COERÊNCIA E CONSEQUÊNCIA

Coerência e Consequência

2023jan01 ADodivelas - JorgePinheiroDr. Jorge Pinheiro

E eu, quando for levantado da terra, todos atrairei a mim. (João 12:32)

(João 12:27-36)

Esta secção vem no seguimento do diálogo travado entre Jesus e os Gregos que O procuraram, os quais, como mencionámos, deixam de ser referidos nos versículos seguintes.

Agora, Jesus dirige-se aos Seus e à multidão, embora esta interacção comece com o que podemos considerar uma confissão pessoal do estado de alma de Jesus: “Agora, a minha alma está perturbada. E que direi eu: Pai, salva-me desta hora? Mas para isso vim a esta hora!” (v. 27). Sem forçar o texto, podemos detectar uma ligação entre esta declaração e a que Jesus apresentara momentos antes: “Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só, mas se morrer dá muito fruto” (v. 24). Uma é consequência da outra. Na verdade, Jesus está a comparar a Sua vida com a vida do grão de trigo. Este, para frutificar, necessita de ir pelo caminho da auto-renúncia, o que lhe provocará a morte. De igual modo, para que da vida de Jesus saia muito fruto, é necessário que Ele aplique a si a mesma receita – que se auto-renuncie e enfrente a morte. Tendo presente esta realidade e mantendo a coerência do que ensinava e do que momentos antes dissera, não admira que Jesus confesse a perturbação que O invade.

Como homem íntegro que era, no pleno uso da Sua vitalidade, há sem dúvida uma luta com a aceitação dessa consequência. Mas Jesus sabe que tem de ser coerente até ao fim. Mas também sabe qual a razão da Sua vinda a este mundo. Todo esse drama e confronto estão manifestos no que diz. Parafraseando-O, podemos reformular toda a sua expressão: “Como um grão de trigo que para dar fruto tem de passar pela morte, assim também eu, para que o meu ensino dê fruto e eu próprio sirva de alimento espiritual às gerações futuras, tenho de passar pelo mesmo processo. O meu desejo de viver grita contra essa perspectiva e a minha coerência leva-me a ficar perturbado. Que fazer? Ceder a essa minha vontade e desejo e pedir ao Pai um outro caminho? Mas como pode Deus aceder a um tal pedido? Como posso eu não me sujeitar aos desígnios de Deus? Aceitei o plano que o Pai tinha para mim e isso implicava ser como o grão de trigo.”

Repare-se que esta angústia se vai manifestar de novo no Getsémani, de modo muito patente na Sua oração: “Pai, se é possível, passa de mim este cálice!”

Em suma, Jesus tem plena consciência da Sua missão e das suas consequências, mas também sabe que tem de manter até ao fim a Sua coerência porque só assim se manterá em sintonia com a vontade de Deus.

A missão de cada um de nós não apaga a nossa humanidade de perturbação, de revolta ou de angústia. Tudo isso são emoções que nos assaltam em resultado da nossa condição humana. Deus sabe a massa de que somos feitos mas também sabe que permanecerá sempre connosco, sejam quais forem as circunstâncias. Por vezes, nós é que nos esquecemos dessa realidade.

No seguimento desta confissão que surge como um pensamento íntimo dito em voz audível e perante a perturbação e o dilema que enfrenta, Jesus não toma outra decisão senão a de entregar a resolução do caso nas mãos de quem tem todas as respostas. Assim, dirigindo-se ao Pai, exclama: “Pai, glorifica o Teu nome” (v. 28). Uma outra versão diz: “Pai, manifesta a glória da Tua pessoa!”, enquanto uma outra declara: “Pai, manifesta o Teu poder!” Estas três versões complementam-se.

Há sem dúvida a tentação de Jesus pedir a Deus que O retire da situação em que a Sua missão O envolveu. Mas Ele prefere invocar Deus como Pai, o que é deveras significativo porque traduz a ideia de proximidade e de comunhão íntima. E ao invocar Deus como Pai, Jesus preocupa-se não consigo mesmo ou com o Seu dilema e angústia pessoais, mas com a glória e o poder da pessoa de Deus. Estaremos nós, nas nossas angústias e dilemas, na hora da nossa maior perturbação, dispostos a colocar em primeiro lugar não a nossa pessoa e os nossos problemas, mas a manifestação da glória e do poder de Deus enquanto Pai?

Não sabemos quanto tempo tardou a resposta a esta oração, mas o texto diz que ela veio de um modo sensível, audível: “Então, veio uma voz do céu que dizia: Já o tenho glorificado e outra vez o glorificarei” (v. 28).

Repare-se que a voz “veio do céu”, ou seja, do domínio do divino, do transcendente. Não veio do conselho humano, da cogitação pessoal, mas “do céu”. Há momentos na nossa vida em que a resposta tem de vir do céu e isso sem qualquer menosprezo pelos conselhos humanos ou pela reflexão pessoal. Há momentos em que nada mais substitui uma voz vinda do céu… Em hebraico, voz também significa trovão, ou seja, a mesma realidade pode ser interpretada de formas diferentes.

E foi o que aconteceu: “Ora, a multidão que ali estava e que a tinha ouvido, dizia que havia sido um trovão. Outros diziam: Um anjo lhe falou” (v. 29). Face aos acontecimentos que envolvem o sobrenatural, há os que reduzem essas manifestações a meros fenómenos físicos e procuram explicá-las recorrendo apenas ao domínio do mundo natural, para além do qual nada mais conta. Já outros recorrem ao misticismo, a uma natureza esotérica do mundo maravilhoso, em que por norma Deus também não está presente, porque o que conta é o mundo das visões, das aparições que a breve trecho descambam em superstições. Para Jesus, essa voz trazia uma mensagem muito clara, passível de interpretação e de compreensão. E em resposta à multidão, a partir do versículo 30 Jesus faz afirmações de extrema importância.

Começa por declarar e esclarecer que “não veio esta voz por amor ou por causa de mim, mas de vós” (v. 30). Jesus reafirma a natureza desse fenómeno, desse som – não foi um trovão, não foi um anjo, mas foi uma voz vinda de Deus. Ora, quem tem uma relação com Deus, como era o caso do povo judeu, associa de imediato a voz com a expressão da vontade de Deus. Foi assim no Éden, quando Adão ouvia a voz de Deus, foi assim com Moisés quando ouviu a voz de Deus no episódio da sarça ardente e também no monte Sinai, foi assim com Samuel quando ouviu a voz de Deus, embora a princípio a tivesse tomado como vinda de Eli, foi assim com muitos outros, incluindo profetas, sacerdotes e reis. E o autor da epístola aos Hebreus recorda-o: “Havendo Deus antigamente falado… de muitas maneiras” (Hebreus 1:1).

Toda a voz se dirige a alguém por alguma causa e transmite uma mensagem. Esta não foi excepção. Ela veio por causa da multidão! E há aqui um paralelo com Moisés. Na outorga da Lei no Sinai, Deus falou directamente a Moisés, mas o povo estava distante. No Antigo Testamento, Deus falava apenas ao mediador que por sua vez transmitia a mensagem recebida ao povo distante, sujeito a castigo caso transgredisse a ordem de se manter afastado (Êxodo 19:10-25).

Mas agora, Deus falava directamente a todos, mesmo que nem todos entendessem com clareza o que ouviam. Agora com Cristo, podia haver uma ligação directa com Deus, cuja glória poderiam contemplar não apenas no julgamento e expulsão do mal deste mundo, mas também no próprio Jesus cuja morte atrairia todos a uma comunhão plena e directa com Deus.

Embora para os Cristãos, que já são beneficiários da obra de Cristo, estas palavras façam sentido, para a multidão que as ouvia pela primeira vez provocavam dúvida e estupefacção. À multidão não custou aceitar que “agora é o juízo deste mundo, agora será expulso o príncipe deste mundo” (v. 30). Isso fazia parte da sua crença e das suas expectativas escatológicas. Afinal, havia uma luta entre o bem e o mal e o destino deste era ser derrotado de vez. De resto também, naquele tempo não faltavam vozes apocalípticas anunciando precisamente isso. O que a multidão achou estranho foi o meio pelo qual esse julgamento e expulsão viriam. Jesus dissera-o com todas as letras: “Quando eu for levantado da terra, todos atrairei a mim” (v. 32). Para que ao leitor não restassem dúvidas quanto ao significado dessa declaração, o versículo 33 explica-a de forma muito clara. Era uma referência não só à Sua morte mas também ao tipo de morte.

Ora, essa declaração ia ao arrepio da convicção generalizada em relação ao Messias e isso é afirmado pela população: “Nós temos ouvido da Lei que o Cristo, ou seja, o Messias prometido, permanece para sempre” (v. 34). Repare-se que eles dizem “temos ouvido da Lei” e não “temos lido na Lei”. Se “tinham ouvido”, isso significa o resultado do que aprenderam ou do que alguém lhes ensinara. O seu conhecimento dependia não de um esforço pessoal de descobrirem por si mesmos a verdade, mas das conclusões a que outros haviam chegado. Claro que nem sempre o que aprendemos por essa via está errado. Afinal, o ensino é fruto de uma pesquisa e do estudo das fontes. Mas também é verdade que a mesma realidade pode ser interpretada de diversas formas, muitas delas contraditórias entre si e não poucas vezes sucede que o que aprendemos resulta da aceitação por vezes cega do ensino do mais forte ou do mais influente. É por isso que mesmo sem a intenção de negar ou de pôr em causa o que nos é ensinado, é sempre conveniente e útil ir comprovar por nós mesmos o que nos é ensinado ou aquilo que entendemos do que nos é comunicado. Afinal, foi o que fizeram os crentes de Bereia que confrontaram o ensino de Paulo com o que as Escrituras afirmavam. Sigamos esse exemplo e recorramos sempre à Escritura para com ela confrontar o que nos é ensinado em relação à vontade e plano de Deus.

Ora, à multidão fora ensinado que o Cristo permanece para sempre, o que não deixava de estar correcto. De facto, a profecia relativa ao Messias indicava que ele surgiria para ficar para sempre. Mas essa afirmação não revela todo o quadro. Faltava-lhe indicar o caminho, o percurso que o Messias trilharia. Mas o que lhes fora ensinado, que o Messias permaneceria para sempre, era entendido como significando que ele nunca provaria a morte nem passaria por qualquer tipo de suplício. Assim, não admira considerarem que Jesus, em quem tinham até então depositado tanta confiança e esperança e a quem haviam momentos antes aclamado como o enviado de Deus, não podia ser o Messias. Havia uma clara contradição entre o que fora ensinado/compreendido e a declaração de Jesus de que iria ser supliciado. Se Ele ia passar pela morte, não poderia ser o Messias! E a pergunta surge com toda a lógica: “Como dizes que convém que o Filho do Homem seja levantado? Quem é esse Filho do Homem?”

E esta é a pergunta que ainda hoje ecoa, a pergunta mais importante ou, pelo menos, a pergunta cuja resposta é a mais importante para o nosso viver: “Quem é este Jesus?” As respostas podem variar, podendo todas elas paradoxalmente não estar erradas, mas estarão incompletas porque se concentram apenas numa característica daquilo que Jesus é. É um reformador? É! É um religioso? É! É um revolucionário? É! E poderíamos continuar. E a resposta a muitas perguntas, talvez não todas, seria positiva, mas essas perguntas estariam focadas apenas num aspecto, talvez não o mais importante, talvez o que mais nos interessasse e o resultado seria viver e entender Jesus não de um modo totalmente errado, mas incompleto e, portanto, imperfeito.

A resposta dada por Jesus a esta observação pertinente é interessante e instrutiva. Poderia ter-se envolvido numa discussão com a multidão, criticando a sua incompreensão e distorção da realidade ou ter enveredado por uma explicitação de quem é o Filho do Homem, mas Jesus procede de outro modo e vai ao fundo da questão, à razão de ser daquela incompreensão, à realidade última. E se os Gregos que O procuraram ainda estivessem presentes e fossem de facto estóicos, mais admirariam Jesus por esta Sua resposta, pela profundidade de pensamento que ela apresentava.

Disse Ele: “A luz ainda está convosco por um pouco de tempo; andai enquanto tendes luz, para que as trevas vos não apanhem, pois quem anda nas trevas não sabe para onde vai. Enquanto tendes luz, crede na luz para que sejais filhos da luz” (vv. 35,36).

Toda esta resposta merece um longo tratamento e uma extensa reflexão e a sua exploração abrir-nos-ia caminho para uma sala repleta de tesouros de sabedoria. Não temos tempo nem engenho para tanto e temos de nos limitar e contentar com uma análise muito superficial.

Jesus deixa implícito que se identifica com a luz: “A luz ainda está convosco por um pouco de tempo.” De resto, noutra ocasião (João 8:12), essa foi a Sua declaração. A luz opõe-se às trevas que são a ausência de luz, mesmo que nelas possa haver um pequeno vestígio de luz. A luz permite-nos enxergar a realidade das coisas com mais nitidez, evitando confundir o real com uma ilusão ou miragem, o que nos levaria ao erro. Quanto mais luz, mais próximos estamos da verdade e da realidade.

Se temos luz, então o caminho lógico é acreditar, é confiar nela, é saber que ela não nos engana. Ao viver nela, tornamo-nos luz também, conforme diz uma outra versão: “Enquanto tiverem luz, acreditem nela, para serem luz também” (BPT).

Esta declaração estabelece também a existência de dois tipos de pessoas ou mentalidades: os filhos da luz e os filhos das trevas. E é interessante notar que embora não esteja incorrecto falar em “treva”, o usual é dizermos “as trevas”, no plural, o que implica que há diferentes tipos de trevas e não apenas de uma só qualidade, enquanto a luz é por norma designada como “a luz”, no singular, embora por vezes se diga “as luzes”, o que nos aponta para a unidade da luz. De facto, fomos chamados à unidade, à unidade com Deus e com o Seu propósito. E isso é possível se formos verdadeiramente filhos da luz. E só o seremos se andarmos na luz, que é Cristo. É o que declara João: “Se andarmos na luz, como Ele na luz está, temos comunhão uns com os outros” (1 João 1:7).

Então, diz Jesus à multidão, para sermos filhos da luz e não nos deixarmos enganar por ensinos errados ou distorcidos, como era o ensino de então sobre o Messias, temos de crer na luz do Seu ensino. O que nos afirma que acima da tradição e do ensino tradicional mantém-se inalterável e disponível a todos a luz da verdade de Deus. E essa luz é a pessoa de Jesus Cristo.

A Deus toda a glória!

SAC, 3 de Janeiro de 2023

CONSTRUIR PONTES NO LIVRO DO PROFETA EZEQUIEL

CONSTRUIR PONTES NO LIVRO DO PROFETA EZEQUIEL 

Pastor Álvaro Ladeira (transcrição da mensagem partilhada na ADbenfica a 2022nov27)

2022nov27 pastor AlvaroLadeira ADbenfica

Gostava que vocês se inspirassem, acerca de construir pontes!

Nem sempre construir pontes é fácil! Nem sempre é fácil…!

A maioria de nós gostaria de saber construir pontes, de si mesmo para quem está à sua volta. Gostaríamos, às vezes, de estar mais perto de quem nos rodeia.

Alguém se identifica com esta realidade?

Conheço pessoas que não. Por exemplo, a minha irmã, às vezes passa por momentos mais difíceis com alguns camaradas da vida, com os quais interage, e diz assim: “Quanto mais conheço os humanos, mais gosto dos animais!”

Não sei se alguém já teve esta experiência… Há uns humanos difíceis…! De facto, não parecem humanos, parecem zoómanos! Há uns zoómanos difíceis!…

De facto, às vezes somos nós mesmos!

Mas quem saiu de casa esta manhã, e veio a este lugar, ou quem se levantou para ver esta live, nem que tenha só aberto apenas a persiana esquerda ou a persiana direita para assistir no telemóvel em casa, fê-lo porque queria estar mais perto de Deus!

E alguns de nós lutamos também com o facto de não saber como…!

Foi o caso do Ezequiel. Ezequiel viveu num tempo muito difícil! Um tempo bem mais difícil do que aquele que estamos a experimentar hoje, aqui do nosso país, à beira-mar plantado.

No contexto em que viveu, também estavam a experimentar guerras, também estavam a experimentar perseguições…

Mas não estava a acontecer com os outros. Estava a acontecer com ele. Estava acontecer com o povo dele, com a família dele, com todos.

E nesta luta de não saber como construir pontes para estar perto de Deus, eu lutei muito tempo.

 

E a primeira pessoa com quem lutei, foi comigo mesmo.

No fundo, não sabia ser quem eu era.

E para construirmos uma relação, temos de estar um pouco confortáveis com quem somos, não é? Porque se não estamos bem connosco, como vamos estar bem com alguém?

Lembro-me de ser um miúdo, pequenino, e de que não queria ser eu.

Achava melhor ser aquilo que aquele era, ou o outro. Aqueles que tinham mais notoriedade no grupo, que conseguiam fazer coisas que eu não conseguia… Este, ou aquele aspeto em particular…

 

Dava mais jeito, criar aquelas personas, e ser um outro alguém.

Apesar disso resolver naquele instante algumas coisas – porque se eu fosse eu, teria os amigos dele, e as amigas dele, teria o que ele tinha, faria o que ele faria – a verdade, é que isto tem um problema!

E qual é o problema? O problema é que não dá para sermos outra pessoa.

Dá para fingir, mas não dá para ser! Só dá para ser quem nós somos!

E claro, sempre podemos construir uma persona, um personagem, e tentarmos viver e ser, o que esses personagens são, e viveriam.

 

Hoje faz-se muito isso!

E nas novas gerações, que estão já a nascer no digital, e que tem muito mais acesso, que são já nativas, existem ferramentas ótimas para criarmos novos personagens!

E qual é o problema disso?

O problema, é que isso é fake! Isso não é exatamente a realidade, e isso nota-se…!

Não nos realiza tanto quanto promete, ser quem não somos!

Torna-nos, de certa forma escapistas, desajustados no mundo físico. Somo uns ‘Hudinis da vida’

Quem conhece o Hudini? O Hudini… é do baú, é uma desempoeirada daquelas…!

Ele recebia aplausos por ser quem era! O Hudini é um daqueles escapistas e ilusionistas, dos mais famosos de todos os tempos! Especialmente desde que há memória, porque só dizemos isso daqueles que conhecemos…! Pode ter havido outro, mas nós conhecemo-lo a ele!

Ele fazia coisas incríveis! E se vocês forem ao YouTube, conseguem ver algumas imitações, algumas reconstruções, e até algumas filmagens!

Mas enquanto ele recebia aplausos por ser quem era, nós recebemos aplausos – quando criamos essas personas – por sermos quem não somos…!

O que é estranho, não é? É um elogio, mas não bate cá dentro, como se fosse a sermos aplaudidos por sermos quem somos!

Um amigo meu diz uma frase de que eu gosto muito, e por isso repito-a algumas vezes. Quando construímos essas personas, “Há algo de errado, que não está certo!”

Deu para compreender?

 

Mas além de lutar comigo, também lutei com os outros!

Então eu queria impor-me! Um bocadinho mais tarde, comecei a ficar assim mais espigadote, e queria impor-me! Primeiro, pela força física.

Por essa razão, estudei até artes marciais, e até tive como ídolo até o reformar aos 14 anos, o meu amigo Bruce Lee!

Por isso, quando havia alguma situação, a primeira coisa era ficar em tronco nu…! E lá ia a camisola interior, até no inverno, com a pasta e tudo para o chão…! Depois, lá vinha aquela senhora velhinha da rua, que pegava naquilo tudo, e ia levar lá a casa, e dizia: “Ó Alvarinho! Sempre todos os dias…!”

E quando eu fugia, para não ouvir, ela dizia à minha mãe, e era muito pior!

 

Quando era pela força física, eu tentava pela força dos argumentos.

A razão pela qual, também desenvolvi este sentido de humor.

Nos primeiros estágios, usava esta arte porque queria ficar por cima num debate, nem que fosse pela humilhação do outro…!

Nem sempre as nossas estratégias, nos levam onde queremos ir, sem produzir danos colaterais.

Porque às vezes, conseguimos o que queremos. Mas não temos uma régua para medir o “à custa de quê” …!

Eu queria sentir-me admirado, maltratando os outros. E, de facto, havia pessoas que me admiravam. Até me combaterem, e depois tentarem destronar-me e aí…, já não era tão gira a admiração…!

 

Também desenvolvi o Pensamento Lógico e Filosófico.

O Filosófico, foi a ferros! Tive de ir lá a sala dos professores, onde trabalhava a minha mãe. De facto, onde ela descansava entre as aulas que dava. E lá, contratei o professor de filosofia, para me ensinar! Porque a minha professora filosofia dizia que eu não me conseguia libertar do senso comum …!, e eu não entendi.

Foi com o dinheiro das explicações que dava na altura, que consegui desenvolver o raciocínio filosófico!

 

Por fim, também lutei com Deus!

E lutei com Deus porquê? Porque na minha ótica, Deus tinha ideias muito fixas!

Alguém concorda comigo? Era muito inflexível!, pensava eu…!

Ele tinha sempre que estar certo! Nunca pensaram isto?

Na minha loooonga experiência, que tinha na altura, nunca tinha conhecido ninguém que estivesse sempre certo! Mas Deus tinha de ter sempre a última palavra!

Isto para mim era um pouco irritante!

Pior! Era suposto que quando alguém sabia o que Ele achava acerca de algo, todos os outros – mesmo que não concordassem – tinham de desistir de contra-argumentar, e fazer o que Ele dizia!…

Alguém já se sentiu mal com isto, ou não?

Alguns dizem que não…! Eu gosto mais de acreditar nos outros, porque sinto-me em casa…!

Ora… E isso era quase insuportável para mim…!

Não fosse aquele bem-estar que experimentava quando me sentia perto d’Ele…

Não fosse aquela coerência, e aquela consistência que Ele tinha, quando se referia a coisas complexas da vida de que eu não percebia nada!, como por exemplo, lidar com os humanos, e com as suas relações,…

Não fosse tudo isso, tinha tirado bilhete para bem longe!…

Mas Deus era Irresistível para mim!

Ninguém me conseguia tocar como Ele! Em áreas do meu interior, que nem sabia que existiam!

Vocês sabem? Quando chegamos a uma certa idade, começamos a sentir músculos que nem sabíamos que existiam…!

Era mais ou menos assim, que eu me sentia…! Ele conseguia mexer em partes de mim, que nem fazia ideia que existiam!

E por mais blindagem que usasse, Ele apanhava-me sempre na curva!

Bastava eu baixar a guarda um bocadinho, por causa de alguma distração, e ‘Zau!…’, lá aparecia Ele dentro da minha mente, a incomodar-me com o meu estilo de vida, e com as últimas asneiras que eu tinha feito.

Aquilo que mais me dificultava a vida, em relação a Deus, era Ele não ser invasivo!

Se fosse invasivo, sabia defender-me. Mas Ele era persuasivo!

Não era dissimulado, mas Ele entrava, assim de fininho, e instalava-se…! E quando eu dava por ela, estava ali uma amena cavaqueira desfrutar de quem Ele era, e a pensar o quão desajustado eu estava, de quando precisava de mudar…!

 

E acabava por sair vencido sempre, e tão feliz!

Eram as únicas batalhas em que isso acontecia, em que eu saía, de facto, feliz!

Nas outras, nunca me sentia assim tão feliz! Numas, acabava humilhado, ferido, irado, cheio de raiva… Noutras, acabava com o falso sentimento de supremacia… Mas depois chegava a casa, e estava na mesma triste!

Sabia que aquilo tinha feito, mesmo que tivesse ficado bem na fotografia para aqueles que estavam a ver, tinha sido uma asneira, e tinha causado danos nas pessoas.

Mas com Deus, nas nossas batalhas, eu acabava derretido, a sentir-me conhecido e amado!

Mas como gostava de batalhas, eu dava luta!

Então, às vezes, demorava muito, até me acalmar, e me sentir assim…!

 

Mas porque estou a contar esta história toda?

Porque vos quero ensinar hoje, acerca de construirmos pontes!

Pontes de nós mesmos, para quem está a nossa volta, e quais são os melhores materiais a usar para construirmos essas pontes.

 

Nós temos um exemplo de alguém que construiu pontes com o ser humano: Deus! Para isso, mandou o Seu Filho Jesus. E enquanto não mandou o Seu Filho Jesus, mandou muitos outros. Mandou muitos amados d’Ele. Uns foram os pais da humanidade ou Adão e Eva. Depois, mandou o Noé, e todos aqueles patriarcas. Mandou profetas…!, porque sempre Deus quis construir relacionamentos connosco! Alguns profetas, como este que eu escolhi hoje, são bem difíceis de entender…!

Quem aqui tem esta experiência difícil com o Ezequiel? Quem faz do Ezequiel o seu tempo devocional? Quando é para dormir, pegamos no verso 1 do capítulo 1, e ao chegarmos ao versículo 5, já fomos!…

 

No passado, tentei obter as chaves para o coração dos reclusos, dos toxicodependentes, como já falamos aqui. E fui bem-sucedido, até certo ponto, porque consegui entrar um bocadinho naquela forma de pensar, naquela forma de estar.

Algumas pessoas aqui que já me viram em ação, viram que há uns ‘cliques’ que conseguimos provocar neles. Há umas provocações, há umas chaves que Deus nos pode dar para chegarmos ao coração das pessoas, e dessa população especial.

Deus deu-me uma graça de que tenho desfrutado, e de que tenho dado a desfrutar, durante os últimos anos.

Neste momento, ando à procura das chaves para o coração dos adolescentes e dos jovens.

Porque já fui adolescente, já fui jovem, mas nunca como os jovens de hoje.

Porque no tempo em que éramos adolescentes e jovens, pensava-se de maneira diferente, os recursos eram outros, a forma como construíamos a nossa identidade e a nossa forma de estar, eram bem diferentes.

Fica aqui já um pedido de ajuda! Se alguém tiver essas chaves, e tiver duplicado, eu aceito!

Só sei entrar no coração de um recluso, de uma pessoa que viveu no mundo do crime e das drogas, porque as pessoas que viveram nesse mundo me deram essas chaves!

 

Partilhei a minha vida, e construí pontes na minha vida para delas. E elas construíram pontes delas

para a minha, e deram-me chaves. Foi na generosidade da partilha que aprendi aquilo que sei.

Não foi porque era muito inteligente, ou porque descubro tudo sozinho, porque não é assim tão verdade.

Às vezes gostamos de parecer… Mas vocês sabem, especialmente os que me conhecem, que não é verdade…! (Risos)

 

Antes disso, procurei a chave para o coração dos Universitários. Eu era Universitário, por isso tinha o porta-chaves, mas não tinha chaves. Nem o meu coração entendia bem, quanto mais o dos outros!… Mas foi aí que comecei a colecionar as chaves.

Mas agora, quero fazê-lo para o mundo dos jovens e dos adolescentes.

 

Então vamos agora entrar no Ezequiel.

Ezequiel é um personagem!… Ezequiel é uma pessoa daquelas…!

Na brincadeira, falando com os meus botões, dizia algumas coisas não muito abonatórias acerca do Ezequiel. Porque começava a ler Ezequiel um, e a experiência… era difícil!…

 

Para aqueles que nunca tentaram, preparem-se! Apertem os cintos de segurança. Vamos a Ezequiel, capítulo um, verso um.

 

1 Era o quinto dia do quarto mês do trigésimo ano,…

Já sabem que dia é que estão, ou não? Perco-me logo aqui, não sei se estão a ver…

 

…e eu estava entre os exilados, junto ao rio Quebar.

Sabem onde é que fica, não sabem? Guardem, que é muito importante…

 

Abriram-se os céus, e eu tive visões de Deus.

“Abriram-se os céus”, ainda dá para perceber…

“Tive visões de Deus…” Visões de Deus, é já um bocado mais estranho, mas pronto. É na Bíblia, podemos aceitar. Vamos seguir em frente.

 

2 Foi no quinto ano do exílio do rei Joaquim, no quinto dia do quarto mês.

Estão situados, aí no calendário? Não se percam.

 

3 A palavra do SENHOR veio ao sacerdote Ezequiel, filho de Buzi, junto ao rio Quebar, na terra dos caldeus. E ali a mão do SENHOR esteve sobre ele.

Pronto. Sobreviveram até aqui? Estão a ser profundamente edificados, ou não?

 

4 Olhei e vi uma tempestade que vinha do norte: uma nuvem imensa, com relâmpagos e faíscas, e cercada por uma luz brilhante. O centro do fogo parecia metal reluzente, 5 e no meio do fogo havia quatro vultos que pareciam seres viventes. Na aparência tinham forma de homem, 6 mas cada um deles tinha quatro rostos e quatro asas. 7 Suas pernas eram retas; seus pés eram como os de um bezerro e reluziam como bronze polido.

Meu Deus…! Que visão! Digam lá: não está a ser uma experiência?

Até me perdi…

 

8 Debaixo de suas asas, nos quatro lados, eles tinham mãos humanas. Os quatro tinham rostos e asas, 9 e as suas asas encostavam umas nas outras. Quando se moviam andavam para a frente, e não se viravam.

Perceberam? Meu Deus…! Ezequiel…!

 

Ezequiel era um livro do qual só percebia dois capítulos, e porque já tinha ouvido muitas vezes alguém pregar acerca deles. E o segundo, só o percebi de facto, quando fui com o pastor e a Hermínia a Israel. Eu percebia o (capítulo) 37, que é o do ‘Vale dos ossos secos’, do qual há muitas pregações.

E Ezequiel 47, que é sobre o rio, que nasce do Trono de Deus, que normalmente só percebemos até meio. O rio nasce, e depois o profeta entra no rio, e a água dá-lhe pelos tornozelos, e depois pelos joelhos, e depois pela cintura, e depois dá-lhe para nadar, porque já é mais fundo do que a altura dele.

 

Quando lia a Bíblia toda, e chegava a Ezequiel, (passava os olhos no texto) só para cumprir calendário,

porque não valia a pena…!

Entretanto, aconteceu-me uma coisa muito gira. Costumava fazer muitas piadas com o Ezequiel. Sempre que havia alguma coisa que não entendia, dizia que isso me fazia lembrar o Ezequiel.

E dizia umas quantas coisas pouco abonatórias acerca da escrita do Ezequiel, visto ser um livro da Bíblia e pouca utilidade eu conseguia encontrar nele, visto ser completamente misterioso e inacessível.

 

Um dia, a mãe do André (Andrade) e o pai vieram visitá-lo. Foi na primeira visita que eles fizeram. E claro, como gosto muito do André e da Joslaine – convivo muito com eles – quando os pais dele vieram, também quis conhecê-los. E nas conversas, claro que meti umas buchas acerca do Ezequiel.

Ela ficou a pensar. Ouviu-me falar coisas tão absurdas acerca do Ezequiel, que ela foi para casa e pensou: ‘Vou ter de ajudar aquele rapaz!’, e escreveu-me uma carta.

E vou ler, só o princípio dessa carta, para vocês:

 

Diz assim:

Nas nossas conversas, um tema recorrente, às vezes em brincadeiras, às vezes com certo encantamento, é o Ezequiel. Então, resolvi passar os olhos e o coração por lá novamente para recordar o encantamento! Ezequiel 1…

E ela fez uma paráfrase…!

 

Seu exilio já durava há 3 anos, 4 meses, e 5 dias…

Perceberam agora? E eu pensei: “Ah…! Era só isto!?…”

 

Estando às margens do Quebar O Senhor lhe apareceu em uma visão.

Fico a pensar no privilégio e responsabilidade que alguns têm de o Senhor lhes aparecer… Então deixando os olhos passearem morosamente pelas letras, aos poucos vão ganhando uma urgência desprevenida, que vai nos fazendo erguer no assento e ir tomando posição de alerta e reverência, pois o Eterno aproxima-se!!!

Uma tempestade vai tomando corpo ao norte, uma nuvem imensa com relâmpagos e faíscas tudo envolto numa luz muito brilhante!

À vista do que está por vir, o coração derrete, as pernas não mais se sustentam.

A enormidade do que está a vir é tamanha que seus olhos chegam a duvidar.

Agora deixe os seus olhos escorregarem pelo texto e vai te deixando envolver por essa grandeza!!

O Deus Eterno está ali, ali mesmo diante de um ser humano.

O Eterno e o finito.

O Santo e o pecador.

O Criador e a criatura.

Aquela grande nuvem com relâmpagos faíscas e luz muito brilhante escondia, algo, que agora, ao ir-se dissipando vai revelando primeiramente quatro vultos parecidos com homens, e aos poucos podemos ver que não são homens.

Agora ao som de muitas e muitas águas, esses vultos vão ficando mais e mais visíveis, e o nosso homem já pode perceber que os tais seres têm quatro rostos.

Os quatro tinham rosto de Homem.

Os quatro tinham rosto de Leão, à direita.

Os quatro tinham rosto de Águia, à esquerda.

Os quatro tinham rosto de Boi.

Para completar a figura, os quatro tinham duas Asas apontando para cima, e duas Asas cobrindo seus corpos.

As suas pernas retas com pés de bezerros reluziam como bronze polido, e debaixo das Asas, tinham mãos humanas.

Eles mais se pareciam a Brasas Vivas, estavam em meio ao fogo de lá saiam faíscas e relâmpagos! Moviam-se como relâmpagos, mas só para frente, não se viravam.

Ao lado de cada um deles tinham rodas brilhantes como Berilo, entrosadas uma na outa e cheias de olhos!!!

(fim de citação)

 

Não fica diferente?

Porque é no encontro da gerações que nós entendemos o que a vida é, quem Deus é, quem nós somos

E eu era muito inteligente, sabia coisas de física, e sabia coisas de química, e coisas de matemática, e coisas dessas coisas que interessam a poucas pessoas… mas de Ezequiel, não percebia nada!

Mas esta mulher, que dedicou muitas horas à Palavra, conseguiu descodificar uma parte misteriosa da Palavra para mim! E ao descodificar para mim, espero que esteja a descodificar para vocês!

Quando li isto até ao fim, vocês não imaginam o que aconteceu!… Houve uma revolução!

 

Disse assim: “Puxa! Agora que eu consegui entrar um bocadinho…”

Ela deu-me, no fundo, a chave para o coração e para os olhos do Ezequiel. A partir daqui, deixa-me lá experimentar!

“Deixa-me fazer mais uma viagem com o Ezequiel, a ver se é desta que eu entendo…!”

Bem!… E comecei a ler o Ezequiel, e nunca mais parei! Até hoje….

Só parei para dormir, para comer e para fazer todas as outras coisas com que interrompo essa leitura, ok?

 

Vou dar-vos também uma ferramenta, para o caso de quererem explorar mais estas coisas.

Existem ferramentas espetaculares! Vejam só…

 

O livro do profeta Ezequiel.

Ezequiel era um sacerdote que estava morando em Jerusalém, quando aconteceu o primeiro ataque babilônico na cidade. Eles pouparam a cidade, mas capturaram um grupo de prisioneiros israelitas e os levaram para o exílio. E Ezequiel estava entre eles.

 

O livro começa a cinco anos depois de tudo isso, e Ezequiel está sentado na margem de um canal de irrigação, perto de o seu campo de refugiados israelitas.

E é o seu aniversário de 30 anos, justamente o ano em que ele teria se tornado sacerdote em Jerusalém.

 

E então, de repente, Ezequiel tem a visão de uma nuvem de tempestade se aproximando. E dentro da nuvem, estão quatro criaturas estranhas, que tem asas estendidas se tocando. E cada uma dessas criaturas tinha quatro faces,       e ele viu quatro Rodas, uma perto de cada criatura. Então ele viu que as asas das criaturas estavam segurando essa plataforma deslumbrante!… Na plataforma existe um Trono. E sentada naquele trono, está uma criatura humana brilhante, envolta em fogo. E então, de repente, Ezequiel percebe o que está vendo. Ele chama de “a semelhança da Glória do Senhor”! É Deus na sua Carruagem Real.

 

A palavra “Glória”, em hebraico, é kavod, e significa pesado ou significativo. Os autores bíblicos usam essa palavra para descrever a aparência física, e a manifestação do significado de Deus, quando Ele aparece pessoalmente.

 

Essas imagens na visão são muito semelhantes ao que aconteceu quando Deus apareceu no Monte Sinai, no livro de Êxodo. E também é muito semelhante às representações da presença de Deus sobre a Arca da Aliança. E isso é a coisa que mais choca sobre a visão de Ezequiel: O que a glória de Deus está fazendo na Babilônia? Supostamente, deveria estar acima da Arca da Aliança, no templo de Jerusalém…!

 

(fim de citação)

 

Vamos interromper agora. Ele, depois, vai fazer a descrição de como está dividida a mensagem de Ezequiel, e permite-nos entender muito melhor! São recursos que estão à nossa disposição para conhecermos e desvendarmos estes mistérios da Bíblia.

 

Vimos, então, quem é este Ezequiel. Ezequiel vive num tempo bem difícil…! Um tempo em que o povo de Deus tinha vivido coisas… Tinham seguido o seu próprio coração. Cada um fazia aquilo que bem lhe apetecia. Sabiam o que deviam fazer, mas depois na sua vida privada, viviam o que bem lhes parecia…!

E nós não somos muito diferentes, penso eu, dos outros seres humanos. Há coisas que nós sabemos que estão certas, e que gostamos de fazer, e há coisas que sabemos que estão erradas, e também gostamos de fazer…!

E se no momento, quando o temor de Deus é mais presente, e quando nós temos objetivos na vida, encontramos motivação para não nos entregarmos a determinadas loucuras, momentos há em que não queremos saber… Optamos por pôr prego a fundo, e depois de fazer asneira dizemos: “Ah, quando dei por mim, olha já estava…! E já que aqui estou, vou aproveitar…!”

É complicado…!

 

O nosso amigo Ezequiel, não foi para lá sozinho.

Junto, naquele grupo, foi também mais? Foi o Daniel, o Misael e os outros amigos dele (o Hananias e o Azarias). Só que os outros eram muito novinhos! Eram adolescentes, eram mais que tenrinhos, eram mais educáveis. Então foram preparados, e se calhar até passaram por uma situação um bocado mais difícil que a dele…! Porque para irem para o palácio, às vezes os imperadores tinham aquela ideia de castrar os homens, para não arranjarem problemas no palácio… A Bíblia omite essa parte, mas culturalmente sabemos que isso era uma prática comum. Não temos a certeza do que aconteceu.

 

Mas ele (Ezequiel) era grande o suficiente para não ser reciclável, para a cultura babilónica. Então foi levado apenas como trabalhador. Estava perto de ele se tornar sacerdote, mas ainda não tinha acontecido. E lá foi ele, para as margens do rio Quebar, e teve esta visão.

 

Teve esta visão, a qual é seguida de uma conversa que Deus tem com ele. Quando ele está a ver aquilo, pergunta-se: “Mas o que está aqui a fazer a Glória de Deus? Ela não devia estar lá em Jerusalém?”

Quando ele viu aquela aparência da Glória do Senhor, prostrou-se com o rosto em terra, e ouviu a voz de alguém que falava com ele. Estive a ler o final do verso 28 (do capítulo 1), e vou começar agora no capítulo 2, verso 1. Diz assim:

1 Ele me disse: “Filho do homem, fique em pé, pois eu vou falar com você”.

 

E é giro! Porque Deus pede para assumirmos um posicionamento.

Ele era um Atalaia, e a função que desempenhava no povo e para o povo dele, é a mesma função que cada um de nós desempenha para o nosso (próprio) povo.

Porque nós somos aqueles que podemos traduzir a voz de Deus para quem não O conhece, e também para quem O conhece.

Deus diz: “Põe-te em pé, porque vou falar contigo.”

Porque Deus não gosta de falar connosco todos esparramados…

Vocês gostam quando estamos a falar, por exemplo,… Imaginem:

Chegamos ao pé dos nossos filhos, e dizemos-lhes: “Vem aqui à cozinha, ajuda-me (nisto ou naquilo).”

E eles estão todos esparramados, e ficam a olhar para nós…

Não fica estranho?

 

Mas já vi isto num filme qualquer…! Não sei se na realidade, não sei se em ficção, mas eu já vi isto!

É tão vivido, que quase, quase, podia afirmar categoricamente que vivi isto, mas não quero afirmar com certeza…

 

E então, … Deus gosta que tenhamos uma atitude! E por isso diz-nos: “Põe-te de pé!”

E o que aconteceu? Vejam só! “Enquanto ele falava, o espírito entrou em mim, e pôs-me em pé, e ouvi Aquele que me falava.”

Ou seja, Deus pediu-lhe para fazer uma coisa. Ele (Ezequiel) começou dentro dele a querer ter aquela atitude, mas quando há um movimento da nossa parte, o próprio Espírito vem, e dá o que falta para conseguirmos pôr-nos em pé!

Bem…! Isto é extraordinário! E isto fala de quem Deus é…! E (fala) da participação que Ele quer ter na nossa vida, nas nossas lutas, nas nossas dificuldades! Porque ele nunca nos vai chamar para fazer uma coisa que seja impossível para nós!

Mas às vezes é impossível, ou porque não temos força, ou não temos visão, ou não temos capacidade, ou não sabemos porque ponto pegar – porque é um novelo que está em enleado demais -, mas Ele vem! E faz parte do próprio movimento que pede que façamos!… E isto é extraordinário!

 

E o que acontece? (Capítulo 2, verso 3)

3 Ele disse: “Filho do homem, vou enviá-lo aos israelitas, nação rebelde que se revoltou contra mim;”

De quem Ele está a falar mesmo? É do povo de Deus.

E quem é o povo de Deus naquela altura? [Israel]

E quem é o povo de Deus hoje? [Nós]

Foram vocês que disseram, não fui eu…

 

O Ezequiel estava a falar para o povo de Deus. E o povo de Deus era o quê?

4 O povo a quem vou enviá-lo é obstinado e rebelde.”

Olhem, eu já pertenci a essa categoria. Há quem não acredite que eu já saí dessa categoria. Mas eu acho que já saí. Faz parte daquela ciência exata chamada “A Achologia”, a ciência do ‘acho que’.

Conhecem? Todos nós temos algumas pós-graduações nessa ciência…

 

3b …nação rebelde que se revoltou contra mim; até hoje eles e os seus antepassados têm se revoltado contra mim. 4 O povo a quem vou enviá-lo é obstinado e rebelde. Diga-lhe: Assim diz o Soberano, o SENHOR. 5 E, quer aquela nação rebelde ouça, quer deixe de ouvir, saberá que um profeta esteve no meio dela. 6 E tu, filho do homem, não tenhas medo dessa gente nem das suas palavras. Não tenhas medo, ainda que te cerquem espinheiros e você viva entre escorpiões.

 

Onde é que ele estava? No meio de quê?

Ao princípio, estava no meio do povo. Quando foi deportado, estava no meio do povo e dos conquistadores. Ele disse: “Mas não tenhas medo!” Independentemente do que acontecer, de quem te cercar! Sejam os do teu próprio povo, ou sejam os do outro povo.

Mas a quem é que ele estava a ser enviado? Era aos babilônicos, ou era a quem? Era Israel!

 

Não tenhas medo do que disserem, nem fiques apavorado ao vê-los, embora sejam uma nação rebelde. 7 Tu lhes falarás as minhas palavras, quer ouçam quer deixem de ouvir, pois são rebeldes. 8 Mas tu, filho do homem, ouve o que te digo. Não sejas rebelde como aquela nação; abra a tua boca e coma o que vou te dar”.

E então, (Deus) deu-lhe um rolo…!

 

A seguir, começa uma secção de 11 capítulos. O primeiro já vimos, com a Visão em que é comissionado para falar.

E qual era a mensagem que Deus tinha para lhes entregar?

Tinha para lhes entregar a mensagem de que Jerusalém, a Joia da coroa do território, que já tinha sido invadida e conquistada, e em que as pessoas mais capazes e mais promissoras, os melhores escravos que eles encontraram, já tinham sido levados para a Babilónia, iria ser destruída.

Porque da primeira vez, eles apenas romperam o muro e levaram as pessoas. Mas eles não escavacaram a cidade toda!

Mas a mensagem que ele tinha para dar, era uma mensagem um pouco desagradável. Era a mensagem de que eles estavam a viver de uma forma que contrariava tudo aquilo que Deus lhes tinha ensinado…! E por causa disso, a destruição deles era iminente!

 

E o que quer dizer quando Deus nos diz que “A tua destruição é iminente?” O que quer dizer isso?

Quer dizer que estamos num momento em que, ou abrimos os olhos, ou se calhar daqui a mais alguns momentos, quer abramos os olhos, quer não abramos os olhos, já fomos…!

 

Vou-vos lembrar um episódio da Bíblia. Moisés foi falar com o faraó. E disse-lhe “Deixa o meu povo ir!” De facto, não foi o Moisés, foi o Araão. Porque era muito introvertido, o Moisés!

E o que fez o Faraó? “Eu!? Vou deixar a mão-de-obra ir embora assim? O meu capital humano,? desta empresa que construí com a minha forte mão? Não!, nem pensar nisso!”

Portanto, endureceu o seu coração, e não deixou o povo ir…! (Resultado:…) Uma praga!

 

Segunda! Volta o Moisés, e diz assim: “Faraó, deixa meu Povo ir!”

E o que aconteceu? Nada! (Resultado:… ) Segunda praga! Ele endureceu o seu coração, e segunda praga!

Moisés voltou lá: “Deixa o meu povo ir!”

Mas ele sabia sempre chorar-se… “Ai, não… Tira lá estas pragas, que eu vou deixar ir (o povo) …”

Trafulha, não é?

 

Ao final de três pragas em que ele endureceu o coração, Moisés foi lá e disse-lhe: “Deixa o meu povo ir!”. E o que aconteceu na quarta praga? “(…) E endureceu Deus o coração a Faraó”

Porque ele tinha passado do limite!… Porque há coisas que podemos fazer durante algum tempo…

 

(Como) quando ouvimos estes escândalos que andam por aí, na comunicação social….

Normalmente, as pessoas não são apanhadas logo a primeira… Elas fazem uma vez, e fazem duas, e fazem três… Às vezes até se esquecem, porque ficam com Alzheimer, acho…

 

Mas a verdade, é que há um ponto a partir do qual, já não há volta a dar.

Ou seja, há um tempo em que nos podemos arrepender. Podemos fazer uma asneira e arrepender-nos, e não destruímos tudo… Ferimo-nos, ferimos os outros, estragamos o ambiente, perdemos confiança, etc., etc., mas há um ponto a partir do qual não há retorno, (em que) as consequências são categóricas, a destruição é iminente.

 

E era esta a mensagem que ele tinha para dar…! E que é uma mensagem muito popular, ainda nos dias de hoje, não acham? Quem é que gosta de ser chamado à atenção quando está a fazer asneiras?

 

Então, a seguir, Deus pede ou Ezequiel para fazer o quê? Para ele fazer uma espécie de dramatizações!

 

E então vejam: (Ezequiel 4)

1 “Agora, filho do homem, apanha um tijolo, coloca-o à tua frente e desenha nele a cidade de Jerusalém. 2 Cerca-a (então), e ergue obras de cerco contra ela; constrói uma rampa, monta acampamentos e põe aríetes ao redor dela. 3 Depois apanha uma panela de ferro, coloca-a como muro de ferro entre ti e a cidade e põe-te de frente para ela. Ela estará cercada, e tu a sitiarás. Isto será um sinal para a nação de Israel.”

 

E fez uma espécie de representação, um teatro de rua.

Depois, fez outra coisa. Aquela ali que tem umas Brasas. não pensem que é um piquenique. Aquilo é muito pior que um piquenique. Deus disse ao Ezequiel para ele juntar comida. E para se pôr deitado durante 390 dias sobre o seu lado esquerdo, e ele esteve assim, 390 dias deitado. Cada dia simbolizava um ano de rebeldia de Israel.

E depois mais 40 dias do lado direito, (em que) cada dia representava 40 anos de rebeldia de Judá.

Ele tinha de comer comida que tinha armazenado antes, e tinha de cozinhar em fezes humanas!…

 

E ele disse: “Mas Deus!, eu nunca comi nada imundo…! Como é que eu vou fazer uma coisa dessas?”

Então Deus foi muito condescendente, e disse que ele podia cozinhar com fezes de vaca.

E porquê? Simbolizava o tipo de comida que eles iriam comer no exílio. Enquanto se mantivessem rebeldes e obstinados, a fazer a sua própria vontade, (quando) chegasse o dia da destruição iminente, (para o qual) ainda havia tempo (para se arrependerem) …

 

E também pegou em cabelo, e cortou o cabelo…

Se as pessoas quisessem saber…! Parece as parábolas de Jesus!

Jesus contava parábolas. E para que serviam as parábolas de Jesus? Se quiséssemos saber, ficávamos a pensar nelas. Ao ficarmos a pensar nelas, iríamos chegar lá! Ou então iríamos perguntar…! Mas de alguma forma, Deus vai acrescentando aquilo que precisamos de saber.

Porque: “Buscar-me-eis, e me encontrareis, quando me buscardes de todo o coração.”

Mas os que não queriam saber, nada ficavam a saber!

 

E ele cortou o cabelo. Aquela cabeleira que ele cortou, era como se fosse o povo de Israel… Iriam ser espalhados aos quatro ventos, montes deles iriam ser mortos à espada, ou iriam ser mortos com fogo… Porque a destruição de Jerusalém, e do templo, foi feita com fogo…!

 

Ninguém o vai ouvir, porque têm um coração duro…!

 

Mas aquilo que estava escondido… é aquilo que, muitas vezes, está escondido também na nossa vida. O povo de Deus ia ao templo e adorava. Mas neste tempo, já não tinham só coisas escondidas no coração! Eles levaram para o próprio pátio do tempo divindades, ligadas aos deuses da região da Filistia… Uma era Astarote e o outro era Tamus. Tamus é a entidade que é cultuada dentro da Maçonaria, e na Babilônia. Tudo entidades ligadas a coisas sexuais, porque o ser humano gosta muito de se perder por essa via, não é (verdade)?

 

Deus inventou a sexualidade. Nós teimamos em querer vivê-la de uma forma diferente da que o designer fez…!

E experimentamos o quê?

Corrupção, destruição, e a Glória de Deus vai-se embora. Vemos a Glória de Deus a sair do Templo.

 

Mas há esperança! Porque Deus quer trazer um coração novo, um coração de carne, (não de pedra).

Só que para acontecer, tem que haver um processo, onde eles têm de ser chamados à atenção…

E qual é a mensagem do Ezequiel? A mensagem do Ezequiel é exatamente essa chamada de atenção! Mesmo com metáforas bem duras.

 

“Faz a mala, e faz um buraco no muro, e sai pelo muro.”

Ele fez tantas coisas, para que o povo percebesse o que lhe ia acontecer…

Mas aquilo que não queremos ver, não vemos…

 

E assim como ele foi chamado para a geração dele, para comunicar esta mensagem, nós somos chamados a comunicar uma mensagem com a nossa.

Mas a nossa mensagem não é de destruição! Há destruição, e há consequências para os nossos erros, para o nosso pecado. Têm alguma dúvida, ou não?

 

Porque acham que estamos a viver esta guerra? Porque estamos a viver esta inflação? Porque estamos a viver todas estas dificuldades?

É porque nos temos andado a portar bem? Por temos sido pessoas muito dedicadas e consagradas? Porque temos orado muito, jejuado muito, buscado muito a Deus, é isso?

 

Ou temos andado um pouco distraídos, até nós que somos o povo de Deus… não é (verdade)?

 

A Bíblia diz para orarmos por aqueles que estão eminência. Mas vamos lá a uma percentagem: Quantas palavras de oração e de bênção em percentagem usamos para nos referirmos aos que estão em eminência? Qual é a percentagem?

Aproximadamente zero, não é? Mesmo que oremos uma vez por ano, ou quatro vezes por ano, ou seis vezes por ano, ainda assim, não descola do zero! Porque temos sempre muito mais palavras de dureza e de crítica para dar aos nossos governantes, do que tem de encorajamento, e de bênção…!

 

E sabem que quando a gente bate num cavalo, mau ele fica melhor, não é?

Quando pegamos numa criança rebelde, e espancamos, ela fica mais docinha, não fica?

Não?!

 

Então o que torna uma pessoa desalinhado numa pessoa alinhada?

É o amor!

 

E qual é a nossa mensagem? Não é mensagem do amor?

 

E a quem entregamos essa mensagem?

Se calhar, não estamos a fazer chegar essa mensagem onde ela precisa de chegar, para a nossa realidade mudar…!

 

E então, a Glória vai-se…

 

Vai haver juízo sobre Israel!

O juízo sobre Israel (é apresentado) com quatro metáforas.

Israel acha-se muito (bom), mas é como um pau vinha… Já vi um saca-rolhas feito de raiz de videira, mas o pau da vinha não serve mesmo para nada…

 

Depois terá lugar julgamento sobre as nações à volta.

Até os dois reis mais poderosos da altura, que se achavam invencíveis, iam ser destruídos, e iam beijar os pés do Imperador Nabucudonozor.

 

E por fim, até Jerusalém caiu!

Eles passaram do ponto de não retorno! Eles não quiseram ouvir, enquanto era tempo…!

E, passaram por isso tudo!

 

Mas depois, vem uma mensagem de esperança. Há o Rei Messiânico, que é um bom pastor, que se contrapõe contra os pastores que se apascentam a si mesmos, que fazem a sua própria vontade, que se alimentam das ovelhas, que fazem coisas que são incorretas.

 

Era o que estava a acontecer com aqueles líderes, e muitas vezes, é o que acontece connosco!

Porque vejam: nós somos ovelhas. Fazemos parte deste rebanho, na perspetiva de Deus. Mas existem outras ovelhas que não estão neste aprisco… E eles não vão conhecer o nosso pastor, porque não vêm aqui à igreja, a não ser se os trouxermos…

Então, qual é a face de Deus que irão conhecer? É só a nossa!

Então, quer aceitemos, quer não aceitemos, somos os guias deles! Somos aqueles que lhes podemos dar direção…!

 

Então somos nós os maus pastores, que andamos a viver a nossa vidinha, a cuidar das nossas coisinhas, a deixá-los estar na vidinha deles…!

 

Depois, chegamos a Gog e Magogue, que se refere a um dia de juízo, até sobre os poderosos, os que se acham invencíveis, e que venceram os outros todos.

Mas a mensagem de esperança vem, e vem com aquela visão do Vale dos Ossos Secos.

Porque é assim que se imaginavam, era assim que se viam…

E Deus vai soprar o Seu Espírito, e vai tirar-lhes aquele coração de pedra, e vai dar-lhes um coração de carne!

 

E por fim, isto acaba então com aquela grande visão do Rio de Deus.

É um rio que nasce no Trono (de Deus) e que vai desaguar, não no Mar Grande – o Mar Mediterrâneo – à esquerda quando olhamos no mapa, mas vai para o lado direito, para o Mar Morto!

Este rio que nasce no Trono de Deus. E Deus torna vivo até o que de mais morto conhecemos.

E se tiverem bons olhos, vêm (na apresentação) um hipopótamo. A coisa mais parecida com hipopótamo que lá vi, foram uns senhores gordinhos lá no Mar Morto…! Não há hipopótamos lá!

O único ser vivo (pluricelulares) que lá existem, são os humanos que vão lá conhecer aquilo e banhar-se naquela água salgadíssima, e pôr aquela lama espetacular lá do fundo.

Mas não aguentam muito tempo! Têm que sair lá, porque tanto sal faz um bocado mal à pele!…

 

Mas Deus vai transformar o sítio mais inóspito da terra, numa zona verdejante.

Isto é o que Ele promete. E O que promete, é capaz de cumprir!

Mas Ele conta connosco, para isto se tornar realidade!

 

Vamos agora para o mapa global (dos recursos), onde podem cultivar-se e aprender mais acerca destas coisas boas que a Palavra tem para nos ensinar.

 

 

Vamos terminar com oração:

Senhor Jesus, queremos agradecer-Te pela Tua Palavra, Pai!

E obrigado por a descodificares para nós!

Pai, ajuda-nos a Construir Pontes.

Deus, ajuda-nos a Construir Pontes!

Para o teu coração, Pai, para o coração de quem está à nossa volta, Pai!

E dá-nos Deus, dá-nos a Tua Graça, Pai.

Dá-nos a oportunidade de vencermos os nossos medos, os nossos receios, Deus, e de cumprirmos aquilo que é o Teu Chamado, e o teu Propósito, Pai.

Para que não chegue um tempo em que já é tarde demais para nós, Pai.

Onde aquilo que nos chamaste a fazer, já não é mais possível…

No nome de Jesus. Amém!

 

 

Mensagem do pastor Álvaro Ladeira na ADbenfica 2022nov27

www.facebook.com/IgrejaADBenfica/videos/542551970651168

 

Foram apresentados ainda slides da BIBLE PROJECT, um excelente recurso de estudo da Bíblia – Assista: Ezequiel | Projeto Bíblia™ (bibleproject.com)

OS GREGOS

Os Gregos

(João 12:20-26)

Ora, entre os que tinham subido a adorar no dia da festa, havia alguns Gregos que se dirigiram a Filipe, de Betsaida da Galileia, a quem rogaram: “Queríamos ver Jesus.” (12:20-21)

 2022dez03 Jorge Pinheiro

Neste texto, lemos que, por ocasião da Páscoa, que seria aquela em que ocorreria a morte de Jesus, se encontravam entre os peregrinos que acorreram à festa em Jerusalém alguns Gregos que manifestaram a Filipe o seu desejo de verem Jesus.

Não sabemos quem eram estes Gregos, qual a sua origem e qual a razão de quererem ver Jesus. Para responder as estas questões só podemos especular ou ficarmos com as conclusões e as referências textuais mais óbvias. Sabemos apenas que eram Gregos, que se dirigiram a Filipe e que queriam ver e presumivelmente ouvir de viva voz o que Jesus ensinava. Muito provavelmente teriam a intenção de Lhe fazer alguma pergunta ou de apresentar algum pedido.

Poderiam ser Judeus que, por viverem em terras gregas, teriam sido alcunhados de Gregos. Não nos parece ser esse o caso, porque nos evangelhos e em João em especial, os Judeus são sempre referenciados pelo nome de Judeus ou do grupo sócio-religioso a que pertenciam. Mas poderiam ser Gregos convertidos ao Judaísmo, os chamados prosélitos ou simplesmente “homens piedosos e tementes a Deus,” à semelhança de Cornélio (Actos 10:2).

Esta segunda hipótese é mais provável, uma vez que se encontravam entre os peregrinos judeus que tinham ido adorar em Jerusalém (v. 20). Sendo então Gregos, ter-se-ão encontrado com Jesus na secção do Templo conhecida como átrio ou pátio dos gentios para além do qual não podiam avançar mais.

É curioso notar que se dirigiram primeiro a Filipe, um dos discípulos de Jesus. Filipe é um nome grego e muito provavelmente seria um judeu marcado perla cultura grega e saberia expressar-se com facilidade nesse idioma.

Há neste encontro alguns aspectos importantes que não devemos ignorar.

O conjunto dos discípulos era de mentalidade e religião judaicas. O ensino de Jesus, embora provocasse controvérsia, estava todo ele alinhado com a mentalidade judaica. Exceptuando uma breve passagem de Jesus por Sídon, na Fenícia, toda a Sua acção e ensino desenrolaram-se em terras judaicas. É assim natural que os discípulos assumissem a convicção de que a mensagem e a acção de Jesus se circunscreveriam apenas à nação judaica, excluindo por consequência os gentios. Acresce que quando os mandou em missão, Jesus ordenara-lhes que fossem apenas às ovelhas perdidas da casa de Israel (Mateus 10:6).

E, no entanto, há agora da parte de gentios o pedido expresso de quererem falar com Jesus. É muito provável que Filipe tenha ficado hesitante. Repare-se que foi aconselhar-se com André (João 12:21), tendo ambos decidido ir informar Jesus.

E há aqui uma lição para nós: corremos o risco de, enquanto grupo, nos fecharmos entre nós a ponto de, quando surge alguém diferente de nós, com um discurso, uma linguagem e um comportamento diferentes daqueles que são os nossos e a que estamos habituados, hesitarmos sem saber o que fazer ou dizer. Isso terá sucedido com Filipe, mas ele buscou ajuda. Sigamos-lhe o exemplo: não decidamos sozinhos, não nos fechemos aos outros, mas busquemos conselho junto de outro irmão e unânimes conduzamos o forasteiro ao Senhor, que tem para ele uma palavra consoladora e edificante.

O aparecimento de Gregos, de gentios, que não partilhavam da mentalidade judaica é um sinal que João nos dá de que o Evangelho não se limita nem se destina apenas a um grupo mas tem um alcance universal. Esta dificuldade de perceber a universalidade do Evangelho está bem patente no livro de Actos (cap. 10), com a conversão de Cornélio e com as viagens missionárias de Paulo em território gentio, de que resultou a conversão de numerosos outros gentios. A aceitação de gentios na comunidade cristã e o reconhecimento da universalidade do Evangelho ficaram comprovadas nas decisões do Concílio de Jerusalém (Actos 15), daí resultando a manutenção da unidade da Igreja com respeito pela diversidade dos seus membros.

Mas o aparecimento, o pedido e o interesse destes Gregos revelam uma outra marca de universalidade do Evangelho. Mateus diz-nos (2:1) que no início da vida humana de Jesus vieram do Oriente uns sábios para O adorarem. Agora, perto do final da vida de Jesus, do Ocidente chega um grupo de gentios que expressam o desejo de O ver e de eventualmente O adorar. Em Jesus, juntam-se o Oriente o Ocidente, numa soberba marca de universalidade. E se considerarmos os sábios como representantes de um conhecimento místico e os Gregos como representantes do pensamento lógico, pelo seu apego à filosofia, podemos afirmar que em Jesus se encontram o misticismo e a lógica. Jesus consegue estabelecer a união entre os dois saberes e experiências que não estão assim em conflito.

Glorioso é este Senhor que é em si mesmo o ponto de encontro de toda a Humanidade com a sua diversidade! N’Ele há unidade e não unicidade! N’Ele há harmonia na diversidade e não a imposição ditatorial e arbitrária da exclusão do Outro diferente! N’Ele há uma estrada construída com as pedras da nossa diversidade e não o levantamento com essas mesmas pedras de um muro de separação! N’Ele, a espada transforma-se em cruz que abraça os que estão em lados opostos e une o terreno com o divino! Esse é o Jesus da Igreja!

Filipe e André levam assim os Gregos a Jesus. O versículo 23 dá-nos conta de que Jesus lhes dirige a palavra, em declarações que não só revelam o Seu pensamento, mas também o que o futuro próximo Lhe reservaria. O restante capítulo não volta a mencionar os Gregos, o que parece indicar a sua integração no grupo dos discípulos. Não seria de estranhar que eles integrassem o futuro corpo de diáconos que o crescimento da Igreja obrigou a criar. É que se lermos com atenção o nome dos sete diáconos (Actos 6:5), verificamos que todos eles são de origem grega, com a curiosidade de um deles, Nicolau, ser chamado “prosélito de Antioquia”, uma cidade grega.

O que sabemos é que mesmo vindo de outro ambiente, mesmo que o nosso nome seja omitido, ouviremos as palavras de Jesus sempre que manifestamos o desejo de O querermos ver para d’Ele aprender.

O discurso de Jesus estende-se do versículo 23 até ao final do capítulo, no versículo 50 e podemos dividi-lo em duas partes: do versículo 23 ao 26, dirigido aos discípulos e aos gregos e do versículo 27 até ao final numa interacção com a multidão presente.

Vejamos rapidamente o que Jesus comunica aos discípulos:

No versículo 23, pela primeira vez neste evangelho Jesus assume ser chegada a Sua hora. Até então, há pelo menos duas ocasiões em que é declarado explicitamente que ainda não era chegada a Sua hora: uma, por Ele mesmo, no episódio das bodas de Caná (João 2:4) e outra pelo evangelista João, quando na zona do Templo O quiseram prender na sequência da Sua afirmação de ter uma relação especial com Deus (João 7:30). Ou seja, Jesus deixa claro que a Sua missão se aproxima do fim, o que acaba por provocar admiração pela contradição entre essa declaração e a aclamação de que fora alvo momentos antes pela população: “Hosana: bendito o Rei de Israel que vem em nome do Senhor” (v. 13). Como pode o aclamado “rei de Israel” estar perto do fim? Talvez num primeiro tempo essa “chegada da minha hora” pudesse ter sido interpretada como significando que Jesus ia assumir o trono de Israel e reinar. No entanto, logo a seguir, Jesus desvanece essas esperanças ao deixar implícito que se referia à Sua morte, numa identificação com o grão de trigo que, para frutificar, precisa de se entregar à morte (v. 24).

Convenhamos que para quem esperava d’Ele a assunção de ser um líder político que levaria a nação à sua glória perdida, estas palavras são um autêntico balde de água gelada. Um rei procura a glória pessoal e colectiva, muitas vezes por esta ordem, mas a verdade é que Jesus não nega que o Seu caminho desemboca em glória. Repare-se que Ele diz que o grão de trigo dará muito fruto – essa é a sua glória. Só que a forma como essa glória virá não será pela opressão do outro, não será pela violência, não será pela imposição forçada mas pela auto-renúncia, pela aceitação da realidade mesmo adversa e do direccionamento das suas circunstâncias para um bem maior que se destina não em exclusivo ao próprio, mas em crescimento e alimento do Outro seu semelhante.

Jesus prossegue nesta mesma tónica (v. 25), salientando a necessidade imperiosa da auto-renúncia, ao ponto extremo de não considerar a própria vida como apenas sua mas como um bem reprodutivo e perene para todos.

Para muitos, este discurso é incompreensível e não faz sentido porque vai contra toda a lógica do interesse humano e, no entanto, ela baseia-se num facto comprovado e conhecido da Natureza: o grão de trigo, qualquer grão, tendo em si o potencial de reprodução, precisa de se auto-renunciar para que essa reprodução ocorra. Como sociedade agrícola que era, a nação judaica não desconhecia esse facto.

Voltemos aos Gregos para tentarmos perceber que impacte estas palavras lhes terão produzido. Sendo Gregos prosélitos ou Judeus alcunhados de Gregos, uma coisa era certa: estavam influenciados pela cultura grega e não desconheciam as características da mentalidade grega. Ao tempo de Jesus, havia várias escolas ou correntes filosóficas entre os Gregos, de entre as quais se destacavam duas: o Estoicismo e o Epicurismo. Basta consultar Actos 17:18 para comprovar esse facto.

Embora tendo aparecido dois a três séculos antes, estas duas escolas exerceram uma forte influência no pensamento e comportamento de toda a bacia mediterrânica e havia uma certa rivalidade entre ambas.

Caracterizando-as muito resumidamente, podemos dizer o seguinte:

O Epicurismo assumia um carácter materialista, naturalista e não determinista, ignorando os deuses que não estavam interessados na pessoa humana porque, sendo perfeitos, nada podiam aprender ou aproveitar da imperfeição humana. Logo, o Homem está entregue a si mesmo e deve esforçar-se por eliminar a dor e o sofrimento, buscando a felicidade que encontra nos prazeres que lhe tragam essa felicidade.

Quanto ao Estoicismo, embora visando a felicidade e o bem-estar, defende que isso se consegue pela prática das virtudes, levando uma vida ética que se traduz pelo autocontrolo e pela rejeição de todo o prazer que prejudique esse autocontrolo e vá contra a obtenção e concretização de uma vida ética. Um estóico procura compreender a razão universal, o Logos, que está acima daquilo que é aparente. Igualmente, o estóico aceita o escravo como seu igual porque a escravidão não lhe retira a sua condição humana, embora a circunstância vá em sentido contrário.

Tendo em atenção a sua condição de Gregos, estes homens não desconheciam a importância e influência destas duas escolas e muito provavelmente seriam estóicos porque há alguma coincidência entre a doutrina básica do Estoicismo e a resposta de Jesus nos versículos 23 a 26.

Se repararmos nas interacções de Jesus com quem Ele entrou em contacto, verificamos que Jesus falou sempre recorrendo ao tipo de linguagem e de pensamento do Seu interlocutor. Basta comparar dois exemplos: as conversas com Nicodemos (João 3) e com a Samaritana (João 4) para perceber que Jesus não falou com ambos da mesma maneira. Não haveria razão para, neste caso, Jesus proceder de forma diferente e, portanto, falou aos Gregos usando uma linguagem que eles entendiam.

Sendo provavelmente estóicos, estes Gregos terão sido atraídos tanto por aspectos formais como de conteúdo do discurso de Jesus. Estoicismo deriva da palavra grega stoa que significa pórtico ou alpendre, que era o local onde Zenão de Cítio, o seu fundador, costumava ensinar. Ora, Jesus também ensinava debaixo de um alpendre, o pórtico de Salomão (João 10:23). Quanto ao conteúdo, o apelo à auto-renúncia é idêntico ao apelo ao autocontrolo porque só quem pratica o autocontrolo está disposto e é capaz de seguir o caminho da auto-renúncia. O reconhecimento de que a nossa vida é uma semente e que o nosso olhar deve estar na realidade do nosso potencial e não no circunstancialismo da nossa pequenez recorda ao estóico a procura da razão universal e não a prática ou a aceitação do que é aparente e transitório.

E quando Jesus afirma que onde Ele estiver aí estará também o Seu servo, o estóico recorda certamente a igualdade entre o servo e o livre quanto à sua condição humana.

Mas Jesus vai mais longe e afirma que quem O serve, que quem O segue será honrado pelo Pai, o que significa que para lá de tudo quanto é aparente não se encontra uma força impessoal, cega e insensível, mas o Criador pessoal que pode ser encontrado quando O buscarmos de todo o coração e com quem podemos estabelecer uma relação de filho para pai, baseada na obediência e no amor.

SAC, 29 de Novembro de 2022

A ÁGUA DA VIDA

A Água da Vida

João 7:30-53

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“Vós me buscareis e não me achareis e onde eu estou, vós não podeis vir.” E no último dia, o grande dia da festa, Jesus pôs-se em pé e clamou, dizendo: ”Se alguém tem sede venha a mim e beba. Quem crê em mim, como diz a Escritura, rios de água viva correrão do seu ventre.” (João 7:34, 37-38)

 

Esta secção caracteriza-se pela indecisão da multidão em categorizar e definir Jesus, pelo extraordinário desafio de Jesus, que é o convite de irem até Ele todos os que têm sede espiritual e pela persistente decisão das autoridades religiosas de quererem prender e julgar Jesus.

As afirmações de Jesus causam não apenas perplexidade mas também animosidade entre os que O ouvem na multidão: uns crêem (v. 31), outros (v. 40) hesitam em reconhecê-Lo como Messias, preferindo identificá-Lo com o profeta que Moisés anunciara que surgiria (Deuteronómio 18:15), enquanto um terceiro grupo recusa-se a vê-Lo como o Messias por causa das Suas supostas origens duvidosas (vv. 41-42).

Por outro lado, nem tudo quanto Jesus proclamava era perfeita e imediatamente entendido. Ao afirmar (v. 34) que “O buscariam e não O achariam e que onde Ele estivesse não poderiam ir,” esta declaração não foi devidamente entendida e interrogavam-se sobre o seu verdadeiro significado. No versículo 35, lemos que alguns levantaram a hipótese de Ele se ausentar de Israel, deslocando-se a outros Judeus que viviam espalhados pelo mundo grego.

Conhecendo nós o percurso de Jesus, sabemos que esta é uma alusão à Sua partida não para os Judeus da Diáspora, mas ao Seu regresso ao Pai, após a Sua morte. Mas há também uma perplexidade nesta afirmação: ela surge em contraponto e em oposição à promessa de Deus em Jeremias 29:13: “E buscar-me-eis e me achareis quando me buscardes de todo o vosso coração.” O que não deixa de ser estranho porque até então todo aquele que tivesse procurado Jesus tinha encontrado n’Ele receptividade e uma resposta para o seu problema. De resto, ainda hoje essa é a experiência de todo o crente que, tendo-O buscado, O tem encontrado. Se elaborarmos um pouco mais a comparação entre as duas afirmações, a de Jeová em Jeremias e a de Jesus em João, verificamos que a diferença está na condição: “Se me buscardes de todo o vosso coração.” Ou seja, tal como encontramos Jeová se O buscarmos de todo o nosso coração, também precisamos de buscar Jesus de todo o coração se de facto O queremos encontrar.

Mas nesta declaração de Jesus, podemos detectar de novo um paralelismo com a Sabedoria de que Provérbios fala. A propósito do versículo 28, em que estabelecemos um paralelo com a Sabedoria que clamara pelas ruas, verificamos que em Provérbios 1:28, a Sabedoria diz: ”A mim clamarão mas eu não responderei; de madrugada me buscarão, mas não me acharão.”

Há, então, uma aproximação e identificação entre estas três personagens; Jeová, a Sabedoria e Jesus. Em Cristo, está a sabedoria de Deus e a Ele podemos encontrar se O buscarmos de todo o coração. Mas a Palavra alerta-nos que podemos não encontrá-Lo se o nosso coração estiver ausente dessa procura. Essa de resto é a recomendação da Escritura em Isaías 55:56: Buscai o Senhor enquanto está perto!” Como é refrescante e consolador verificar que uma declaração de aviso “Vós me buscareis e não me achareis” é também uma declaração da natureza divina e sapiencial de Jesus!

Já vimos que toda esta secção situa Jesus na Festa dos Tabernáculos. Vimos a origem e o significado da Festa. É durante todo este tempo que ocorrem as diversas declarações de Jesus. E de novo, numa outra identificação com a Sabedoria, lemos no versículo 37 que, no último dia da Festa, Jesus clamou. Repare-se que o evangelista não se limita a informar que foi no último dia da festa, mas que o classifica como “o grande dia da Festa.”

Recordemos que esta Festa, que durava sete dias e vem registada em Levítico 23:34-43, comemorava o tempo de peregrinação no deserto e a beneficência de Deus no tempo das colheitas. Era uma festa com um profundo significado espiritual e profético, comemorada com muito entusiasmo pelo povo. Nela, todos os dias os sacerdotes enchiam no tanque de Siloé uma vasilha de prata para ser derramada no altar. No cortejo entre o tanque e o altar, entoavam os Salmos 113 a 118, em especial o Salmo 118:25,26: “Salva, Senhor, nós Te pedimos; ó Senhor, nós Te pedimos, prospera. Bendito aquele que vem em nome do Senhor: nós vos bendizemos desde a casa do Senhor.” Em cada dia, os sacerdotes rodeavam o altar agitando ramos de palmeiras. O grande dia era o sétimo em que, a par do ritual executado em cada um dos dias anteriores, os sacerdotes rodeavam o altar por sete vezes. Esse era o momento alto e foi nesse dia que Jesus levantou a voz, apresentando um convite que ainda hoje ecoa: “Se alguém tem sede venha a mim e beba.” Por outras palavras, Jesus afirma-se como sendo a fonte da água espiritual, indispensável à frutificação do crente que espera em Deus. Jesus mantém-se igual a si mesmo, uma vez que repete o que já dissera à samaritana e identifica-se como a provisão prometida por Deus em Isaías 44:3: “Porque derramarei água sobre o sedento e rios sobre a terra seca.” Ele é a água que sacia não apenas o homem individual mas o homem colectivo e todo o meio ambiente em que os seres humanos habitam. Poderíamos também citar Ezequiel 47:8, na sua referência ao poder sarador desta água que sacia: “Estas águas, sendo levadas ao mar, sararão as águas.” As muitas águas do mar simbolizam na Bíblia as nações. Ora, as águas saídas do altar são aquelas que, entrando no mar, que entrando nas nações, as podem sarar. Essa água é a pessoa de Cristo.

Nessa declaração de Jesus, João esclarece que a expressão “rios de água viva que correrão do interior das pessoas” se referia à recepção e manifestação do Espírito que, como sabemos, foi derramado sobre os discípulos no dia de Pentecostes, outra das grandes festas bíblicas.

Assim, podemos entender que a expressão “no último dia, o grande dia da festa” tem uma profunda conotação teológica e não se limita a ser uma referência cronológica. Isso leva-nos a afirmar sem receio que podemos esperar ver em cada acção e em cada pronunciamento de Jesus um profundo sentido teológico, estabelecendo uma ponte entre os preceitos de Deus e a obediência do homem. É por isso que sempre que entramos em contacto com algum episódio que envolva a pessoa de Jesus Cristo, temos sempre de perguntar: “O que está o Senhor Deus a comunicar-me? Onde posso ver aqui uma mensagem que Deus está a entregar-me?”

Foi esta faceta do ministério de Jesus que os responsáveis bíblicos do Seu tempo não conseguiram detectar nem tampouco perceber. Assim, não admira que procurassem prendê-Lo e silenciá-Lo. Quais vigilantes de uma ordem que eles próprios impunham derivada da sua interpretação das recomendações de Moisés, esses responsáveis não podiam tolerar qualquer desvio à ortodoxia instituída. Um dos seus problemas é que subordinavam essa ortodoxia a uma tradição resultante de uma prática religiosa nem sempre alicerçada numa correcta interpretação da Revelação.

Repare-se que se consideravam os únicos conhecedores e intérpretes da Lei de Deus. Por isso, podiam acusar os restantes de entre o povo: “Esta multidão que não sabe a Lei é maldita.” (v. 49) Desse modo, constituíam-se e assumiam-se como uma elite especial e favorecida. Mas pergunta-se: “Como elite, não seria sua responsabilidade e obrigação instruir a multidão?” Esse é o grande pecado e tentação das elites: demitir-se da sua função não de mestres mas de ensinadores. E ensinar, como sabemos, é um acto de amor, incompatível com o orgulho e a arrogância de guardar o conhecimento só para si.

Devido a essa arrogância, os responsáveis religiosos eram lestos a condenar quem não se encaixasse nos modelos que eles próprios haviam criado. Disso é testemunha a objecção levantada por Nicodemos que alertou para um princípio inviolável da Lei e que estava a ser espezinhado pela arrogância dessa elite auto-satisfeita: “Porventura a nossa lei condena um homem sem primeiro o ouvir e ter conhecimento do que faz?” (v. 21). Note-se que Nicodemos também fazia parte do Sinédrio mas, talvez sensível à mensagem de Jesus em resultado da conversa que ambos travaram tempos antes, não se esquecera das bases fundamentais da Lei, não se esquecera de que toda a nossa interpretação da Escritura não pode ir contra a mesma.

A resposta dos seus pares não deixa de ser surpreendente: em vez de contra-argumentarem com a própria Lei que Nicodemos invocava, contrapuseram com a Tradição que condicionava todas as suas interpretações: “Também é da Galileia? Examina e verás que da Galileia nenhum profeta surgiu” (v. 52).

Nesta resposta, podemos ver não apenas uma acusação contra Nicodemos, taxando-o de judeu impuro (os Galileus eram considerados como tal) e de ter uma visão enviesada, mas também a confissão da sua total cegueira. De facto, fazem sobrepor a Tradição à Lei, que lhe deveria servir de base. Mas Nicodemos não invocara a Tradição nem se escondera atrás dela – invocara o princípio que deve comandar toda a nossa acção, mesmo que esteja em oposição à Tradição. No fundo, quem tinha uma visão enviesada da realidade não era Nicodemos mas o restante Sinédrio.

De Jesus, ou melhor, da aplicação da Sua acção, devemos esperar não propriamente uma voz crítica contra a Tradição, mas um apelo a nunca comprometermos a realidade à sombra, o essencial ao acessório, o eterno ao passageiro, mas um apelo a nunca nos esquecermos de onde viemos e da base sobre a qual a nossa vida se deve erguer – é que essa base tem de ser a água que nos purifica e nos faz crescer!

 

C. Ourique, 26.Julho.2022

AS CREDENCIAIS DO MESSIAS

As Credenciais do Messias

João 7:10-29

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Jesus respondeu-lhes e disse: “A minha doutrina não é minha, mas daquele que me enviou. Se alguém quiser fazer a vontade dele, pela mesma doutrina conhecerá se ela é de Deus ou se eu falo de mim mesmo.” (João 7:16-17)

 

Esta secção caracteriza-se tanto pela argumentação de Jesus face à Sua missão e à natureza do Seu papel na revelação divina, na Sua qualidade de Messias como pelo desconforto que as Suas palavras produzem na assistência, amarrada aos preconceitos criados pelo ensino oficial da tradição religiosa.

Nesta argumentação, Jesus põe em causa os fundamentos de todo um ensino que distorcia a intenção fundamental das Escrituras e da Revelação em que esse mesmo ensino se dizia basear. O resultado dessa argumentação redunda na consolidação das posições de aceitação ou rejeição da Sua doutrina por parte a audiência. Mas aceitando-O ou rejeitando-O, em todos a mensagem de Jesus e a Sua argumentação produzem espanto e estupefacção. Disso é testemunha a interrogação dos assistentes: “Como sabe este letras, não as tendo aprendido?” (v. 15).

Como vimos, Jesus surge incógnito na festa (v. 10). No entanto, devido a ter-se tornado uma figura conhecida, fruto das Suas intervenções anteriores, todos esperavam que a qualquer momento aparecesse (v. 11). Ao mesmo tempo, definem-se as opiniões a Seu respeito. Podemos detectar três atitudes – a das autoridades que queriam ver-se livres d’Ele e, de entre o povo, os que O consideravam bom, aceitando-O, e os que defendiam que era um enganador, rejeitando-O (v. 12).

Presumivelmente, o autor deste evangelho ao referir que Jesus foi incógnito à festa a fim de, ao aparecer, surgir inesperadamente sem que ninguém suspeitasse quer de onde vinha, quer do momento em que se manifestaria tinha a intenção de O realçar como Messias. É que entre os Judeus corria a ideia de que o Messias, antes da sua apresentação majestosa e gloriosa, apareceria de súbito em público, sem aviso, sem que ninguém suspeitasse desse momento. Ora, ao ir incógnito e ao apresentar-se de surpresa no Templo, a ensinar, isso podia ser interpretado como um sinal da Sua messianidade. João dá testemunho desse facto no versículo 27: “Quando vier o Cristo, ninguém saberá de onde ele é.” Esta declaração está ligada ao espanto provocado pelo ensino público no Templo, numa situação em que se sabia da decisão das autoridades de O matarem (v. 25). Ora, falando com tanto à vontade e livremente, não admira a hipótese de os responsáveis religiosos se terem convencido de que Ele era o Messias (v. 26). Mas isso contradizia todas as convicções tradicionais: não se sabia de onde vinha o Messias, mas todos sabiam de onde provinha Jesus. O Seu trajecto era conhecido e todos sabiam que Jesus ia e vinha da Galileia. O próprio Jesus confirma isso: “Vós conheceis-me e sabeis de onde sou.” (v. 28) Como poderia então ser Ele o Messias?

Por aqui, vemos que a presença e identidade de Jesus provocavam polémica e não produziam consenso. A essa falta de consenso e a essa estupefacção, Jesus vai contra-argumentar com o Seu pensamento face às práticas religiosas dominantes e com a verdadeira natureza da Sua missão, da Sua função e do Seu ministério, tanto em palavras como em actos.

Quando os Judeus se interrogam quanto ao facto de Ele saber tantas coisas sem as ter aprendido (v. 15), estão a exigir-Lhe credenciais, ou seja, querem saber em nome de quem ensina o que ensina, querem saber de onde Lhe vem tal sabedoria. Pelo menos reconhecem que a mensagem de Jesus os obriga a pensar, comparando-a com o ensino tradicional. Há implicitamente o reconhecimento de que há algo de novo no ensino de Jesus, talvez até algo de positivo.

A resposta de Jesus não deixa de ser surpreendente e de ser paradoxal. Começa por primeiro afirmar a Sua subordinação a alguém que Lhe é superior, ao declarar-se como mero anunciador de quem O enviara e a quem reconhece a autoria da Sua mensagem. Assim deve ser a atitude do pregador do Evangelho, que não passa de um arauto de uma mensagem que não é sua e que o transcende.

Mas ao mesmo tempo, Jesus reconhece que se move em autoridade porque precisamente não fala de si mesmo nem busca a glória pessoal, mas a glória de quem O enviou. A força e a autoridade do arauto não estão nele mas reflectem-se no seu acto de obediência ao ser aquilo para que foi mandatado – arauto. No versículo 16, esta verdade é afirmada de modo muito claro: “a minha doutrina não é minha mas daquele que me enviou.

No versículo 17, Jesus propõe um teste pragmático para determinar a fonte, a origem da autoridade e o valor de uma mensagem anunciada. A parte inicial do versículo 17 pode ter duas leituras, dependendo de determinar a quem se refere a expressão “vontade dele.” A quem se refere este “dele”? À vontade do arauto ou à vontade de Deus? Pela forma como todo o versículo está construído, parece-nos que a expressão se refere à vontade de Deus, pelo que o sentido da frase e por extensão de todo o versículo fica mais claro se o lermos do seguinte modo: “quem estiver disposto a fazer [conhecer] a vontade de Deus, só tem de analisar a minha doutrina para saber se ela vem de Deus ou se é fruto dos meus pensamentos.

Ou seja, toda a doutrina proclamada em nome de Deus tem de mostrar inequivocamente que não exalta o seu mensageiro mas sim a pessoa de Deus e está de acordo com o seu carácter manifestado na revelação divina. Esse é o teste pelo qual toda a doutrina tem de passar. Mas este escrutínio a que toda a doutrina está sujeita exige uma relação pessoal com Deus e não pode estar dependente das interpretações a que as diversas escolas submetem a Revelação divina. Como disse alguém, Deus não é uma fórmula, mas presença e comunhão, com quem O busca, disposto a submeter-se à Sua vontade. Quando este contacto directo com Deus se rompe, desaparece a comunhão e Deus transforma-se em fórmula, sujeito à ideologia, aprisionado no universo estreito do pensamento mera e exclusivamente humano. Ao transformar-se em ideologia, a Revelação divina, que é a via para a comunhão com Deus, perde o seu carácter de sinal e transforma-se num simples código de leis castradoras, desumanas e desapiedadas, aplicadas com todo o rigor por quem se afirma como o único intérprete do carácter e da vontade de Deus.

Esta argumentação de Jesus surpreende e deixa sem resposta os Seus interlocutores, tanto mais que, a partir do versículo 19, centra a conversa na incompreensão e no desrespeito da Lei de Moisés por parte dos Seus ouvintes e da classe religiosa em geral. Jesus é muito claro ao afirmar que apesar de terem recebido a Lei de Moisés, os Judeus não a respeitam.

E não a respeitam porquê? Porque Moisés lhes deixou duas instituições centrais que acabam por caracterizar todo o judeu piedoso: a guarda do sábado e a circuncisão. Na realidade, a circuncisão surge antes da Lei, com Abraão. Moisés apenas lhe dá continuidade. Todo o judeu tinha de ser obediente ao cumprimento dessas duas instituições. Mas a Lei era clara ao dizer que a circuncisão era praticada ao oitavo dia de nascimento, o que implicava que ela poderia ocasionalmente ser executada no sábado, sobrepondo-se assim à obrigação de respeitar o sábado. Por outro lado, a própria Lei permitia que, em caso de perigo de vida, uma pessoa poderia ser salva, mesmo em dia de sábado. É com base nesta realidade que Jesus justifica ter curado um homem num sábado, referência sem dúvida à cura do paralítico de Betesda, registada no capítulo 5:10. Jesus demonstra assim que em tudo respeitou a Lei e que em momento algum a infringiu. Aquilo que Ele critica e contra o qual se levanta é o facto de os dirigentes religiosos terem transformado um preceito de origem divina em instrumento de repressão e de escravidão, adulterando por completo a intenção de todo o preceito divino que é trazer liberdade aos cativos. Fora por isso que logo no início do Seu ministério, Jesus se identificou como libertador, ao considerar que era o cumprimento da profecia de Isaías que Ele lera na sinagoga de Nazaré (Lucas 4:7-21): “O Espírito do Senhor é sobre mim… enviou-me a apregoar liberdade aos cativos, a pôr em liberdade os cativos…”

A revelação e a presença de Deus na vida do ser humano são libertadoras e nunca escravizadoras. Rejeitemos e desconfiemos de toda a doutrina que em nome de um falso evangelho traz opressão à alma humana.

O desconhecimento desta verdade levou Jesus a erguer a voz, a clamar, a gritar na própria sede do poder religioso, resumindo o essencial do que dissera até então: “Eu não vim de mim mesmo, mas aquele que me enviou é verdadeiro, o qual não conheceis. Mas eu conheço-o porque dele sou e ele me enviou.” (vv. 28,29). Há aqui um paralelismo com a sabedoria em Provérbios 1:20:21: “A suprema sabedoria altissonantemente clama de fora; pelas ruas levanta a sua voz. Nas encruzilhadas, no meio dos tumultos, clama, às entradas das portas e na cidade profere as suas palavras.” João apresenta Jesus como a sabedoria máxima de Deus, ensinando. Todo o ensino é um acto libertador e de amor porque nos abre o entendimento para percebermos e compreendermos toda a profundidade dos intentos divinos. Por isso, mais à frente (João 8:32), Jesus podia anunciar: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará.

Com todo este posicionamento, Jesus demonstra à multidão que, ao contrário do que era crença geral, o Messias seria reconhecido não por um aparecimento repentino e inesperado, não seria reconhecido pela sua procedência mas por ser o enviado de Deus e portador do Espírito que liberta toda a alma cativa e traz consolação e refrigério ao contrito de coração. Ele era verdadeiramente o Messias. Ele é o nosso guia e salvador. A Ele toda a glória”!

C. Ourique, 19.Julho.2022

O DESAFIO DOS IRMÃOS DE JESUS

O Desafio dos Irmãos de Jesus

João 7:1-9

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E depois disto, Jesus andava pela Galileia e já não queria andar pela Judeia, pois os Judeus procuravam matá-Lo. E estava próxima a festa dos Judeus, a dos tabernáculos. (João 7:1-2)

Este capítulo 7 de João integra o chamado “Período de Conflito”, em que a oposição entre o ministério de Jesus e as autoridades religiosas assume um carácter extremamente forte, de que é testemunha a decisão de essas mesmas autoridades O quererem silenciar por todos os meios possíveis.

É também neste período que se vão definindo entre o povo a aceitação e a rejeição da Sua mensagem. Isso reflecte-se no facto de o Seu ensino estar carregado de desafios a uma tomada pessoal de decisão, de uma ambiguidade de interpretação do que anunciava e de afirmações que deixam a assistência sem resposta.

Integram este período dois grandes milagres: a cura do cego de nascença (cap. 9) e a ressurreição de Lázaro (cap. 11). Veremos mais em pormenor cada uma dessas situações.

O início deste período localiza Jesus na Galileia (v. 1 – Depois disto, Jesus andava pela Galileia…), junto da família e num ambiente que não lhe era abertamente hostil. Pela leitura dos vv. 4 e 5, ficamos até com a impressão de que o ambiente geral seria de indiferença (porque nem mesmo os Seus irmãos criam n’Ele.)

Toda esta secção do evangelho de João ocorre por ocasião da Festa dos Tabernáculos (v. 2 – E estava próxima a festa dos Judeus, a dos Tabernáculos.). A Festa dos Tabernáculos era uma das festas mais importantes do calendário judaico e atraía multidões a Jerusalém (Levítico 23:33-43). Ocorria no Outono, no final das colheitas e fora instituída para relembrar aos Judeus o tempo de peregrinação no deserto vivido pelos seus antepassados durante a epopeia do êxodo, sob a liderança de Moisés. Para não se esquecerem das provações que os antepassados experimentaram nesse período, os Israelitas eram convidados a, durante esses dias de festa, viverem em tendas, com o seu carácter transitório. A Festa dos Tabernáculos apresentava um significado profundo, pois relembrava aos participantes quão transitória e precária era a vida humana. Recordava-lhes que, à semelhança dos Israelitas saídos de uma terra que não era a sua pátria, a nossa vida neste mundo, que não é também a nossa pátria, é uma caminhada para uma situação na qual podemos dizer: “Durante todo o meu percurso fui dirigido por Deus, a Quem me sujeitei, obedecendo-Lhe!”

Mas a Festa dos Tabernáculos tinha uma outra relevância para os Israelitas. Como sociedade eminentemente agrícola que era, os Israelitas estavam dependentes do que a terra produzia. Assim, ocorrendo no Outono, após as colheitas, a Festa recordava-lhes o sustento que em última instância provinha da beneficência de Deus, uma vez que fora Jeová que lhes prometera uma terra onde habitar e prosperar. Era assim uma festa com um duplo significado, carregada de motivos da maior alegria.

Sendo uma época em que Jerusalém estava repleta de gente das mais diversas origens, não admira que os irmãos de Jesus O desafiassem a deslocar-se até à capital para que, conforme as suas palavras, “os Seus discípulos vissem as obras que Ele fazia.) (v. 3).

Parece-nos haver um claro tom de desafio nesta sugestão, até porque, como João informa, “nem mesmo os Seus irmãos criam n’Ele.” (v. 5)

Para quem tem a certeza, como Jesus tinha, de ter sido enviado por Deus e de possuir uma mensagem de transformação era tentador responder afirmativamente a um tal desafio.

E esta é uma primeira lição para todo o obreiro de Deus, para todo o proclamador do evangelho. Tendo a certeza do poder e do valor da mensagem do evangelho, o anunciador do mesmo pode considerar que deve aproveitar o desafio que lhe façam de ir à grande cidade, à grande festa que tanta gente atrai. Que oportunidade magnífica, poderá ele pensar!

Mas a decisão e a atitude de Jesus foram noutra direcção e a Sua resposta pode surpreender o mais incauto. Jesus responde, no v. 6, “que ainda não era chegado o Seu tempo.” E baseado nessa realidade declara que não se deslocará à cidade, conforme lemos no v. 8 (…eu não subo ainda a esta festa, porque ainda o meu tempo não está cumprido.) Ora, lendo a continuação do relato joanino, verificamos que mais tarde Jesus acaba por ir à festa, mas de forma oculta. Vai incógnito, sem chamar a atenção para si mesmo (v. 10).

A uma primeira leitura descuidada, tudo isso parece estranho e a atitude de Jesus surge como inconsistente e contraditória. Mas lendo com mais atenção, verificamos que não é assim.

Jesus sabia que, em resultado das Suas intervenções anteriores, suscitara muita controvérsia e animosidade por parte das autoridades religiosas, tanto através dos sinais operados como da mensagem que punha em causa o ensino oficial rabínico. Muito provavelmente não desconhecia que houvesse quem o quisesse matar, conforme nos revela João (v. 1).

Ora, tendo vindo com uma missão especial, de que tinha pleno conhecimento, Jesus sabia que tinha de cumprir até ao fim o Seu ministério, sem se desviar do plano que Deus estabelecera para Si. Então, teria de agir em cada circunstância segundo os ditames desse plano e não segundo a Sua própria vontade. Disso é testemunha tanto a oração agónica no Jardim do Getsémani (faça-se a Tua vontade e não a minha – Mateus 26:39), como as diversas declarações de que viera na vontade do Pai e de que não buscava a Sua glória, mas a do Pai (v. 18).

Assim, ciente do Seu lugar no plano de Deus, tinha de receber o aval do Pai quanto à Sua deslocação a Jerusalém. Se a resposta fosse negativa, permaneceria na Galileia. Se fosse positiva, iria até à festa. É, então, nesse sentido que temos de ler e de interpretar a Sua resposta aos irmãos de que não era chegado o Seu tempo. Note-se que esta expressão surge por duas vezes: no versículo 6 e no versículo 8. Este termo “tempo”, tradução do Grego kairós, refere-se não à data da Sua morte, mas sim a um momento específico da corrente temporal (cronológica). Segundo o plano de redenção a que estava sujeito, Jesus sabia que ele implicava a Sua morte de que, logicamente, não poderia escapar. Não se tratava, portanto, de querer fugir à Sua execução durante ou depois da festa, mas de saber se a Sua deslocação a Jerusalém nessa ocasião era o momento adequado, se era um kairós sintonizado com o plano e a vontade de Deus. Era-lhe, portanto, importante orar ao Pai em busca da orientação e decisão divinas. Que cada um de nós busque primeiro a direcção de Deus e não se deixe levar pelo engodo de uma situação aparentemente propícia e adequada. Fazendo o que Jesus fez, poupar-nos-emos muitos amargos de boca.

O que é certo é que Jesus, depois de consultado o Pai e depois de ter recebido a Sua resposta e aprovação, desloca-se, repita-se, não no tempo pessoal, não no tempo dos Seus irmãos, mas no tempo indicado por Deus.

O versículo 10 indica-nos como Jesus se deslocou a Jerusalém – em oculto. Foi incógnito, sem alarde, sem bandeiras, sem o rufar de tambores, sem aclamações. Tudo isso iria ocorrer, sensivelmente daí a seis meses, aquando da Sua entrada triunfal na capital da nação. Em ambos os casos, no tempo de Deus mas neste a Sua presença assumiria um outro carácter.

Este aspecto de estar incógnito não diminui nem o valor nem a proclamação do evangelho. Há momentos em que o evangelho é anunciado longe dos holofotes e dos grandes ajuntamentos. O momento da sua proclamação está sujeito a uma única exigência: ser no tempo, no kairós de Deus.

Recordando o episódio de Elias (1 Reis 19:8-12), Deus nem sempre está num grande e forte vento, nem sempre está no terramoto, nem sempre está no fogo. Não poucas vezes, Deus está na voz mansa e delicada. Tenhamos ouvidos para ouvi-la.

Soli Deo gloria!

SAC, 12.Julho.2022

Surge et ambula – O paralítico de Betesda

Surge et ambula – O paralítico de Betesda
João 5:1-15

2021dez20 Jorge Pinheiro _ peq
Jesus disse-lhe: Levanta-te, toma a tua cama e anda. (João 5:8)
Dicit ei Jesus: Surge, tolle grabatum tuum et ambula. (João 5:8)
Este episódio relata o terceiro milagre registado no evangelho de João. De novo em Jerusalém, Jesus dirige-se durante um sábado a um tanque onde, no meio de uma grande multidão, se dirige a um homem acamado, doente há trinta e oito anos a quem, depois de lhe perguntar se quer ser curado, restaura a saúde. Num segundo encontro, desta vez no templo, ordena-lhe que não peque mais. Quem não gostou do acontecido foram os religiosos que querem saber mais pormenores sobre a ocorrência.
Tradicionalmente, muitos comentadores bíblicos apontam este episódio para referir que Jesus tem poder sobre o infortúnio das pessoas e que para Ele não há mal-estar que atormente o padecente que Ele não possa curar. Para chegar a esta conclusão salientam o número de anos – 38 – em que este homem esteve privado da sua saúde. Sem negar esse facto, iremos ver que este episódio contém outras lições e conclusões que não devemos ignorar nem desprezar.
Acresce que em consequência dessa cura, tem início o choque entre Jesus e o sistema religioso do Seu tempo, que Ele aproveita para, através de diversas intervenções, ir transmitindo o evangelho de que é arauto.
A cena passa-se em Jerusalém, por ocasião de uma festa religiosa cujo nome o texto não menciona pelo que só podemos especular qual seria. De entre as sete principais festas dos Judeus, havia três que se destacavam: a Páscoa, o Pentecostes ou das Colheitas, realizado cinquenta dias depois da Páscoa e a festa dos Tabernáculos, que ocorria no Outono. Esta festa do capítulo 5 poderia ser uma dessas. Pelo versículo 1 ficamos com a ideia que teria ocorrido pouco depois da deslocação de Jesus a Jerusalém, por ocasião da Páscoa. Seja ela qual for, apenas sabemos que tudo ocorreu por ocasião de uma festa religiosa cujo nome desconhecemos.
O que sabemos, porém, é que tudo ocorreu em Jerusalém num tanque chamado de Betesda, situado perto da Porta das Ovelhas, edificada elo sumo sacerdote Eliasib no tempo de Neemias (Neemias 3:1) e por onde entrariam as ovelhas provavelmente destinadas ao sacrifício no Templo, situado a pouca distância.
O nome do tanque era Betesda que significa “Casa da Misericórdia” e era procurado por todo o tipo de doentes porque as suas águas tinham a fama de curar quando agitadas por um anjo.
Diz também o versículo 3 que entre aquela multidão de enfermos havia três grandes enfermidades: cegos, coxos (ou paralíticos) e ressicados ou doentes com ossos sem vida.
Nestas informações que o texto nos fornece cruza-se uma série de elementos com carácter simbólico e espiritual.
Na primeira ida a Jerusalém, Jesus dirige-se ao Templo, ao centro religioso da nação, onde se acolhe a elite sacerdotal. Mas nesta segunda visita, vai junto do povo desprezado passando pela Porta das Ovelhas aquele que é o Cordeiro de Deus.
Na primeira visita, derriba as mesas dos cambistas, mas na segunda está na Casa da Misericórdia aquele que é misericordioso.
O texto diz-nos que o tanque tinha 5 alpendres ou pórticos. O pórtico recorda o Templo, nomeadamente o pórtico de Salomão (João 10:23), pois era nos pórticos que se praticava o ensino oficial. Agora, neste local com 5 pórticos, Jesus surge para ensinar algo de novo, uma nova Lei marcada pela misericórdia de Deus. E tal como o edifício doutrinário dos Judeus se baseava nos 5 livros da Lei, agora este ensino de Jesus processa-se à sombra destes 5 pórticos.
O versículo 3 diz que entre a multidão de enfermos se contavam cegos, coxos e ressicados. Para além de deixar implícito que Jesus se sente bem entre as multidões de necessitados porque lhes traz não apenas uma palavra de ânimo e de consolo mas também a solução para os seus problemas, revela-O pronto à acção.
Do ponto de vista espiritual, um cego não consegue ver as realidades da Escritura santa – mas Jesus é a luz do mundo – quem O segue não andará em trevas.
Um coxo ou paralítico está incapacitado de percorrer com normalidade e desenvoltura o caminho que o leva a viver uma vida plena – mas Jesus é o caminho e quem segue por ele não se perde e pode desfrutar a beleza de toda a paisagem.
Um ressicado, que faz lembrar a visão do vale de ossos secos de Ezequiel 37, é alguém cujos ossos estão secos, sem vida e, portanto, inúteis – mas Jesus é a água e a vida, vivificando todo aquele que por acção própria ou pelas circunstâncias exteriores se encontra sem vida e com uma alma seca.
Sabemos também que o paralítico a quem Jesus se dirige se encontrava naquela situação há 38 anos. Não deixa de ser curiosa esta constante referência a números, que encontramos nos evangelhos: 12 apóstolos, 70 discípulos, 5 maridos, 5 alpendres, 38 anos, 153 grandes peixes e por aí fora.
Quarenta foram os anos passados no deserto durante o êxodo, mas é curioso que Deuteronómio 2:14 refere que de Cades-barnea até ao ribeiro de Zered, se tinham passado 38 anos, em cujo período desaparecera a geração de murmuradores contra Moisés. Cades-barnea foi o local onde os Israelitas se assustaram com o relatório dos espias enviados à Terra de Canaã e em virtude disso murmuraram contra Moisés. Embora estando às portas da Terra Prometida, essa revolta impediu-lhes a entrada e forçou-os a peregrinar no deserto durante 38 anos até o povo entrar por Zered em Canaã sob o comando de Josué.
Haveria então uma relação entre o episódio da rebelião e a situação do paralítico porque, de acordo com João 5:14, a ordem de Jesus de ele não pecar mais sugere que a sua situação de enfermidade se devia ao pecado.
O que é certo é que aqueles 38 anos indicam que toda a vida útil daquele homem fora consumida pela doença, resultante do pecado, impedindo-o de uma vida plena e significativa.
Tantos anos enfermo provocam danos não apenas físicos mas também psicológicos. Repare-se que quando Jesus lhe pergunta “Queres ficar são?”, uma pergunta que parece desnecessária e que quase exige uma pronta resposta positiva, o homem refere as circunstâncias externas que o impedem de ser curado. Há um claro desânimo na sua voz. Um tom de justificação, uma atribuição de culpa a terceiros, uma total dependência da ajuda e da caridade alheia.
Ficamos com a sensação de que Jesus quer do homem uma resposta clara, não uma desculpa, quer a aceitação de que, embora necessitado de ajuda, está disposto a fazer o que está dentro da sua acção para sair daquela situação.
Na resposta de Jesus, podemos encontrar todo o um evangelho. Para já, é um evangelho, ou seja, boas notícias: “Levanta-te, toma a tua cama e anda.” (v. 8). Temos aqui três verbos, todos eles no imperativo, que indica uma ordem. A ordem implica autoridade e poder Só dá uma ordem quem é detentor de autoridade.
Em segundo lugar, todos esses verbos referem uma acção activa e não passiva: levantar, tomar (segurar ou transportar) e andar.
Ora, o evangelho é poder, conforme o ensino de Paulo:”Não me envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê.” (Romanos 1:16). Mas o evangelho não se limita ao poder mas apresenta-se como a manifestação de acção. Basta reparar na última instrução dada aos discípulos: “Ide, ensinai, baptizai.” (Mateus 28:19).
Neste episódio, Jesus não apenas mostra a Sua autoridade como ordena que o homem aja, que faça alguma coisa, que não se renda à passividade.
Levanta-te… De imediato vem-nos à lembrança uma outra ordem semelhante “Levanta-te de entre os mortos e Cristo te esclarecerá” (Efésios 5:14). Levantar implica que o homem tinha de abandonar a prostração em que se encontrava, de se assumir na posição erecta, aquela que caracteriza o ser humano normal e com a qual Deus o dotara, em suma, assumir a sua condição de ser humano pleno, não sujeito a qualquer amarra que o diminua.
O Evangelho é a restauração da integridade total do ser humano, a proclamação posta em prática de que Deus quer o homem livre de tudo quanto o impede de, em comunhão com o Salvador, atingir a plenitude daquilo para que foi criado.
A segunda acção era tomar a sua cama. Não bastava que o paralítico se assumisse como homem pleno, em combate contra aquilo que o mantinha prostrado: era-lhe ordenado que assumisse o controlo sobre os instrumentos da sua prostração e infortúnio. Agora, já não era servo daquela cama, mas seu senhor. Ao tomar a sua cama, estava a impor-se à sua infelicidade, a dominar as suas circunstâncias, a confirmar a recuperação do seu estatuto de homem livre e pleno. Como cristãos libertos das amarras do pecado, temos de lhe mostrar que ele agora não tem domínio sobre nós.
A última acção – andar – implica movimento. Repare-se na progressão das acções, no sentido do esforço que cada uma exige. Assim é a nossa caminhada cristã: começamos com uma decisão pessoal de tomar uma atitude, ainda que contra todas as expectativas e circunstâncias; depois, vamos assumindo poder e controlo sobre o que nos dominava e diminuía e finalmente pomo-nos a caminho à descoberta de um mundo novo cujas portas nos são abertas pelo evangelho.
Ao ser-lhe ordenado que andasse, o homem é convidado a abandonar por completo o seu local de prisão, a sua condição de incapacitado e a dirigir-se para um mundo a que não tinha pleno acesso porque a paralisia lho impedia. E cada passo que dava afastava-o cada vez mais do seu lugar e circunstância de infortúnio.
Assim é connosco a partir do momento em que Cristo entra na nossa vida: Ele levanta-nos, faz-nos senhores do nosso infortúnio e leva-nos à descoberta incessante das novas realidades espirituais, com isso afastando-nos cada vez mais da vida velha de aprisionados ao pecado.
Repare-se que o homem pegou na cama onde jazia e transportou-a pela cidade. Sabemos isso pelo versículo 10, quando os religiosos lhe dizem que por ser sábado não podia transportar a cama.
E perguntamos: se dele foi curado, porque leva ele o instrumento do seu infortúnio? Haverá algumas razões. E à partida, não nos esqueçamos de que ele transporta não a sua condição mas o instrumento da sua condição.
Em primeiro lugar, ao não deixar no local a sua cama, nem deixa lixo para trás nem permite que algum outro se aproveite da cama, perpetuando o ciclo da dependência. Assim também, ao sermos salvos, limpemos o local e as circunstâncias onde estivemos. E sempre que passarmos pelos locais ou situações onde vivemos em pecado, podemos dizer: agora sou livre, o meu pecado foi levado para longe!
Em segundo lugar, levando a cama, o homem tem agora sempre presente que já não é seu servo, mas seu senhor e que aquela cama pode servir para outras funções mais dignas.
Finalmente, levando a cama, deu testemunho aos religiosos de quem o curara, testificando ao mesmo tempo que encontrara alguém que era superior a todos os preceitos religiosos e ideológicos que nos possam prender.
De facto, nesse encontro com os religiosos, o homem deu testemunho do que lhe acontecera e à pergunta sobre a razão de transportar a cama num dia de sábado, respondeu: “Aquele que me curou, ele próprio disse: Toma a tua cama e anda” (v. 11).
Sentimos o desejo de aclamar esta declaração do homem e a sua coragem, firmeza e certeza. Mas se lermos com atenção, verificamos que falta qualquer coisa à declaração – faltou-lhe referir que Jesus primeiro lhe dissera “Levanta-te.” No fundo, omitiu o mais importante – sem se levantar, não podia tomar a cama e muito menos caminhar. Que lição para nós! Quantas vezes ficamos tão deslumbrados com a nova situação em que nos encontramos, com as novas possibilidades à nossa disposição que nos esquecemos daquilo que nos permite viver a nova situação, que nos esquecemos d’Aquele em quem tudo começou no que de bom nos aconteceu.
Sejamos-Lhe gratos e em tudo reconheçamos não apenas o que nos fez mas todas as Suas palavras que nos abriram o caminho à vida eterna.
Soli Deo gloria!

C. Ourique, 31.Maio.2022

O Oficial de Cafarnaum

O Oficial de Cafarnaum
João 4:43-54

Jorge Pinheiro
Segunda vez foi Jesus a Caná da Galileia, onde da água fizera vinho. E havia ali um régulo cujo filho estava enfermo em Cafarnaum. Ouvindo este que Jesus vinha da Judeia para a Galileia, foi ter com ele e rogou-lhe que descesse e curasse o seu filho, porque já estava à morte. (João 4:46-47)

Temos aqui mais uma história com todos os ingredientes de uma boa história. Nela encontramos dor, sofrimento, angústia, expectativa e um final feliz.
Este texto fala de um homem que se dirige a Jesus, que se encontrava em Caná da Galileia, a quem roga que vá com ele até Cafarnaum e aí lhe cure o filho que estava doente às portas da morte. Jesus atende apenas a metade do pedido do homem: não se desloca a Cafarnaum mas garante-lhe que quando regressar a casa encontrará o filho completamente restabelecido. E assim acontece de facto. Ainda antes de chegar a casa, recebe a notícia de que a febre que atormentava o filho desaparecera e se encontrava agora curado.
Como sucede com todas as histórias, temos de perguntar: que ensinamentos extraímos desta? E em que medida ela se encaixa na intenção declarada de João quando escreveu este evangelho?
Se a lermos com atenção, descobrimos uma série de informações que, complementadas com outros dados, nomeadamente geográficos, nos permitem chegar a algumas conclusões e lições interessantes.
Este episódio vem no seguimento do encontro de Jesus com a samaritana. O versículo 43 diz que Jesus permaneceu em Sicar durante dois dias, findos os quais parte para a Galileia, onde é bem recebido pelos Galileus, conhecedores do que Ele fizera em Jerusalém durante a Páscoa, nomeadamente o derrube das mesas dos cambistas no átrio do templo, os sinais ali realizados (2:13-25) e presumivelmente as suas argumentações no templo e a entrevista com Nicodemos (3:1-15).
Ficamos também a saber que na Galileia este episódio vai encontrar Jesus em Caná. Não sabemos a razão da Sua presença ali, se era passageira ou se ali fixara a Sua residência, mesmo que temporária. Podemos especular que os Seus familiares residiriam ali, nomeadamente sua mãe, uma vez que por ocasião do milagre de Caná, ela se encontrava presente. Também, pela referência que o versículo 43 faz do que acontecera em Caná, podemos presumir que o milagre ainda era recordado pelo impacte que provocara.
O que sabemos é que em Caná Jesus é procurado por um homem vindo de Cafarnaum (v. 46). A nossa versão trata-o por régulo, que traduz a ideia de ser alguém de sangue real ou um rei, uma vez que palavra “régulo” significa “pequeno rei.” No entanto, no original o termo usado transmite mais a ideia de ser um cortesão, um funcionário do rei ou, como diríamos em linguagem actual, um oficial administrativo ou governativo. Seja como for, tratava-se de alguém ligado à área do poder, provido de alguma autoridade civil e política.
Em relação a estas duas localidades, elas distavam entre si cerca de 30 a 40 kms e enquanto Cafarnaum se situava num vale, nas margens do mar da Galileia, Caná era uma cidade montanhosa, sendo assim sinuoso e acidentado o percurso entre ambas. Naquele tempo era uma distância e um percurso consideráveis.
Ora, foi esta distância que o homem percorreu na sua busca de cura para o filho que jazia às portas da morte (v. 47). Podemos imaginar a dor e a angústia desesperante deste homem que procura Jesus na qualidade de pai, pois é assim que ele se apresenta. Nos momentos de maior angústia, que abrem a porta ao desespero, o ser humano procura em todo o lado alívio para a sua dor e assume-se mais na sua qualidade intrínseca de ser humano porque sabe que, mesmo detentor das mais altas honrarias, continua a ser uma pessoa humana limitada e impotente perante aquilo que ultrapassa o seu poder de agente de autoridade.
É interessante notar que o versículo 47 utiliza a expressão “rogou-lhe que descesse.” É verdade que é uma referência ao carácter orográfico entre as duas povoações, mas podemos ver aqui um simbolismo e uma realidade espirituais. O funcionário foi do vale à montanha em busca de ajuda e de facto, em termos espirituais, nós que vivemos no vale temos de subir ao alto em busca de socorro, porque é ali que o encontraremos, conforme nos recorda o salmista:
“Elevo os olhos para os montes. De onde me virá o socorro? O meu socorro vem do Senhor que fez os céus e a terra” (Salmo 121:1-2). E também o profeta Isaías (57:15) que diz que o Senhor Deus habita num alto e sublime lugar. Deus ainda está na Sua alta e sublime habitação e a Ele recorreremos sempre em tempos de angústia e em tempos de bonança porque o Seu refrigério é permanente e constante.
A resposta de Jesus talvez tenha surpreendido o funcionário, porque começa por afirmar “se não virdes sinais e milagres não crereis.” Há aqui dois pontos interessantes. Primeiro, a referência a e milagres e não a sinais ou milagres, o que nos indica que embora movendo-se no mesmo universo apontarão para duas atitudes distintas. Já vimos que João utiliza a palavra “sinais,” querendo com isso dizer-nos que a nossa atenção deve estar mais focada não no portento da coisa extraordinária, mas no seu significado e no autor de quem a originou. Já quando falamos mais em milagre e menos em sinal, o nosso foco de interesse está mais virado para o acontecido, levando-nos a esquecer que o seu autor é que merece todo o louvor e atenção. Que sempre que buscarmos a intervenção miraculosa de Deus, o nosso coração esteja de olhos fixos n’Ele, louvando-O e engrandecendo-O.
O segundo ponto é que os verbos estão no plural: “se não virdes” e “não crereis”. Jesus não estaria a dirigir-se explicitamente ao homem mas sim aos que O rodeavam e nesse grupo podemos incluir-nos e aceitar essa Sua afirmação como uma advertência para nos fixarmos no que é importante.
O que é certo é que Jesus acede ao pedido do homem de lhe curar o filho, mas não cede ao seu desejo de descer com ele até Cafarnaum.
A verdade é que o menino enfermo ficou sarado, conforme disso dá testemunho o versículo 51. Estamos então na presença de um milagre e de um sinal, o segundo no relato que João faz do ministério de Jesus. Enquanto o primeiro – a transformação da água em vinho – revela o poder de Jesus em termos de transformar a qualidade e a natureza íntima das coisas, este segundo mostra que para Ele, a distância não é impedimento à manifestação do Seu poder. Por isso, ainda hoje, mesmo sentado à direita da majestade divina, podemos recorrer a Ele porque a distância física entre Ele e nós não Lhe tolhe o poder. E porquê? Porque estando Ele na dimensão do Absoluto, as limitações do nosso universo relativo nada são para Ele.
De acordo com o versículo 50, o funcionário não se deixou vencer pela dúvida que a distância lhe poderia suscitar, mas creu no conteúdo da afirmação de Jesus, aceitando-a como uma manifestação factual e não como uma declaração de intenções. Será que quando, a pedido de alguém, oramos por um milagre na vida dessa pessoa e declaramos que ele ocorreu, fazemo-lo como manifestação factual ou como uma declaração de intenções?
A fé do homem não foi abalada nem pela distância nem pelo tempo que levaria a percorrê-la e a testemunhar presencialmente o milagre anunciado. De facto, só no dia seguinte chegou ele a Cafarnaum. Foi uma espera no mínimo de 24 horas. O versículo 52 dá conta disso, quando os seus empregados o informam de que o menino ficara curado na véspera. Não sabemos se ele partiu no dia do milagre, em cujo caso teria iniciado a viagem a partir das 14h00 ou se, pelo contrário, teria partido no dia seguinte, o que lhe permitiria chegar ao seu destino ainda com luz do dia, evitando assim os imprevistos que numa viagem realizada com pouca luz sempre se produzem.
E esta não deixa de ser uma lição para nós. Estamos nós decididos a esperar o tempo necessário e a percorrer a distância exigível para testemunhar um milagre em que anteriormente cremos sem o termos visto? Com a agravante de embora o pedido do milagre ter sido formulado por nós e de nos termos sujeitado às canseiras de ir em busca da solução não termos sido os primeiros a testemunhar a sua concretização.
Em toda esta história há naturalmente uma pergunta pertinente que se nos impõe: por que razão Jesus não atendeu ao pedido de se deslocar a Cafarnaum? Muitas serão as respostas e todas elas não deixam de ser aceitáveis. Muito provavelmente, a razão será o somatório de todas essas respostas. Vejamos algumas:

1. Jesus estaria cansado ou teria reservado aquele período para alguma outra acção do Seu ministério. Embora pouco provável, porque Jesus nunca colocou os Seus interesses acima do serviço aos outros, não deixa de ser plausível porque uma deslocação a Cafarnaum e o regresso a Caná Lhe roubariam tempo que Ele tivesse destinado a outras acções.
2. Quis demonstrar que a distância não era impeditiva para Ele.
3. Quis mostrar, principalmente aos que O seguiriam após a Sua morte e ascensão, que não é necessária a Sua presença física para o milagre ocorrer, porque Ele está sempre presente em espírito entre os Seus.
4. Quis mostrar que para Deus não há distâncias, porque Deus é um Deus de perto mas também um Deus de longe (Jeremias 23:23).
5. Quis provar a fé do solicitante, o que é uma lição também para nós: quando Lhe rogamos alguma coisa, estamos dispostos a crer contra toda a expectativa, angústia ou outra circunstância física ou temporal?
6. Quis mostrar ao funcionário que uma palavra de autoridade ou a palavra de um agente de autoridade tem poder em si e por si mesma e não necessita da presença física do seu autor. Afinal, o funcionário era um agente de autoridade e as ordens que dele emanavam tinham poder em si e por si e nem sempre ou quase nunca exigiam a sua presença. Essa verdade foi compreendida pelo centurião que rogou pelo seu servo doente: “Dá-me uma ordem, Jesus, que eu também sou homem de autoridade e uma ordem minha é cumprida.” (Lucas 7:1-10). Estaremos nós dispostos a aceitar que o poder que nos foi delegado tem poder em si e por si e que em toda a sua aplicação tem de redundar não em benefício próprio mas em bênção do outro e glória de Deus?
7. Jesus quis deixar claro que “A Deus o que é de Deus e a César o que é de César.” Ao não aceder ao pedido de se deslocar a Cafarnaum, Jesus estaria a dizer-lhe que o Reino de Deus não pode, não tem de estar sujeito aos interesses do reino de César. O Reino de Deus abençoa também o senhorio de César mas não lhe está nem pode estar sujeito.

Repare-se também que o funcionário roga a Jesus que desça e lhe cure o filho (v. 47). No entanto, curiosamente, o evangelista regista que a resposta de Jesus não foi “Vai, o teu filho está curado”, mas “Vai, o teu filho vive” (v. 50). Poder-se-ia dizer que é a mesma coisa, que as duas expressões são sinónimas. Mas será assim? Não podemos aceitar que há uma intenção clara na utilização do termo “viver” e não “curar”? Se analisarmos as descrições das curas físicas efectuadas por Jesus, verificamos que na maioria dos casos o verbo utilizado está relacionado com o acto de curar, como na cura do paralítico de Betesda (João 5:6), “Queres ficar são?”, como no caso da cura do leproso em Mateus 8:3: “Sê limpo” ou como no caso da cura da mulher hemorrágica (Marcos 5:34) em que Jesus declara taxativamente: “Sê curada.” E isso para não falar da pergunta que faz aos fariseus: “É lícito curar os enfermos?” (Mateus 12:10) ou a ordem dada aos discípulos: “Curai os enfermos” (Mateus 8:3).
Mas nesta cura do filho do funcionário, Jesus diz: “Vai, o teu filho vive” e não “vai, o teu filho está curado.” Ou seja, a palavra de Jesus, o qual tem poder para curar, não fala aqui de cura mas de vida! Como que a querer dizer-nos que Ele nos veio dar vida e que a vida que Ele dá supera todas as nossas circunstâncias e limitações. Como que a querer dizer que o que Ele nos comunica não é uma mera restituição da saúde, que não é só e apenas uma simples resposta a um problema circunstancial na nossa existência, mas a outorga de uma vida de qualidade alicerçada na fé activa na Sua palavra que dá vida.

Estabelecendo um paralelo entre estes três grandes encontros dos primeiros quatro capítulos de João, podemos chegar a algumas conclusões interessantes e importantes:

• Nicodemos era da Judeia, a mulher de Samaria, o funcionário da Galileia, o que nos indica toda a nação de Israel.
• Nicodemos era um religioso, a samaritana uma plebeia e o funcionário um membro da classe político-governativa, o que nos indica todos os estratos do tecido social.
• Com Nicodemos, a conversa é de carácter teológico, logo é ideológica, enquanto com a samaritana e com o funcionário estamos na presença de milagres (um de transformação, o outro de cura), o que aponta para uma acção prática. O que nos indica que o evangelho tem de ser prático mas com uma boa base doutrinal e tem de ser doutrinário com uma manifestação prática, quer tanto pode atingir directamente o visado como reflectir-se indirectamente em quem tem uma relação com o visado.

Estes três episódios revelam-nos um evangelho integral que está ao alcance de todo o tipo de pessoas, acima das barreiras artificiais que tendemos a levantar face ao nosso semelhante.
Soli Deo gloria!

C. Ourique, 24.Maio.2022

O DISCURSO INCÓMODO

O Discurso Incómodo

João 5:10-47

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E Jesus lhes respondeu: Meu Pai trabalha até agora e eu trabalho também. (João 5:17)

Na meditação anterior, falámos de um homem paralítico há 38 anos, a quem Jesus curara. Agora, vamos ver as consequências dessa cura e as reacções que provocou em quem presenciou e experimentou o acto miraculoso e nos representantes do sistema religioso que ordenava toda a sociedade de então. Nesta secção do evangelho de João, vemos o confronto entre a doutrina anunciada por Jesus e as normas religiosas impostas ao povo. Também aqui temos o início da oposição declarada entre Jesus e o sistema religioso centrado no templo de Jerusalém e o primeiro grande discurso público de Jesus.

Tudo começa com o rescaldo da cura do paralítico. Embora no início do episódio nada se diga do dia em que ele ocorreu, apenas informando que se deu num período festivo, sabemos pelos versículos 9 e 10 que era um sábado.

Havia duas instituições que caracterizavam o ser Judeu e que a nação respeitava profundamente: a circuncisão e a guarda do sábado. É verdade que havia outras de igual importância, como a Lei moisaica e o templo com os seus sacrifícios, mas aquelas duas estavam coladas à alma judaica, com uma delas – a circuncisão – marcada no próprio corpo do homem judeu.

Ora, sucede que o paralítico, agora curado, é confrontado e repreendido por transportar a sua cama num dia de sábado, com isso infringindo a proibição de trabalhar nesse dia. Em termos práticos e aos ouvidos dos acusadores, o homem está a confessar que encontrou alguém com autoridade acima da instituição do sábado. Ao submeter-se a essa ordem, o ex-paralítico acaba por se tornar cúmplice do suposto infractor e por essa causa merecedor de repreensão. Quanto aos acusadores, estão mais preocupados com o cumprimento dos preceitos religiosos do que com o facto de o homem estar curado ao fim de tantos anos enfermo.

Ficamos na dúvida quanto à intenção da pergunta sobre a identidade de quem lhe ordenara que transportasse a cama (v. 12), mas não é difícil imaginar que não seria mera curiosidade mas visava criticar e condenar a suposta transgressão da não observância do sábado. Disso é reflexo não só o discurso posterior de Jesus como a própria declaração do autor do evangelho: “Por essa causa, os Judeus perseguiram Jesus e procuravam matá-Lo.” (v. 16).

É interessante o conteúdo do versículo 13: “O que fora curado não sabia quem era [o que o curara] porque Jesus se havia retirado, em razão de naquele lugar haver grande multidão.” Notemos aqui dois pontos de extremo interesse e importância. “Jesus havia-se retirado”. Ou seja, Jesus não faz alarde do acto miraculoso que realizou. Ele actua de forma discreta, deixando que as Suas palavras produzam efeito por si mesmas não se comportando como um vendilhão de mezinhas miraculosas, à espera de ser aclamado. Note-se também e saliente-se a expressão “naquele lugar.” Esse lugar é a piscina e nele a multidão era grande e composta por toda a casta de necessitados. Atendendo a que biblicamente as águas representam as nações (Apocalipse 17:15), podemos assumir “aquele lugar” como simbolizando os povos. Ora, foi no meio do povo necessitado que o poder de Deus se manifestou e não no templo, transformado em centro comercial, em casa de venda, explorador das necessidades dos necessitados. Como se o texto nos estivesse a dizer que Deus não se manifesta em edifícios de marca humana que, embora de aspecto divino, acabam por perder a sua sacralidade, mas junto das multidões que, quais ovelhas entrando pela porta da ovelhas, se aglomeram sem esperança, corroídas pelos males que a sua vida de pecado lhes vai deixando na existência.

Na sequência deste episódio de cura, temos o primeiro grande discurso de Jesus, cheio de uma novidade vivificadora e que entra em choque directo com a mentalidade rígida e castradora de um sistema religioso que impõe aos seus seguidores o espartilho do formalismo institucional. A isso, Jesus tem para oferecer uma mensagem de relação e comunhão com Deus, encarado como pai e não como juiz, como restaurador pleno da vida, convidando os mortos a deixarem o seu estado de decomposição e a aceitarem a nova vida que lhes é oferecida.

É interessante a forma como Jesus inicia este Seu importante discurso: “Meu Pai trabalha até agora e eu trabalho também.” (v. 17). Começa com duas expressões estranhas. Trata Deus não como Senhor e dono, não como juiz e distante, mas como Pai, o que indica uma proximidade de intimidade. Depois, declara que ”Deus trabalha até agora”, numa aparente oposição à afirmação de Génesis 2:3, “e abençoou Deus o dia sétimo e o santificou porque nele descansou de toda a Sua obra que Deus criara e fizera.” Era com base neste texto que toda a Lei se apoiava para justificar a sacralidade do sétimo dia, o sábado. Ora, as palavras de Jesus não deixam de surpreender a um ouvido formatado pelas imposições formalistas e rígidas do pensamento religioso, consideradas imutáveis e intocáveis e, por isso, essas palavras foram categorizadas como heréticas

De facto, Jesus nunca nos deixa de surpreender, a tal ponto que, quando consideramos ter a resposta para todos os problemas, Ele chega e baralha-nos a ordem e o conteúdo das perguntas. E habituados que estamos a ter resposta pronta, decorada sem uma reflexão cuidada e baseada no espírito da vida e não na letra formal e fria da lei institucional, sentimo-nos sem chão, dispostos a rejeitar tudo quanto vá contra as nossas certezas.

É o que Jesus faz aqui nesta Sua intervenção: baralha a ordem das perguntas, faz uma releitura da verdade-base e diz sem rodeios: “A revelação tem de ser lida na bênção e na certeza de uma relação com Deus na Sua qualidade de Pai preocupado connosco e interessado no acabamento desta obra-prima que é a vida humana, a quem Ele considera Seu filho.” No Génesis, Deus descansou da obra que fizera e criara, porque tudo estava perfeito, pois em Génesis 1:31, lemos que era tudo muito bom. Mas agora, neste mundo que Ele criou, há criaturas Suas que saíram das Suas mãos, destinadas a uma comunhão íntima com Ele, que estão manchadas, imperfeitas num caos sem retorno. E enquanto nesse caos não houver ordem, beleza e perfeição, Deus não descansa. Ele trabalha até agora porque está interessado em cada um e de cada um de nós aproxima-se não como legislador, não como juiz mas como Pai. E para que O possamos reconhecer e à Sua obra e intenção, enviou-nos Seu Filho Jesus que se nos apresenta idêntico a nós, mas perfeito, dizendo com isso que tal como Jesus é, assim podemos nós também ser.

Ora, todo este discurso surge como blasfemo pelos guardiões do templo erigido por mãos humanas, pelos defensores do formalismo religioso institucionalizado, pelos carrascos da liberdade que querem perpetuar a menoridade do ser humano, impedindo-o de caminhar na nova liberdade que lhe é oferecida.

De facto, é como blasfémia que os Judeus recebem este discurso, porque o versículo 18 revela que a razão de O quererem matar baseava-se no facto de não só quebrar o sábado, como de se assumir como idêntico a Deus.

Há comentadores que afirmam que Jesus não se declara igual a Deus e que essa afirmação resulta de uma interpretação equivocada que os Seus interlocutores fizeram das Suas palavras no versículo 17 e que nós repetimos sem uma devida contextualização. No entanto, se lermos com atenção toda a argumentação subsequente de Jesus, verificamos que a interpretação dos Judeus não está divorciada da verdade. Essa argumentação tem início no versículo 19, onde Jesus começa com uma atitude didáctico-pedagógica, seguindo o método que sempre seguiu: parte do conhecido para o desconhecido, parte de uma realidade física e detectável para uma verdade espiritual e transcendente.

No versículo 19, habitualmente as nossas Bíblias grafam “filho” e “pai” com maiúscula, querendo assim indicar que essas palavras se referem de forma directa, respectivamente a Jesus e a Deus, o que significaria que é logo aqui que Jesus começa a Sua argumentação de se afirmar igual a Deus. Propomos, no entanto, uma outra leitura que se torna mais clara se lermos essas duas palavras com minúscula. Assim, o que Jesus estaria a dizer era que tal como numa relação humana um filho está dependente do pai, de quem tudo aprende, assim é a relação entre Jesus e Deus. E de facto, faz sentido esta releitura; um pai projecta-se no filho, ensina-o, revela-lhe o segredo das coisas e envia-o ao grande mundo onde revelará a todos aquilo que aprendeu com o pai a quem viu fazer tudo quanto agora faz. Esta é uma realidade física que todos conhecemos e que era também do conhecimento dos adversários de Jesus que, a partir deste ponto consensual, avança para a grande verdade espiritual: de igual modo, se Deus Pai ressuscita os mortos e os vivifica, se Deus Pai cura os doentes, então o Filho de Deus limita-se a fazer o mesmo que Deus Pai. E se Jesus cura, vivifica e ressuscita os mortos, então que conclusão podemos extrair?

Todo o discurso de Jesus, desde o versículo 21 até ao 47 segue esta linha de pensamento, pelo que chegando ao fim, podemos afirmar que em tempo algum Jesus desmente a conclusão a que os seus opositores chegaram: Jesus está a declarar-se igual a Deus.

E para dar força às Suas reivindicações, Jesus declara que a Sua confissão se baseia no cumprimento das Escrituras que testificam d’Ele. No versículo 37, lemos: “O Pai que me enviou, Ele mesmo testificou de mim” e no versículo 39 encontramos: “Examinais as Escrituras… que de mim testificam.” E no seguimento, uma conclusão poderosíssima: “E não quereis vir a mim para terdes vida.” (v. 40). N’Ele há vida e por isso podia proclamar: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida.” (João 14:6)

Soli Deo gloria!

SAC, 7.Junho.2022

A Mulher Samaritana – II

A Mulher Samaritana – II

João 4:19-30

 Jorge Pinheiro 7

Disse-lhe Jesus: “Mulher, crê-me que a hora vem em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai. Vós adorais o que não sabeis; nós adoramos o que sabemos, porque a salvação vem dos Judeus. Mas a hora vem e agora é em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade, porque o Pai procura a tais que assim O adorem. (João 4:21-23)

 

Na meditação anterior, detectámos um paralelismo entre o estado civil da samaritana e a situação espiritual do seu povo. Relembremos que a revelação de que ela tivera cinco maridos e de que o homem com quem então vivia surge no seguimento do pedido de água por parte de Jesus, que afirma ter uma água que supera a água do poço, pois sacia eternamente a sede de quem a bebe. É neste contexto que surge a ordem de Jesus de ela ir buscar o seu marido e de se apresentarem os dois perante Ele. Nesta ordem, há um apelo a que a mulher assuma um compromisso com quem mantém uma relação de intimidade.

Não será forçar o texto afirmar que a recepção desta água viva que Jesus oferece implica um compromisso de uma relação íntima com a aceitação dessa mesma água. De facto, do Cristão exige-se um compromisso com as verdades que recebemos de Deus e com a dádiva de Jesus que em nós produz o abandono de uma água caduca que não sacia perpetuamente e que, pelo contrário, exige de nos uma recorrência constante aos mesmos rituais, muitas vezes realizados quando o calor das aflições mais aperta, simbolizada pela hora sexta a que a mulher se dirigia ao poço.

Não deixa de ser curioso que a hora a que a mulher se dirigia ao poço era a sexta. Não era apenas o momento de intenso calor, mas também indicava a metade do dia. De resto, a hora sexta corresponde às doze horas do nosso sistema cronológico que é a hora que separa as duas metades do dia. Acrescente-se também que na numerologia bíblica, seis é o número do homem e que foi nessa hora que Jesus começou a dialogar com a mulher, trazendo-lhe a novidade da oferta de uma comunhão íntima com Deus, com quem exige um compromisso firme.

Que lições podemos extrair destes simbolismos? Na hora do homem, a sexta, surge a revelação de Jesus que nos convida a encerrar um ciclo que mais nada tem para dar e iniciar um novo ciclo em que a vida é inesgotável, permanente e vivificadora.

Falando em água, é curioso que além dela Jesus menciona nos seus discursos o sal e o ar. Estes são três elementos carregados de um profundo significado e valor espiritual. O ar ou vento aponta para Deus, que é espírito. Em grego, espírito é designado por pneuma, que também significa vento. Deus, ao criar o homem, soprou-lhe nas narinas e o homem foi feito alma vivente (Génesis 2:7). Jesus soprou sobre os discípulos, dizendo: ”Recebei o Espírito Santo (João 20:22). No dia de Pentecostes, o Espírito Santo desceu sobre os apóstolos como um vento impetuoso (Actos 2:2). Quanto à água, ela está relacionada com o arrependimento, com a purificação e com a salvação, enquanto o sal surge ligado à transformação, à cura, ao testemunho, à santificação.

Estes três elementos são indispensáveis ao ser humano que não pode viver sem eles. Privado deles, o homem pouco tempo tem de vida. Mas eles têm uma característica comum: nenhum tem carbono na sua composição química. Ora, o homem, para além de viver num planeta carregado de carbono, é todo ele formado com carbono e depende do carbono. Todos os alimentos da roda dos alimentos têm carbono na sua composição. A maioria do vestuário e dos abrigos do homem tem carbono e até a sua pedra mais preciosa, o diamante, é carbono puro. O homem pode abdicar de muitas coisas com carbono, da alimentação ao vestuário, que não morre com a sua ausência. Mas privado destes três elementos sem carbono – ar, água, sal – perto está do seu fim. O que nos diz que em termos espirituais o homem não pode viver sem esses elementos de origem divina – o espírito, a salvação, a santificação!

Mas voltando à samaritana, tal como há um paralelismo entre a sua situação civil e a situação espiritual do seu povo, também há um paralelismo entre os Samaritanos e a nossa geração. É que tal como os Samaritanos tinham cinco santuários a deuses estranhos, a nossa geração divide-se e oscila entre cinco grandes correntes do Cristianismo (são elas a Igreja Copta, a Igreja Católica Romana, a Igreja Ortodoxa, a Igreja Anglicana e as Igrejas Reformadas), cujos aderentes consideram a sua matriz como a única verdadeira, imitando os Samaritanos que adoravam no monte Gerizim em oposição ao templo de Jerusalém. E quantos no mundo cristão não se agarram ao seu monte, declarando que é apenas nele que Deus se manifesta e pode ser adorado? À semelhança da samaritana, esta geração precisa que Jesus lhe venha dizer “Homens, crede-me que a hora vem em que nem neste monte nem em Jerusalém, adorareis o Pai!” À semelhança da samaritana, esta geração precisa que Jesus lhe diga: ”Homens, adorais o que não sabeis, porque a salvação vem da revelação que vos trago, porque eu vos revelo o Pai!” E todos nós, crentes e descrentes, precisamos de saber que “a hora vem e agora é em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade. Porque o Pai procura esses que assim O adorem.”

Ele convida-nos a sermos  verdadeiros adoradores em espírito e em verdade. Queremos sê-lo? Estamos dispostos a reconhecer e a aceitar as exigências que Ele nos propõe? Estamos dispostos a deixar de adorar nos nossos montes caducos, ultrapassados e muitos deles falsos e deixarmo-nos encontrar pelo Pai que nos busca?

Repare-se que Jesus repete por duas vezes esta expressão “adorar o Pai em espírito e em verdade” (4:23, 24).

Note-se que em resposta à argumentação da mulher relativamente ao local de adoração (v. 30), Jesus é muito claro e taxativo: “Vós adorais o que não sabeis… a salvação vem dos Judeus.” Apesar de toda a novidade apresentada por Jesus e que abala todo o edifício teológico da samaritana, Jesus não tem para com ela uma palavra de condenação ou de danação. Ele apenas afirma a verdade. À semelhança da samaritana, precisamos de saber e de aceitar que a verdade vem da revelação de Deus aos patriarcas, aos profetas e aos apóstolos, revelação essa concentrada em pleno em Jesus, o dom de Deus para a humanidade.

Num segundo ponto, Jesus declara que Deus é Pai, o que indica que a relação entre nós e Deus tem de ser de intimidade porque recebemos d’Ele a Sua natureza. Não somos um corpo exógeno ou estranho para Deus. Entre Ele e nós não há anticorpos porque, como Seus filhos, partilhamos com Deus a Sua natureza. E se anticorpos surgirem, o sangue de Cristo elimina-os porque pelas Suas pisaduras fomos sarados.

Uma terceira verdade é que o momento em que podemos e devemos adorar a Deus conforme a revelação de Jesus, já chegou. “Mas a hora vem e agora é.” (v. 23). Jesus abriu o caminho para essa comunhão, iniciou esta nova era, introduzindo-nos num tempo novo quando por ocasião da Sua morte o véu do templo se rasgou.

Uma quarta verdade é que Deus não está dependente de um lugar, não está preso nem aprisionado num santuário feito pela mão de homem algum. Diz o apóstolo Paulo que nós somos o templo do Espírito Santo, o que faz todo o sentido porque se temos a natureza de Deus e se o Espírito de Cristo habita em nós, então nada mais natural que o semelhante procure o semelhante.

O que nos leva a uma quinta verdade: o Pai procura esses que assim O adorem. Deus procura-nos e como podemos escapar Àquele que tudo vê e a cujos olhos nada escapa? Se o Pai busca é porque tem interesse em nós. Para Ele somos preciosos. E que coisa maravilhosa essa quando, olhando para nós mesmos e nos achando tão falhos e tão indignos, ouvimos que Deus nos busca! Como não reagir gozosos, dispostos a tudo fazer, agradecidos porque o Seu amor nos constrange, a Sua benignidade dura para sempre e n’Ele estamos protegidos, escondidos na Sua potente mão? Por isso, a nossa resposta não pode ser outra senão actos de agradecimentos e de amor.

O nosso culto antigo exigia o recurso a bens exteriores – o sacrifício – a que renunciávamos e que quantas vezes não apresentavam a nossa impressão digital e ofertados não poucas vezes como o fruto do medo! Agora, neste culto a que Jesus nos convida a participar, entramos confiantes com uma oferta que provém não do exterior mas do íntimo de nós mesmos, sabendo que ela será aceite pelo nosso Pai que se compraz em chamar-nos Seus filhos.

Recorde-se que a mulher, percebendo o alcance das palavras de Jesus, deixa o cântaro para trás (v. 28), liberta do seu peso, e corre a anunciar esta boa nova. A palavra cântaro é a mesma do episódio de Caná. Ambas estavam ligadas ao culto antigo que exigia todo um cerimonial externo para uma aproximação  a Deus. Que à semelhança da samaritana estejamos dispostos a largar o nosso cântaro que nos prendia a tradições, a legalismos, a um culto ritualista que se erguia como uma barreira à entrada directa na comunhão com Deus.

Finalmente, a grande verdade desta revelação de Jesus – Ele diz que é possível e assim deve ser o nosso culto a Deus: “em espírito e em verdade.”

O nosso culto deve ser verdadeiro em dois sentidos: 1) não ser falso, mas ser real e 2) basear-se na verdade que é Cristo, que o mesmo é dizer que todo o nosso culto tem de estar em sintonia com os ensinamentos de Cristo.

Mas o que significa a expressão “adorar em espírito”?

Antes de tentarmos responder, recordemos que os Judeus utilizavam como sinónimo de adorar uma palavra que se referia a “servir.” Ora, servir implica dar sem esperar nada em troca. Assim, quando adoramos, estamos a ofertar um serviço. Já o Novo Testamento utiliza dois termos para “adorar.” Um conserva o significado de “servir”, enquanto o outro transmite a ideia de “prostrar-se.” Por isso, na adoração o crente tem a tendência a prostrar-se, a inclinar-se perante Deus.

Notemos que a expressão “adorar em espírito” vem no seguimento da declaração de que “Deus é espírito” e é antecedida pelo verbo “importa”, ou seja, “é necessário”, “é imperioso”, “é indispensável.” Há aqui uma relação de causa e efeito; como Deus é espírito, Ele tem de ser adorado em espírito! Ou seja, a nossa adoração, o nosso serviço a Ele tem de ter em si características que façam parte da natureza de um espírito e, neste caso, do espírito de Deus.

Então, se a única adoração agradável a Deus tem de ser “em espírito”, temos não só de conhecer as características do espírito de Deus, de conhecer a natureza íntima de Deus, como incorporar na nossa adoração essas mesmas características, porque o semelhante identifica-se com o semelhante.

Vemos então que se quisermos adorar correctamente Deus, temos de O conhecer e de ter presente que  a adoração é um serviço que Lhe prestamos a Ele e não a nós, que na adoração toda a nossa atenção e intenção têm de estar centradas n’Ele pois é Ele a quem servimos.

Se Deus é espírito, então não está dependente nem limitado por tudo quanto esteja relacionado com o mundo físico, com o mundo do relativo. Assim, Deus não está nem pode estar preso ou dependente de um lugar, de um objecto, do tempo, de uma postura especial ou de qualquer coisa cuja natureza e existência estejam dependentes e ligadas ao mundo físico. Por isso, Jesus dizia (v. 21) “que nem neste monte [Gerizim] nem em Jerusalém devemos adorar o Pai.” Não há, pois, lugares que por si só sejam sagrados porque se sagrado é o local onde Deus está, então toda a criação é sagrada porque toda ela saiu das mãos de Deus. Assim, o mais correcto seria afirmar que sagrado é o local onde Deus na Sua busca de nós nos encontrou e aí O servimos.

O que se diz do espaço, diz-se do tempo, dos objectos, de tudo quanto nos identifica como seres finitos e relativos que somos. Assim, embora te devas esforçar por te apresentar neste encontro com Deus de uma forma considerada digna, o importante é que o encontro se faça, o importante é que Deus ao te buscar te encontre. Deixemo-nos, pois, encontrar porque nesse encontro dá-se a junção de dois seres que, embora distintos, partilham algo em comum. E quando esse algo em comum se encontra, então podemos ter a certeza de que em resultado desse encontro o nosso espírito ficou mais enriquecido, ficou mais purificado. Isso é espiritualidade. Por isso, fomos chamados a ser espirituais e não meros religiosos.

Soli Deo gloria!

C. Ourique, 10.Maio.2022