mesmo até por crentes e, com certeza, por ateus. E tais releituras são normalmente efetuadas a dois níveis: ao teológico e ao antropológico; Deus e o Homem. Os crentes procuram na Palavra divina o Pai; os ateus, os não-crentes, demandam quase de um modo edipiano contradizê-Lo e mesmo eliminá-Lo.
No século XVIII, sob uma particular visão socialista, Proudhon já relia certamente o apóstolo Paulo, alegando que as suas formas de ideal (quereria dizer doutrina ética e social, moral e espiritual, etc.)eram bem definidas, mas caducas.
1.Sartre
Por exemplo, o filósofo Jean-Paul Sartre, mistura de católico (pelo pai) e de protestante (pela mãe), um céptico que passou cedo para o terreno do humanismo e da releitura negativista da fé cristã. Na sua autobiografia Les Mots (As Palavras), considera a perda da fé religiosa por uma releitura de um acontecimento religioso – perante as senhoras da família que acreditavam em Deus o tempo necessário para apreciar uma tocata no órgão da igreja; ou o avô que julgava parecer-se com Deus por causa da sua barba e costumava aparecer por trás do púlpito de onde se proferiam raios celestiais, vindo da sacristia para assustar os fiéis na missa.
Mas esta espécie de releitura, do nosso ponto de vista, não foi mais que uma posição material sobre aspectos religiosos, no sentido social da religião. Ainda não era o que Sartre viria a estabelecer depois, como as releituras de ética e moral, de espiritualidade e da existência que alguns dos seus mais famosos textos fariam. Dois apenas, para este raciocínio.
A Náusea, que é um beco sem saída, onde se entra para fugir de Deus. Onde a pessoa é apenas um indivíduo, sem importância, daí o nada finalizador. «Todos os objectos que me cercavam pareciam feitos da mesma matéria que eu, duma espécie de sofrimento ruim»- considerava a personagem, Roquentin. «Nada. Existi.»- diz. O outro beco sem saída é a peça Huis Clos , pela sua própria natureza de espaço fechado, onde uma releitura do inferno citado na Bíblia se torna no fogo sem consumição da consciência de cada pessoa, numa metáfora da morte, onde os actos de cada um atormentam o outro.
Seja como for, para Sartre Deus existia, o seu ateísmo era moral e provisório – dizia o escritor- estava ligado ao facto de Deus ainda se não lhe ter revelado.
No que concerne à criação por intermédio divino, e à finalidade do Criador em ter criado o homem, Sartre escrevia em A Náusea que «todo o existente nasce sem razão»; os homens como as coisas não tinham vontade de existir, somente não tinham outro remédio. Que releitura do Génesis tão desesperante e terrível, Deus criou o homem à existência para o punir?

2. José Saramago
Quanto ao romancista José Saramago poderíamos ficar conversados por aqui: «Deus é um problema». É o que o escritor vê nas Escrituras Sagradas, por isso procura insistentemente desde o controverso romance «O Evangelho Segundo Jesus Cristo» ( de 1992) reler e reinterpretar o Novo Testamento, por exemplo, no cerne que é a Salvação pela morte expiatória e vicária do Filho de Deus.
Saramago socorre-se de uma semiótica centrada em uma obra de arte de Albrecht Durer, «A Grande Paixão» renascentista, a partir da qual reinterpreta com os seus próprios símbolos anti-cristãos, que profanam o sagrado, toda a crucificação, como se esta fosse um mito, mesmo considerando-a bíblica. Mas o que o nosso escritor faz, é pôr em causa a autoridade de Bíblia numa matéria tão vital.
Passados dezassete anos, Saramago volta a fazer leituras bíblicas comprometidas com a profanação do sagrado.
No pré-lançamento do seu último romance, «Caim», de 2009, um semanário de referência – o Sol – disse que «não deixa de ser curiosa a concentração no tema Deus. A preocupação em si já é sintomática da centralidade da questão.»
É para o escritor o chamado «factor Deus», não se sabendo bem se como uma unidade simples ou se causa de vários efeitos.

3.Congresso Multidisciplinar de Estudos da Bíblia
O evento ocorreu em 2009 com o apoio de instituições marcantes nos estudos das Sagradas Escrituras de Israel, desde o Rockfeller Archeological Museum, o Museum of Jewich People, à École Biblique et Archéologique, entre Jersusalém e Tel-Aviv. Os pesquisadores protestantes, pentecostais e judaicos religião de Moisés. Alguns resultados chegaram, designadamente, com o que chamaram de nova visão sobre o que referem ser a «parte mitológica» da Bíblia. Houve sinais de que é «preciso» despir a mística do Bereshit( Génesis) e vestir alguns episódios com a capa do científico, criticamente. Adão e Eva foram casal ? Ou uma geração? Caim e Abel, classes em tensão ou irmãos de facto?

4. Der Mensch is gut! – O Homem é Bom!
Depois da catástrofe da I Grande Guerra e da hecatombe que dizimara nas lamas das trincheiras milhões de europeus, o estado de espírito da Europa parecia elevar-se acima das realidades e definia que o Homem era Bom. O pacifismo que nascia das cinzas da mente do homem, em 1917, se legitimamente podia rejeitar a guerra, não podia reformular a doutrina da Queda, nem do pecado original, nem das sementes do Mal que o Diabo implantara no coração humano.
Na teologia protestante das décadas de 30 e 40, o idealismo apesar dos tumores na Europa carreava para a discussão bíblica e escolar o pacifismo de pensadores de grande nível cristão e intelectual como Dietrich Bonhoeffer.
Não se compreendia muito bem como o homem havia chegado à maioridade. Compreende-se, por assim dizer, a chegada do homem, do ponto de vista cristão, ao posicionamento de discípulo de Cristo ao lermos o seu livro «Discipulado», um homem dependente de Cristo Jesus, obediente à vontade divina, homem sem poder passar sem Deus, poderia ser um homem solitário («o chamado de Jesus ao discipulado faz do discípulo um ser solitário- escreveu», mas nunca independente, ou dependente de si mesmo.
E lendo também «Tentação», perceber-se-á a fragilidade humana exposta perante as crises ou os ataques do diabo.
Não se entende, porém, o homem chegado à maioridade, que levou alguns seguidores seus a reler que proclamava «o homem agora pode passar sem Deus».
Aprender a viver sem Deus, seria uma releitura da religião nos anos 40 perante o descalabro moral e social da Europa nazi, e esta suposta maioridade do homem chegaria aos teólogos da década de 1960.
As releituras bíblicas tinham que ser agora interpretações não-religiosas de conceitos bíblicos -escreveriam, contudo, os interpretes das obras do mesmo Bonhoeffer.
Pegava-se nos textos bíblicos, nos conceitos milenares das Escrituras Sagradas, na revelação neo-testamentária de Deus em Cristo, na espiritualidade, raspava-se o original para reescrever o que o secularismo sempre defendera: Deus não é necessário para nada, o homem é que é tudo.

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“Se Deus é bom…” Um estudo sobre o mal, o sofrimento e a justiça

“Se Deus é bom…”
Um estudo sobre o mal, o sofrimento e a justiça

Raquel Pinheiro 2por Raquel Viegas Pinheiro

Monografia elaborada para a   Disciplina “Apologética” no 3º ano do MEIBAD – Instituto Bíblico Monte Esperança
docente Samuel Pinheiro

FANHÕES
2017-2018

 

 

 

ÍNDICE

INTRODUÇÃO 1
I. PORQUE EXISTE O MAL? 2
1. O que é o mal? 2
2. Quem criou o mal? 2
II. PORQUE EXISTE O SOFRIMENTO? 4
1. Que mal fez eu para merecer isto? 4
2. Qual o propósito do sofrimento? 5
III. PORQUE É QUE DEUS NÃO FAZ JUSTIÇA? 7
1. Porque Deus poderoso não destrói o mal e o sofrimento? 7
2. Se Deus é bom porque não faz justiça? 9
CONCLUSÃO 11
BIBLIOGRAFIA 12

 

INTRODUÇÃO
Este trabalho foi realizado no âmbito da Unidade Curricular “Apologética” lecionada pelo docente Samuel Pinheiro, e tem como objetivo principal exibir um estudo acerca do mal e do sofrimento relacionando com a justiça divina. É pretendido responder a questões dentro desta temática que geralmente são levantadas questionando a fé.
A escolha deste tema teve origem num diálogo com uma senhora durante uma campanha evangelística, esta duvidava da existência de Deus porque que Ele não fez o seu trabalho quando um homem raptou uma criança, no seu ponto vista se Deus existisse teria cortado os braços àquele individuo. Este exemplo tem uma ligação direta tanto com o mal moral, como com o sofrimento e também com a justiça de Deus.
Admito com segurança que o sofrimento e o mal moral têm sido obstáculos à aceitação do evangelho devido ao conceito errado generalizado. A questão das “crianças que morrem à fome em áfrica” é apenas um grão de areia nesta temática, porque a grande dificuldade é quando o sofrimento e o mal atingem pessoalmente. Creio que se mostrarmos o ponto de vista Bíblico, o de Deus, podemos levar as pessoas ao Cristo que sofreu por elas.
A metodologia utilizada para a realização desta monografia inclui quatro etapas: 1) pesquisa e análise de bibliografias (enciclopédias, dicionários, comentários e outros); 2) seleção de informações relevantes para a temática, retiradas da bibliografia; 3) desenvolvimento do conteúdo; 4) Formatação e revisão final.
O trabalho está dividido em três grupos principais:
1. Porque existe o mal?: É indicado o conceito de mal moral e a sua origem.
2. Porque sofremos?: O mal e o sofrimento tem uma relação muito próxima. Sendo que neste ponto será explorado o sofrimento como consequência do mal. É explicado qual é o propósito divino quanto ao sofrimento e a coabitação deste com Deus.
3. Porque é que Deus não faz justiça?: Neste ponto assume-se a existência de Deus, do mal e do sofrimento. É abordado a “inatividade” aparente de Deus quanto a este problema, é questionada a omnipotência e bondade divina.

I. PORQUE EXISTE O MAL?
1. O que é o mal?
Há três formas de relacionar Deus com o mal:
1. O mal existe mas Deus não (ateísmo);
2. Deus existe mas o mal não (panteísmo);
3. Tanto Deus como o mal existem.
Negar o mal é um conceito monista ou panteísta: o mal é apenas algo que parece ser mas não é; é uma ilusão e não uma realidade. Mas se o mal não é real é porque os sentidos são completamente indignos de confiança e não existe qualquer diferença entre a dor ilusória e real, mas esta ideia não parece corresponder à realidade, antes pelo contrário, parece ser meramente algo que homem gostasse que fosse verdadeiro. O mal, é algo quase palpável, é universal e é real.
Se o mal existe, como podemos defini-lo? Norman Gleiser defende que o mal não é em si mesmo uma substância, mas na sua definição está implícita a ausência do bem que deveria estar presente mas por alguma razão não está. Agostinho citado por Gleiser define o mal como algo “corrupto”, mas a corrupção acontece quando algo bom por natureza sofre perda de pureza.   Isto remete-nos ao jardim do Éden onde o Homem era bom por natureza mas ao pecar perdeu essa natureza boa e agora é mau por natureza.
Se não podemos definir o mal como “algo” mas sim como uma ausência não é possível atribuir a criação do mal a Deus.   Mas onde podemos encaixar o mal no meio de Deus e de um plano de criação perfeitos?
2. Quem criou o mal?
Aparentemente o texto de Isaías 45:7 apresenta Deus como criador do mal, mas à luz do contexto da passagem este mal é melhor traduzido como desgraçada ou julgamento e não se aplica no sentido moral. À luz da Bíblia, Deus não é mau (1Jo 1:45) e é moralmente perfeito (Mt 5:48).
A Bíblia é clara ao afirmar que Deus não criou um mundo com sofrimento ou males (Gn 1-2), atualmente o mundo não é igual ao estado original (Gn 3:16-22). “O homem trouxe o mal para si por escolher egoisticamente seu próprio caminho à parte do de Deus.”  O mundo está num estado anormal, o homem tem natureza pecaminosa, o mundo não está como Deus “queria” que estivesse (Rm 5:19; Gn 6:5-6;11-12).
Geisler apresenta que um dos requisitos para sermos criação perfeita era ter a liberdade inserida no pacote. E quem tem liberdade, tem escolhas, e uma dessas escolhas é decidir entre fazer o bem ou não fazer o bem (ou seja, o mal). Enquanto “Ele faz com que o mal seja possível; nós fazemos com que o mal seja efetivo.” Com Satanás aconteceu a mesma situação, ele foi criado com poder de escolha para poder amar Deus livremente (amor forçado não é amor, é estupro ) mas ele tornou-se a primeira causa do pecado através do seu próprio livre-arbítrio.  Podemos afirmar que quem criou o mal foi Satanás, os anjos caídos e nós próprios quando optámos por não escolher o bem que Deus criou.

II. PORQUE EXISTE O SOFRIMENTO?
1. Que mal fez eu para merecer isto?
O sofrimento pode derivar: do julgamento divino, como consequência do pecado de Adão ou de Satanás.
a) Julgamento divino
Será que o sofrimento pessoal está diretamente ligado ao pecado pessoal? Será que Deus castiga sempre que se peca? Em Salmos 103:10-11 e Lamentações 3:22 indica que Deus sempre trata os Seus com misericórdia apesar do pecado . A própria salvação é algo misericordioso porque todos merecíamos a condenação (Rm 3:23), mas agora podemos ser considerados inocentes por meio de Cristo (Rm 1:8).
Hindus defendem que o sofrimento individual é o resultado do mal individual (Karma) no cristianismo esta ideia também pode estar presente. É corrente perguntarem “que mal fez eu para merecer isto?”. Não se pode descartar o conceito de sofrimento como castigo divino  (ex: Miriã, Arão, Ananias e Safira), porque este é real à luz da Bíblia mas em diversos casos não há qualquer ligação, Deus até colocou na Sua Palavra um livro (Jó) que é dedicado ao problema do sofrimento e apresenta que este nem sempre é causa do pecado. Jesus explicou aos seus discípulos esta mesma ideia quando estes questionaram a razão da cegueira de um homem, Jesus foi claro ao afirmar que o pecado pessoal não era o motivo (Jo 9:1-3).
b) Pecado de Adão
“Quando as almas se tornam perversas, elas certamente fazem uso desta possibilidade para se ferirem umas às outras.”
A maioria do sofrimento deriva de más escolhas. Por vezes são consequências naturais dos pecados e erros, se alguém roubar um banco naturalmente que será preso, se alguém comer um iogurte estragado naturalmente irá ter uma indigestão. A prisão e a indigestão são sofrimentos que derivaram de uma má escolha e nem sempre é necessariamente julgamento divino. Outras vezes o sofrimento é infligido por terceiros, por vezes diretamente, se alguém matar propositadamente outro, ou indiretamente por exemplo se o governo tomar más decisões que podem prejudicar outros que lhes são desconhecidos.
“O mal invadiu toda a personalidade humana.”  Por causa do pecado Adão, o mundo ficou contaminado com a dor, a morte, o mal e o sofrimento (cp Rm 5). Mas por causa da obediência de um (Jesus), muitos podem ser justificados perante Deus.
c) Satanás
Satanás é tanto culpado do mal como o Homem e Ele pode causar doenças e sofrimentos mas os filhos de Deus têm imunidade condicionada pela permissão ou não de Deus (Tiago 4:7). Apesar da sua derrota na cruz ele ainda exerce influência sobre o homem, principalmente sobre os não regenerados.
2. Qual o propósito do sofrimento?
A Bíblia é clara quando nos ensina que há coisas que sempre nos serão ocultas mas que Deus sabe todas as coisas, Ele com a Sua soberania escolhe o que deve ser ou não revelado (Dt 29:29). Podemos não compreender no momento a razão do sofrimento mas isso não significa que não haja um bom propósito.
É claro através dos exemplos que Bíblia apresenta que o sofrimento de alguém pode contribuir: 1) para o bem maior como aconteceu com José (Gn 50:20) ou 2) para crescimento espiritual como aconteceu com Jó (Jó 23:10).  Mas em ambos os casos eles só entenderam o propósito muito depois de passarem pelo sofrimento.
Não há dúvida de que o sofrimento como o megafone de Deus é um instrumento terrível, podendo levar à rebelião final, que não dá lugar ao arrependimento. Mas ele fornece também a única oportunidade que o perverso pode ter de emendar-se. Ele remove, o véu, planta a bandeira da verdade na fortaleza de uma alma rebelde.
“Todos (…) vivemos num mundo caído, onde o sofrimento (…) faz parte do mesmo de um modo generalizado. Não podemos explicar o sofrimento individual.”  Ser crente não garante vida sem sofrimento, por vezes este ainda sofre mais que o descrente (cp. Sl 73:3-5), mas garante uma esperança que ajuda a passar o sofrimento.
É correto afirmar que este mundo não é o melhor que existe, pois existem guerras, assassinatos, etc. Atrás já foi justificado o motivo do mundo ser assim. Mas é necessário também compreender que a vida neste mundo é temporária. Assim como a “tribulação é uma condição prévia à paciência”  , “o mundo é uma condição prévia da perfeição.”  Hoje, este mundo não é o melhor, porque o pecado degradou-o (não Deus), mas é sem dúvida o caminho que Deus arranjou para chegarmos ao melhor mundo (o céu).
Ao estudar o sofrimento do cristão corre-se risco do apresentar como algo bom mas deve-se ter em mente que este “não é bom em si mesmo. O que é positivo para o sofredor em qualquer experiência penosa é a sua submissão à vontade de Deus e, para os expectadores, a compaixão despertada e os atos de bondade a que esta os leva.”
Deus não é um ser cujo sofrimento é algo incompreensível para Ele, não O podemos culpar por não saber o que é sentir o sofrimento, porque na verdade Deus fez-se Homem e sofreu como Homem para impedir o sofrimento eterno do Homem (Is 53:3; Hb 2:18, Hb 4:15). Ver Deus como totalmente bom pode ser um teste à nossa fé.
O maior sofrimento do homem é o sentimento de culpa por estar longe de Deus, porque o pecado corrói a essência da felicidade, retirando esse sofrimento por meio de Cristo, todos os outros são mais suportáveis.  Deus sempre se preocupou em resolver a suprema dor do Homem que leva à dor eterna.
Em suma, a existência de Deus não impede o sofrimento individual, ainda que este não seja o plano inicial de Deus, Ele pode ter bons propósitos para a permissão do sofrimento: levar o pecador ao arrependimento, para um bem maior, para o crescimento pessoal ou para evitar um mal maior.
III. PORQUE É QUE DEUS NÃO FAZ JUSTIÇA?
A tendência do Homem sempre será culpar a alguém pelo seu sofrimento, mal e desgraça. E no fim do esquema, encontra-se Deus. Mas esse Deus, que tanto é culpado, fez algo que nenhum homem já faria, Jesus que é Deus assumiu a culpa do erro do Homem (2 Co 5:21).
Mas quando as pessoas colocam em causa a justiça de Deus, na sua mente tem uma destas questões: se Deus pode todas as coisas porque não faz justiça? Se Deus é bom porque não faz justiça?
“A liberdade de Deus consiste no fato de que nenhuma outra causa além dEle mesmo produz os seus atos e nenhum obstáculo externo os impede — que a sua própria bondade é a raiz de que todos eles brotam e sua própria onipotência o ar em que todos florescem. “
1. Porque Deus poderoso não destrói o mal e o sofrimento?
Se o mal não foi derrotado e o sofrimento exterminado então é porque o Deus não é todo poderoso.
Em primeiro lugar é necessário rever o termo omnipotência divina. “A sua onipotência significa poder para fazer tudo que é intrinsecamente possível, e não para fazer o que é intrinsecamente impossível.”  É claro que Deus pode fazer tudo (Lc 1:37), mas Ele não é limitado por este atributo, temos de entendê-lo à luz da Sua soberania, do Seu amor, da Sua Justiça e todos os outros atributos.   Ele podia exterminar a humanidade toda nos tempos de Noé mas como Ele é justo e amoroso, Ele poupou os justos. Apesar da Sua omnipotência permitir que Ele o fizesse, Ele escolheu o que queria fazer: poupar Noé e a família (Gn 6:8-9).
Em segundo lugar, há duas formas de destruir o mal:
1) Destruindo o livre-arbítrio: para o mal ser destruído, primeiro a liberdade tinha de ser destruída na totalidade. Será que queremos viver sem liberdade? Sem liberdade vivíamos felizes? Se destruirmos a liberdade para destruir o mal, “essa destruição seria má em si mesma.”
2) Destruindo a humanidade: Para um trabalho completo, Deus ao eliminar o mal, teria que eliminar “as nossas falhas em praticar o bem”, quem de nós iria sobreviver a essa limpeza?
Em terceiro lugar, apesar de não poder ser destruído agora, temos de admitir que um dia Deus irá derrotar o mal, Deus já começou este trabalho quando revelou na sua lei o que era errado (Ex 20); deu discernimento para distinguir o certo do errado (Rm 2:12-15); dotou-nos de capacidade para fazer o certo (Rm 8:2-4); entregou Jesus à morte para derrotar oficialmente mal na cruz (Cl 2:14-16) e um dia Jesus voltará para derrotar efetivamente todo o mal (Ap 19-22).   O mal apesar de real, é temporário, irá haver nova vida onde não haverá choro, ranger de dentes, sofrimento e dor.  Paul Little afirma que é possível resolver o problema do mal a nível pessoal aceitando a obra redentora de Cristo e ser nova criatura (2 Co 2:17).
Se Deus não pode destruir o mal, não pode ao menos criar um mundo melhor, onde cada um manipulasse a “matéria” a seu gosto para não sofrer?
C.S Lewis apresenta um ponto de vista interessante, temos de reconhecer que a matéria que nos rodeia neste mundo pode ser simultaneamente agradável para uns e desagradável para outros. Por exemplo o mesmo monte, para aquele que sobe torna-se desagradável para o desce torna-se agradável.  A chuva para o agricultor em tempos de seca torna-se agradável, a chuva para o construtor de casa torna-se desagradável. Se o Deus todo poderoso torna-se toda essa matéria boa para todos, teria que eliminar a capacidade que o Homem tem de se agradar ou desagradar, basicamente seriamos todos iguais e que incrivelmente ficaríamos contentes com tudo o que Deus definiu que nos dava felicidade. Todos gostávamos de sardinha temperadas com vinagre.
E se Deus todo poderoso impedisse que a matéria fosse mal usada, anulando a possibilidade do sofrimento? Se Deus tornasse o errado impossível, o livre-arbítrio seria eliminado, algo que já foi considerado mau em si mesmo. Deus o faz ocasionalmente, isso é chamado de milagres, mas não é uma regra, porque Deus não quer Homens sem poder de escolha.
Deus é todo poderoso, mas Ele tem vontade e sabe o que é melhor para o Homem.
2. Se Deus é bom porque não faz justiça?
De um lado, se Deus é mais sábio do que nós, o seu julgamento deve diferir do nosso sobre muitas coisas, e não apenas sobre o bem e o mal. O que nos parece bom pode então não ser bom aos olhos dEle, e o que nos parece mau pode não ser mau.
Esta é uma afirmação que é preciso ter em mente antes de estudar a bondade divina.  Talvez o conceito de “bom” seja limitado a “algo que faça feliz”. E se Deus é bom porque não faz a todos felizes? Duas razões:
1) Eliminaria o livre-arbítrio (ideia já explorada)
2) Há uma fenda muito grande entre o que “faz feliz” e o que é “bom”. Os pais para educaram os seus filhos preferem que eles “sofram” com um castigo do que passem por caminhos desprezíveis e desvairados. (cp. Hb 12:7-11)   No fundo optam por um sofrimento a curto prazo para evitar um sofrimento a longo prazo.
Ele é o oleiro e o Homem é o barro (Is 64:8), a relação criador-criatura é algo incomparável. E o “vaso” não tem o direito de questionar o oleiro durante o seu trabalho (Rm 9:20), porque se o oleiro coloca todo o seu amor e dedicação, temos de reconhecer que para uma obra prima perfeita é necessário tempo, esforço e momentos dolorosos.   Quem é o Homem para dizer que não existe um bom propósito por trás do sofrimento?
Deus é Justo. Por isso existe o céu para quem quer viver com este Deus amoroso e o inferno para quem não quer viver com Deus. Deus não força ninguém a coabitar com Ele. Sabemos que o desejo de Deus é que todos se salvem (2 Pe 3:9), mas Ele quer que o façam livremente. Deus não salva pessoas a qualquer custo (forçando as pessoas), e um inferno é “um lugar que não foi absolutamente feito para homens”.
A exigência de que Deus deva perdoar tal homem enquanto permaneça como é, está baseada numa confusão entre tolerar e perdoar. Tolerar o mal é simplesmente ignorá-lo, trata-lo como se fosse bem. Mas o perdão precisa ser tanto aceito como oferecido (…) a pessoa que não admite a culpa não pode aceitar perdão.
A bondade de Deus não pode pôr em causa a Sua justiça, e Ele fará a justiça a seu tempo, na eternidade. Lembrando que um dia Ele irá reinar com vara de ferro (Ap 12:5). E será que o Homem realmente deseja que Deus “faça justiça” imediata cada vez que ele peque? Todos seriam alvos da ira de Deus mas foi“o próprio Deus que, (…) resolveu fazer a propiciação (…) através da pessoa de Jesus Cristo e apaziguar a sua própria ira” . É a Sua bondade que permite o perdão de pecados, que permite um novo começo a todas as criaturas que foi expressa no calvário.
Êxodo 3:7-8 claramente nos mostra um Deus que ouve os clamores do seu povo e tem misericórdia daqueles que estão em sofrimento. Deus é bom e não está apático ao sofrimento da Sua criação.
CONCLUSÃO
O sofrimento e o mal são questões bastante sensíveis porque incluem uma parte muito pessoal e privativa das pessoas. Não é uma temática que eu considere que é possível discutir apenas teoricamente, porque geralmente quando alguém nos questiona sobre isso é porque já sofreu ou é próximo de quem já sofreu algo. As pessoas estão cheias de cicatrizes e feridas abertas e muitas pessoas atribuem a culpa a Deus porque não sabem a quem mais culpar. Claro que estas questões devem sempre ser respondidas apresentando um Deus que não é mau nem tem prazer no sofrimento das suas criaturas.
“A vida de Jesus significa, realmente, que ele é a fotografia de Deus, mandada aos filhos errantes, pecadores, tendo nela escrito: ‘Voltem para casa’.”
Na minha ótica a “cartada final” ou até a única que pode levar alguém a compreender esse Deus amoroso da Bíblia é apresentar o servo sofredor, que “foi transpassado por causa das nossas transgressões, foi esmagado por causa de nossas iniquidades; o castigo que nos trouxe paz estava sobre ele, e pelas suas feridas fomos sarados.” (Is 53:5) Esse Deus, que fez-se homem sabe o que é sofrer física e psicologicamente, Ele não está indiferente ao nosso sofrimento, porque Ele “embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tronando-se semelhante aos homens. E, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até à morte, e morte de cruz!” (Fp 2:6-8).
Deve-se mostrar que o maior sofrimento do Homem é o facto de estar longe de Deus, e que sarando esse sofrimento, os outros são mais fáceis de ultrapassar, porque é nos dado uma esperança de um mundo melhor (Rm 8:18-25). Não este como conhecemos, mas um lugar sem dor e sem sofrimento (Ap 21:1-8). A justiça parece não estar ser feita, mas Deus é justo e um dia Ele irá fazes justiça a todos os que fizerem sofrer a Sua Igreja (2 Ts 1:6-12).
Ao abordar o sofrimento, o mal, e a justiça temos que ter a consciência que não possuímos a resposta para tudo, porque não compreendemos os planos de Deus, e como nos exemplos apresentados, a razão do sofrimento individual por vezes só é entendida anos depois ou na eternidade com Deus.
Oferecendo uma esperança de salvação às pessoas feridas, pode ser um caminho para ultrapassar o sofrimento que ainda fere as suas vidas.
BIBLIOGRAFIA
GEISLER, N., & BROOKS, R. (2015). Respostas aos Céticos. Rio de Janeiro: CPAD.
GEISLER, N., & FEINBERG, P. (1996). Introdução à Filosofia. São Paulo: Vida Nova.
GEISLER, N., & HOWE, T. (1999). Manual popular de dúvidas, enigmas e “contradições” da Bíblia. São Paulo: Mundo Cristão.
GITT, W. (2003). Perguntas que sempre são feitas. Bielefeld: CLV.
JONES, S. (s.d.). Cristo e o sofrimento humano. São Paulo: Metodista.
LEWIS, C. (1986). O Problema do Sofrimento. São Paulo: Vida.
LITTLE, P. (1985). Explicando e Expondo a fé. Queluz: Núcleo.
MCDOWELL, J. (1990). Respostas àquelas perguntas. São Paulo: Candeia.
REFERÊNCIAS
i  (GEISLER & FEINBERG, Introdução à Filosofia, 1996, p. 255)
ii  (GEISLER & FEINBERG, Introdução à Filosofia, 1996, p. 256)
iii  (GEISLER & BROOKS, Respostas aos Céticos, 2015, pp. 62-63)
iv  (GEISLER & BROOKS, Respostas aos Céticos, 2015, pp. 62-63)
v  (GEISLER & HOWE, Manual popular de dúvidas, enigmas e “contradições” da Bíblia, 1999, p. 279)
vi  (MCDOWELL, 1990, p. 181)
vii  (GEISLER & BROOKS, Respostas aos Céticos, 2015, p. 64)
viii  (GEISLER & FEINBERG, Introdução à Filosofia, 1996, p. 261)
ix  (GEISLER & BROOKS, Respostas aos Céticos, 2015, p. 65)
x  (LITTLE, 1985, p. 141)
xi  (LITTLE, 1985, p. 141)
xii  Quando este acontece, é bastante evidente para quem peca. Ele não castiga sem advertir  (Am 3:7)
xiii (LITTLE, 1985, pp. 138-139)
xiv  (LEWIS, 1986, p. 64)
xv  (LITTLE, 1985, p. 143)
xvi  (JONES, p. 153)
xvii  (LITTLE, 1985, p. 143)
xviii  (GEISLER & BROOKS, Respostas aos Céticos, 2015, p. 68)
xix  (GEISLER & BROOKS, Respostas aos Céticos, 2015, p. 69)
xx  (LEWIS, 1986, p. 47)
xxi  (GITT, 2003, p. 17)
xxii  (GEISLER & FEINBERG, Introdução à Filosofia, 1996, p. 260)
xxiii  (GEISLER & FEINBERG, Introdução à Filosofia, 1996, p. 260)
xxiv  (GEISLER & FEINBERG, Introdução à Filosofia, 1996, p. 260)
xxv  (LEWIS, 1986, p. 79)
xxvi  (LITTLE, 1985, p. 142)
xxvii  (JONES, pp. 154-155)
xxviii  (GITT, 2003, p. 17)
xxix  (LEWIS, 1986, p. 18)
xxx  (LEWIS, 1986, p. 13)
xxxi  (LEWIS, 1986, p. 13)
xxxii  (GEISLER & BROOKS, Respostas aos Céticos, 2015, p. 66)
xxxiii  (LITTLE, 1985, p. 137)
xxxiv  (GEISLER & BROOKS, Respostas aos Céticos, 2015, pp. 66-67)
xxxv  (MCDOWELL, 1990, p. 181)
xxxvi  (LITTLE, 1985, p. 137)
xxxvii  (LEWIS, 1986, p. 16)
xxxviii  (LEWIS, 1986, p. 24)
xxxix  (LEWIS, 1986, p. 18)
vl  (LEWIS, 1986, p. 20)
v  (LEWIS, 1986, p. 21)
vi  (LEWIS, 1986, p. 90)
vii  (LEWIS, 1986, p. 88)
viii  (STOTT, A Cruz de Cristo, p. 155)
viv  (JONES, p. 156)