OS SOFRIMENTOS DO TEMPO PRESENTE

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Ainda bem que dói! Pode parecer estranho… mas não é masoquismo nem sadismo. Quando dói significa que algo não está bem e é preciso atender aos sinais para tratar do que está a provocar dor, e ainda bem. Quem não sente dor o organismo não reage e o problema vai-se agravando até ao ponto de ser tarde demais. O médico Paul Brand que escreveu com Philip Yancey, e que era especializado no tratamento da lepra, aspirava por devolver aos seus pacientes o dom da dor. Podemos dizer que nas emoções quando dói, por exemplo quando um ente parte, doer significa que há um relacionamento de intimidade, memórias e sentimentos que foram tão significativos que chegam ao ponto de parecer que não se consegue viver sem essa pessoa. Ainda bem que dói! Em termos espirituais também é possível sentir dores relacionadas ao sentido, desígnio de propósito da vida, e à ausência de Deus, porque só Ele nos preenche e só Jesus Cristo nos reconcilia em todas essas dimensões. Ainda bem que dói!

 

A questão do pecado é muito grave, acima de tudo porque ao provocar a morte espiritual, torna o homem insensível à sua situação no que é mais significativo e essencial. Precisamos do Espírito Santo para nos apercebermos da nossa situação espiritual. É isso que Jesus diz quando promete o Consolador: “Agora, volto para aquele que me enviou, mas nenhum de vocês me pergunta para onde vou. Em vez disso, sentem apenas tristeza. Na verdade, é melhor que eu vá, porque se eu não for não virá o Consolador. Se eu for, ele virá, pois vou enviá-lo. E quando ele vier, convencerá o mundo do pecado, de que têm de contar com a justiça de Deus e de que haverá um juízo. O pecado do mundo é não crer em mim. Haverá justiça porque eu vou para o Pai e vocês não me verão mais. O juízo virá porque o chefe deste mundo já foi julgado.” (João 16:5-11 – O Livro). É por isso que todos os que são vivificados são mais sensíveis à condição espiritual da humanidade.  Ainda bem que dói!

 

A redenção, o sermos filhos de Deus em Jesus Cristo, a presença do Espírito Santo em nós, o abraço do Pai, são fatores determinantes para tratar das nossas dores, quaisquer que elas sejam. Mas a esperança que o evangelho nos incute é marcante. É do texto bíblico, na escrita do apóstolo Paulo, que retiramos o nosso título: Com efeito, considero que aquilo que somos chamados a sofrer agora nada é comparado com a glória que ele nos dará mais tarde.” (Romanos 8:18 – O Livro). O que foi no Jardim do Éden, não é o que vivemos atualmente. O que vivemos em Jesus Cristo é uma antecipação das moradas eternas, é apenas um cheirinho, um perfume – é muito bom. Mas a plenitude virá no futuro que nos está reservado ao confiarmos e obedecermos ao Deus trino – Pai, Filho e Espírito Santo.

 

“As aflições deste tempo presente não se podem comparar com a glória que em nós há de ser revelada.” (JFA). Só é possível compreender os espirituais negros nesta gloriosa esperança. Cantar como Paulo e Silas na prisão (Atos 16:25). Como Paulo que chegou a desesperar da própria vida, mas o consolo com que foi consolado por Deus, era a razão de ser do consolo que ministrava aos coríntios (2 Coríntios 1:8-11). Os heróis da fé dos quais o mundo não era digno: “Houve mulheres que receberam os seus entes queridos ressuscitados. Outros foram torturados, preferindo morrer a ficarem livres, porque esperavam, pela ressurreição, alcançar uma vida melhor. Outros foram ridicularizados, açoitados, acorrentados em prisões. Alguns morreram apedrejados, serrados ao meio; outros foram tentados a renegar a sua fé, acabando por ser mortos à espada. Houve os que andaram vagueando pelos desertos e pelas montanhas, vestidos de peles de ovelha e de cabra, escondendo-se em covas e em cavernas, sem amparo, perseguidos e maltratados. O mundo não era digno deles.” (Hebreus 11:35-38 – O Livro). Falemos dos mártires como Estêvão (Atos 7), os apóstolos, e os milhares que foram mortos e os que ainda hoje enfrentam a morte única e exclusivamente por confessarem Jesus como Senhor e Salvador. Esta esperança ainda hoje está disponível para cada um de nós no plano eterno de Deus. O próprio Jesus Cristo, o Justo que nos justificou, morreu tendo em vista o resultado futuro do seu sacrífico: “E quando vir que tudo isso foi realizado através da angústia da sua alma, verá a luz e ficará satisfeito. Por causa de tudo por que passou, o meu Servo justo fará com que muitos sejam considerados justos perante Deus, visto que levará todos os seus pecados. Por isso, lhe darei as honras de quem é grande e poderoso, pois derramou a sua alma, indo até à morte. Ele foi contado entre os transgressores, carregou os pecados de muitos e intercedeu junto de Deus pelos pecadores.” (Isaías 53:11,12 – O Livro).

 

O tempo presente não encerra toda a nossa existência. Existe em Jesus Cristo à nossa disposição uma dimensão eterna de glória. Vivamos intensamente esta bendita esperança.

 

Samuel R. Pinheiro

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O BAPTISMO DE JOÃO – Mateus 21:23-27

O Baptismo de João

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Dr. Jorge Pinheiro

 

Mateus 21:23-27

Perguntou Jesus: O baptismo de João de onde era? Do céu ou dos homens?
Na sequência do episódio em que ordena que a figueira seque por não ter figos. Jesus dirige-se ao templo onde, como era Seu hábito, se põe a ensinar, provocando uma reacção de antagonismo por parte dos responsáveis religiosos que Lhe perguntam com que autoridade exercia o Seu ministério. A isto Jesus responde com uma pergunta e exige-lhes que Lhe digam qual a origem do baptismo de João. Numa atitude de cautela, para não serem apanhados em falso com uma resposta que não contemplasse a verdade, assumem a sua ignorância quanto à origem desse baptismo. Ante isso, Jesus replica que, não tendo recebido uma resposta positiva, não se vê obrigado a revelar-lhes com que autoridade praticava o Seu ministério.

Este é o exemplo típico de um dilema que Jesus enfrentou durante o Seu ministério. Num dilema, temos de escolher entre duas resposta antagónicas e contraditórias ou insatisfatórias para a resolução do problema apresentado. Ou seja, em termos práticos qualquer das respostas que possamos dar está errada. A verdade é que, ao longo da Sua vida, Jesus enfrentou diversos dilemas, sendo talvez o mais conhecido a questão do tributo (Mateus 22:15-21). Quando Lhe perguntaram se é lícito pagar o tributo a César, depois de pedir que Lhe mostrassem uma moeda, Jesus respondeu com uma frase famosa e que muitas vezes tem sido citada fora do contexto: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Poderíamos citar outra situação em que Jesus enfrenta um dilema. Encontramo-la na tentação (Mateus 4:1-11), em que pelo menos duas das três tentações podem ser consideradas dilemáticas. Para além de outras que, a um estudo mais aprofundado poderemos encontrar nos evangelhos, pensamos que o mais emblemático e importante dilema que Jesus enfrentou ocorreu quando estava crucificado: “Se és Filho de Deus, desce da cruz” (Mateus 27:40). Poderia ter descido da cruz? Poderia e essa decisão revelaria ser não apenas o Filho de Deus e o Messias há tanto tempo aguardado. Mas Jesus permaneceu na cruz, cumprindo até ao fim o Seu papel de vítima expiatória e vicária. E garantindo não local mas universalmente, não momentânea mas eternamente que é o Salvador e o Rei dos reis e Senhor dos senhores.

Embora por norma não haja resposta para um dilema e todos quantos o enfrentam fiquem enredados na sua teia, a verdade é que Jesus sempre que confrontado com um deu uma resposta assertiva sem se deixar prender na armadilha. Porque entrar na lógica do dilema é entrar num círculo vicioso de que só se pode sair se “pensarmos fora da caixa”, aplicando o que os especialistas designam por “pensamento lateral”. O pensamento lateral estimula uma nova perspectiva e é isso que o ensino de Jesus nos aponta – perante os dilemas da vida apresentados ou não pelos sistemas que nos governam, há sempre uma nova perspectiva ao nosso dispor e que se obtém com a recomendação de Paulo em Romanos 12:1-2: não nos conformando com este mundo, mas transformando-nos pela renovação do nosso entendimento. E isso é possível porque segundo Paulo, temos a mente de Cristo (1 Coríntios 2:16). Só temos de deixar que a mente de Cristo vá ocupando paulatina e totalmente todo o nosso entendimento. Durante todo o processo, não haverá dilema que não possamos vencer.

Neste episódio, Jesus não enfrenta nenhum dilema mas é Ele quem confronta os seus adversários com um. E ao contrário dos dilemas que teve de enfrentar e aos quais respondeu positivamente, este deixa os seus oponentes sem possibilidade de resposta, porque em qualquer resposta que dessem seriam sempre achados culpados de inconsistência e toda a sua hipocrisia e falsidade seriam desmascaradas. Eles próprios o reconhecem porque se respondessem que o baptismo vinha do céu, seriam acusados de não crerem, eles que eram os profissionais religiosos e defensores da verdade celeste. Se respondessem que o baptismo era de origem humana, veriam a sua posição de privilégio ameaçada porque todo o povo considerava que João era um profeta, logo com uma mensagem e um ministério validados por Deus. Receando as consequências de qualquer das respostas optam por esconder-se atrás da ignorância. O que também não milita em seu favor porque ou não se preocupam com uma questão de primordial importância (o baptismo que apela ao arrependimento e a uma maior comunhão com Deus) ou estão mais preocupados com aquilo que é passageiro – a vanglória do poder humano. E assim a sua própria resposta os condena.

Que João Baptista era profeta a Escritura confirma porque, segundo as palavras de Jesus (Mateus 11:14), foi o Elias profetizado e que surgiria antes do grande e terrível dia do Senhor, conforme anunciara Malaquias 4:5. De resto, João Baptista, interrogado sobre quem era, limitou-se a identificar-se como a voz que clama no deserto, preparando o caminho ao Senhor (João 1:23), em cumprimento da profecia de Isaías 40:3: Voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor; endireitai no ermo vereda a nosso Deus.

É verdade que João surge como uma figura estranha e singular que foge aos modelos tradicionais. Vestido de forma simples e natural, com uma alimentação mais que frugal, escolhendo como palco da sua actuação não o cenário das grandes cidades, mas um local deserto e inóspito que exige aos que o queiram ouvir a terem de deixar o conforto da cidade e aventurar-se num lugar tão pouco hospitaleiro, a sua mensagem e prática manifestam-se com um cunho que foge às exigências normais da religiosidade tradicional. Além de anunciar uma mensagem de arrependimento porque o dia do juízo se aproxima e a vinda do Messias prometido está próxima, João Baptista faz acompanhar a declaração de decisão de arrependimento de um sinal ou prática sensível: um banho ritual. Ou seja, não basta a confissão vocal em que apenas a boca e a voz estão envolvidos, mas a decisão prática de experimentar em todo o corpo essa mesma decisão através da lavagem simbólica nas águas do Jordão.

O banho ou lavagem ritual não era coisa desconhecida entre os judeus, mas ele estava mais destinado aos sacerdotes que tinham de se purificar antes de ministrarem no templo. É verdade que todo o judeu tinha de se purificar antes de oferecer um sacrifício, mas com João Baptista, o baptismo extensivo a todo o que se arrepende abre a todos a possibilidade de também se assumirem como sacerdotes do Deus a quem prometeram servir. Esta ideia central do baptismo de João continua presente no baptismo cristão, o que significa que todo quanto é baptizado em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, se compromete a reconhecer que abandona a sua vida velha de pecado consciente e se entrega de corpo e alma à acção do Espírito de Deus que o conduzirá à prática de uma nova vida de que Cristo é o centro e a quem serve como Seu sacerdote porque, como já sabemos, somos o templo do Espírito Santo.

Ao tempo de Jesus, havia um grupo, os Essénios, que voluntariamente voltavam as costas à cidade e se juntavam em comunidade em lugares desertos e em que os banhos rituais eram praticados com assiduidade. Com toda a probabilidade João terá convivido com eles ou terá sido por eles influenciado, uma vez que, conforme Lucas 1:23, esteve nos desertos até ao dia em que havia de se mostrar a Israel. Por outro lado, a sua zona de pregação e baptismo situava-se num local onde a história prova ter existido uma comunidade essénia ou, pelo menos, com as características desse grupo. Os Essénios cuja prática faz lembrar um pouco os monges que se retiram do chamado século para viver em reclusão ou em local ermo, defendiam a necessidade de uma reaproximação de Deus, através do arrependimento das acções e atitudes que impediam uma vida santa. E a marca visível desse arrependimento e reaproximação eram exactamente os banhos rituais. Mas fosse ou não essénio, João Baptista surge não apenas como o precursor do Messias mas como o anunciador de uma prática e de uma decisão essenciais para que a vontade de Deus se cumpra na vida do crente e se torne visível e efectiva – a exigência do arrependimento. Vemos que essa foi a primeira mensagem de Jesus ao iniciar o Seu ministério: Desde então começou Jesus a pregar e a dizer: “Arrependei-vos, porque é chegado o reino dos céus.” (Mateus 4:17), essa foi a primeira mensagem no dia de Pentecostes. À pergunta da assistência “Que faremos, varões irmãos?”, Pedro responde com toda a ousadia e convicção: Arrependei-vos e cada um de vós seja baptizado em nome de Jesus Cristo para perdão dos pecados; e recebereis o dom do Espírito Santo (Actos 2:37-38). Essa tem de ser também a mensagem da igreja hoje quando anuncia o evangelho: “Arrependei-vos e aceitai Cristo como o único Mediador entre Deus e os homens”. Essa tem de ser a mensagem central para correcção de algum desvio em que entretanto qualquer crente tenha incorrido: “Arrepende-te e regressa ao caminho da santidade.” Essa tem de ser a prática que cada um de nós tem de viver diariamente: aproximarmo-nos arrependidos a Deus, sempre que entramos na Sua presença, gratos porque Ele a ninguém lança fora desde que se apresente a Ele com um coração contrito e arrependido.

Sem dúvida alguma a resposta certa ao dilema de Jesus era que o baptismo de João vem de Deus. E ao responder assim, a pergunta deixa de ser um dilema e passa a ser a confissão de uma verdade que nos abre a porta ao privilégio de sermos chamados filhos de Deus.
A Deus toda a glória!

OS SETE MILAGRES

Os Sete Milagres

Jorge Pinheiro 8Dr. Jorge Pinheiro

 
E Jesus, passando adiante dali, viu assentado na alfândega um homem chamado Mateus e disse-lhe: Segue-me. E ele, levantando-se, o seguiu. E aconteceu que, estando ele em casa sentado à mesa, chegaram muitos publicanos e pecadores e sentaram-se juntamente com Jesus e seus discípulos. E os fariseus, vendo isto, disseram aos seus discípulos: Porque come o vosso Mestre com os publicanos e pecadores? Jesus, porém, ouvindo, disse-lhes: Não necessitam de médico os sãos mas sim os doentes. Ide, porém, e aprendei o que significa: Misericórdia quero e não sacrifício. Porque eu não vim a chamar os justos, mas os pecadores ao arrependimento.

(Mateus 9:9-13)

 

Este é um capítulo que narra uma série de milagres executados por Jesus, a maioria de cura divina.

Não contando com o número indefinido de curas, registadas no versículo 35, podemos concluir que, neste capítulo, estão mencionados sete milagres individuais. Não valorizando nem atribuindo qualquer significado simbólico ao facto de serem sete, há que concluir que num texto tão breve os milagres são o seu tema dominante. E dizemos dominante porque o capítulo não se limita à referência e descrição de milagres, mas inclui ensino e polémica (vv. 12-17; 3-6).

É natural que um milagre suscite admiração e espanto e se torne motivo de discussão e, logicamente, no seu seguimento, de polémica e incredulidade.

Embora haja muitas definições de milagre, potenciadas pelas diversas palavras que o Novo Testamento utiliza para o designar, podemos definir milagre como um acto que desafia e rompe as leis naturais conhecidas à época da sua ocorrência, sejam elas explicadas ou não científica ou empiricamente.

É verdade que, em termos teológicos, esta definição de milagre é pobre e curta, mas de momento ela é suficiente, tanto mais que ajuda a perceber as reacções que os diversos milagres descritos suscitaram.

Há um traço comum em todos estes milagres, inclusive nos de um número indeterminado do versículo 35 – todos eles envolveram pessoas ou, dito de outro modo, em todos eles há pessoas beneficiadas com a acção e o resultado dos milagres. Ao contrário de outras ocasiões no ministério de Jesus em que os milagres, embora impressionando e afectando pessoas, tiveram como alvo elementos da natureza – é o caso da multiplicação dos pães e da tempestade acalmada.

No entanto, mesmo nestes, houve pessoas que, embora indirectamente, são afectadas pelos resultados dos milagres referidos.

Neste capítulo, a maioria dos milagres é de cura. Este simples facto indica que quando o crente roga ou necessita de um milagre, este não se circunscreve apenas à cura física. Sem forçar o texto, podemos afirmar que nos tempos de Jesus, devido ao facto de a medicina não estar tão desenvolvida quanto hoje, um doente ou enfermo estaria completamente dependente de um milagre para o seu restabelecimento físico. Paralelamente e sem desvirtuar o significado e natureza bíblico-teológica do milagre, podemos dizer que, em qualquer época, quando a ciência é impotente para resolver um problema, o crente em Deus tem no Criador o seu último recurso.

Podemos classificar do seguinte modo estes sete milagres:

a) cinco de cura – o paralítico (vv. 1-8); a mulher com hemorragia (vv. 20-22); os dois cegos (vv. 27-32); o mudo endemoninhado (vv. 32-34)
b) um de ressurreição – a filha de Jairo (vv. 18-19; 23-26)

Até aqui, temos seis milagres. E o sétimo qual será? Não pode ser o número indeterminado do versículo 32 por não sabermos quantos foram curados e porque, à partida, por causa disso, os excluímos desta enumeração.

Só nos resta o episódio envolvendo Mateus (vv. 6-13).

É verdade que não se trata de um milagre de cura física, mas isso não impede que o consideremos também um milagre e um milagre de transformação. Transformação de carácter, de modo de vida, de alteração de propósito de vida, de adopção na família de Deus. De facto, Jesus chama Mateus, convidando-o a deixar uma vida obscura, apagada, centrada no imediato, no terreno, muito provavelmente impregnada do engano e da injustiça. Em troca, Jesus oferece-lhe a entrada numa relação directa com aquele que tem as chaves da vida e da morte, com aquele que está acima das contingências humanas, com aquele que não apenas aponta o caminho de comunhão plena com Deus e a Sua vontade, mas que é o próprio caminho.

Trata-se, pois, de um milagre de mudança de carácter e de perspectiva de vida. Quantas vezes nos centramos nas contingências da vida, cuja resolução é justificada e aceitável e nos esquecemos de que acima de tudo, Deus, sem deixar de se interessar pela nossa contingência, está mais interessado em receber-nos em comunhão plena?

Busquemos a resolução dos problemas da nossa contingência, se for esse o caso. Não há mal nesse desejo e procura. Mas não olvidemos nem secundarizemos o nível mais importante – o nosso relacionamento com Deus, baseado e alicerçado na renovação do nosso carácter.

Curiosamente, neste 7 casos, apenas Mateus é mencionado pelo nome. Em relação aos outros, não sabemos como se chamavam. Não podemos afirmar que haja uma intencionalidade da parte do evangelista, mas se repararmos que o autor deste evangelho é o mesmo Mateus chamado por Jesus, podemos considerar esse registo não apenas como uma “assinatura”, mas também como indicação de que o episódio da sua chamada, início da sua transformação como pessoa, marcou-o profundamente. Que o mesmo é dizer que quando temos um encontro com Jesus, esse é um episódio que não somente nos marca como é fulcral no nosso viver, a ponto de querermos que o máximo de pessoas fique a par da nossa experiência de transformação em Cristo.

Neste conjunto de milagres, verificamos que eles atingem áreas fundamentais da nossa condição de seres humanos: o paralítico passa a poder locomover-se; os cegos recuperam a visão; o mudo endemoninhado volta a usar o dom inefável da fala e vê-se liberto da opressão espiritual que o diminuía enquanto ser humano; a filha de Jairo retorna à vida, numa segunda oportunidade de viver. Deus não só é um Deus de segunda oportunidade como intervém nas áreas mais sensíveis da nossa existência. Só isso já seria bastante, mas Jesus vai mais longe no caso da mulher com o fluxo de sangue. Não só lhe restabelece o equilíbrio orgânico, estancando uma hemorragia de doze anos, como lhe franqueia a porta da comunhão no Templo e a liberta de toda a vergonha e humilhação.

Uma hemorragia persistente é uma doença que deixa a pessoa depressiva porque se sente envergonhada e rejeitada. Hoje, há possibilidade de ocultar os sinais exteriores evidentes de um episódio hemorrágico persistente, com o recurso a pensos e tampões. No tempo de Jesus, essa era uma solução quase inviável e sem retorno.

Acresce que, no caso da mulher, a lei considerava-a impura enquanto a hemorragia persistisse e obrigava-a a um período de nojo que se prolongava para lá do momento da interrupção da hemorragia. É o que encontramos em Levítico 15:25 (A mulher, quando manar o fluxo do seu sangue por muitos dias, fora do tempo da sua separação, ou quando tiver fluxo de sangue por mais tempo do que a sua separação, todos os dias do fluxo da sua imundície será imunda como nos dias da sua separação). Pelo código religioso da época, isso implicava que, na sua condição de impura, a mulher não podia ir ao Templo nem toar em ninguém. Para além da vergonha sentida pela sua condição, a mulher via-lhe rejeitada a possibilidade de uma comunhão plena com a comunidade a que pertencia, que o mesmo é dizer que tal situação era sinónimo de exclusão e rejeição.

Acresce ainda que este milagre ocorre quando Jesus é chamado para satisfazer o pedido de Jairo, um dos responsáveis religiosos. Não é Jesus que se dirige propositadamente à mulher, mas é a mulher que se aproxima de Jesus, em quem não apenas vê a solução mas o único que a pode libertar da situação em que se encontrava.

O que nos indica que Jesus não está tão ocupado com os outros que não possa atender a um pedido inesperado e dramático. Porque, mesmo com a multidão a apertá-Lo, Jesus sabia que a mulher Lhe tocara porque, conforme diz Lucas (8:45-46), conheceu que de si saíra virtude.

O que também nos indica que, num momento de desespero, como era o caso de Jairo, embora atendendo a outras situações, Jesus não se esquece do nosso pedido de angústia nem da angústia dos nossos pedidos.

E se cremos que Ele é o mesmo ontem, hoje e eternamente (Hebreus 13:8), então recorramos sempre a Ele, sabendo que o Seu braço não está encolhido (Isaías 59:1) a ponto de não nos poder socorrer.
SAC, 20.04.2021

OS DOIS SEGREDOS

Os Dois Segredos

Jorge 2022-1Dr. Jorge Pinheiro

 

E tendo nascido Jesus em Belém de Judeia, no tempo do rei Herodes, eis que uns magos vieram do oriente a Jerusalém, dizendo:

– Onde está aquele que é nascido rei dos Judeus? Porque vimos a sua estrela no oriente e viemos adorá-lo.

E o rei Herodes, ouvindo isto, perturbou-se e toda Jerusalém com ele. E congregados todos os príncipes do povo, perguntou-lhes onde havia de nascer o Cristo. E eles disseram:

– Em Belém da Judeia, porque assim está escrito pelo profeta: “E tu, Belém, terra de Judá, de modo nenhum és a menor entre as capitais de Judá, porque de ti sairá o Guia que há-de apascentar o meu povo de Israel.”

Então, Herodes, chamando secretamente os magos, inquiriu exactamente deles acerca do tempo em que a estrela lhes aparecera. E, enviando-os a Belém, disse:

– Ide e perguntai diligentemente pelo menino e, quando o achardes, participai-mo para que também eu vá e o adore.

E, tendo eles ouvido o rei, partiram. E eis que a estrela que tinham visto no oriente ia adiante deles, até que, chegando, se deteve sobre o lugar onde estava o menino. E vendo eles a estrela, alegraram-se muito com grande alegria. E, entrando na casa, acharam o menino com Maria sua mãe e, prostrando-se, o adoraram. E, abrindo os seus tesouros, lhe ofertaram dádivas: ouro, incenso e mirra.

E sendo por divina revelação avisados em sonhos para que não voltassem para junto de Herodes, partiram para a sua terra por outro caminho.
Mateus 2:1-12
Este texto refere dois dos grandes mistérios/segredos do Natal, os magos e a chamada estrela de Belém, ambos inter-relacionados. Não há magos sem estrela e não há estrela sem magos.

Deixando de lado a questão de saber se este relato da Natividade é histórico ou meramente literário-simbólico, centremos a nossa atenção primeiro na estrela e, depois, nos magos. Se considerarmos que é histórico, então teremos de concluir que houve de facto uns magos guiados por uma estrela que os guiou até à terra da Judeia. Se considerarmos que é literário-simbólico, o evangelho segundo Mateus não deixa de ser fiável no tocante à Natividade, uma vez que, tendo por base um facto histórico, interpreta-o à luz do seu simbolismo e descreve-o com um timbre literário. Na realidade, há uma como que preocupação de Mateus em interpretar a trajectória de Jesus desde o Seu nascimento, à luz da Revelação anterior transmitida pelos profetas. E a prova disso são as diversas citações que ele faz da Escritura, afirmando com isso que aquela personagem actua no cumprimento do que dela já estava profetizado. Naturalmente que nesta perspectiva toda a descrição virá recheada de simbolismos que a audiência a que este evangelho se destinava não teria dificuldade em identificar e interpretar. Pondo de lado os magos e a estrela, que podemos considerar uma unidade conceptual, tudo o resto tem base histórica, devidamente comprovada: as cidades (Belém e Jerusalém), a terra (Israel), o poder político-religioso (Herodes, sacerdotes e escribas), o rigor profético (Miqueias 5:2), os guardiões da Revelação (sacerdotes e escribas). Inclusive, até, a marca de oportunismo político de Herodes, o Grande, que a História bem atesta.

Comecemos pela estrela de Belém. Ainda hoje, o mistério permanece e não se pode afirmar com garantia e certeza do que se tratava. Por isso, temos de nos contentar com as diversas hipóteses, restando-nos a opção de escolher a que mais nos agrada ou vai de encontro às nossas convicções preconcebidas ou não. Sem nos preocuparmos em pormenorizar essas diversas opções, podemos reduzi-las a quatro: um fenómeno sobrenatural, um cometa, uma supernova ou uma conjunção de astros celestes. Cada uma delas tem os seus defensores desde a Antiguidade aos nossos dias. Se todas as explicações naturais falharem, há sempre o recurso a uma intervenção sobrenatural, uma vez que o sobrenatural tudo explica e, por vezes, nada explica, antes complica. Das outras três, descartemos o cometa, porque era considerado um sinal maléfico, o que não condiz com o carácter benfazejo do nascimento do menino. Das outras duas, a que acaba por ter mais peso e é a minha preferida, é a da conjunção de planetas, no caso vertente, a de Júpiter e Saturno na constelação de Peixes, que ocorrera antes da morte de Herodes, o Grande em 4 a.C. e que se repetiria por outras duas vezes, uma delas a que se terá juntado a estrela Régulo. A interpretação astrológica (os Magos, como veremos, eram astrólogos) está em consonância com a afirmação da certeza dos Sábios do Oriente: “Onde está o que é nascido rei dos Judeus, porque vimos a sua estrela?”

Passemos aos Magos. A tradição fê-los reis, deu-lhes nome e considera-os em número de três, muito provavelmente por causa dos presentes oferecidos ao Menino: ouro, incenso e mirra. Há até uma lenda piedosa que fala de um quarto mago que se terá perdido dos companheiros e, vagueando durante anos pelo Oriente, acaba por se encontrar com Cristo a caminho do Gólgota. Mas atendo-nos ao texto, verificamos que todas essas afirmações são fruto da Tradição ou da imaginação piedosa. Na verdade, o texto não nos diz que eram reis, nem três e é omisso quanto ao seu nome. Dele, inferimos que eram sábios astrólogos-astrónomos, que vieram do Oriente, que ofertaram os produtos atrás citados, que viram um fenómeno celeste no Oriente interpretado segundo os seus conhecimentos. Também ficamos a saber que, ao contrário das representações de alguns presépios, quando se encontraram com o Menino não foi na manjedoura, mas numa casa e provavelmente seria um bebé cuja idade não ultrapassaria os dois anos, uma vez que Herodes manda matar as crianças de dois anos para baixo. Ficamos também a saber que a “estrela” lhes aparece duas vezes: uma no Oriente e outra na região de Belém da Judeia, o que dá força à hipótese da conjunção de astros que, sendo a de Júpiter e Saturno, ocorreu pelo menos duas vezes. Sendo Júpiter indicador do deus supremo e Saturno considerado o imutável, reunidos na constelação de Peixes, considerada a constelação do deus da sabedoria e do povo judeu, seria fácil a um astrólogo chegar à mesma conclusão dos Magos: na terra dos Judeus nasceu um rei sábio e imutável. É verdade que eles apenas referem “ao que é nascido rei dos Judeus”, mas sendo à época normal considerar os reis como divinos e estando a sabedoria ligada a Deus ou aos deuses, o “sábio e imutável” torna-se implícito a este rei.

Os Magos provavelmente seriam naturais da Pérsia e sacerdotes da religião de Zoroastro, o que não deixa de ser especulação. O que não é especulação é o facto de eles serem astrólogos-astrónomos e de se terem servido dos seus conhecimentos para chegarem à conclusão de que nascera o rei dos Judeus. O facto de serem astrólogos-astrónomos não nos deve surpreender pois à época não se estabelecia diferença entre os dois conhecimentos. Apenas a partir da revolução científica na Europa, por volta do séc. XVIII, é que a astronomia se autonomizou em relação à astrologia. Basta pensar que Copérnico e Képler (sécs. XVI e XVII, respectivamente), considerados pais da astronomia científica moderna eram eles também astrólogos. À época dos magos, o estudo científico dos astros, dos seus movimentos e inter-relações (registo astronómico) andava de mãos dados com as superstições do destino de pessoas e coisas ditado pelas posições dos astros no horizonte celeste (registo astrológico).

Estas são as conclusões a que podemos chegar após uma breve leitura e análise do texto de Mateus. Estando estes dois elementos da Natividade envoltos em mistério, fácil é cairmos na tentação de nos preocuparmos com a sua resolução e de nos perdermos em especulações, esquecendo-nos daquilo que é muito mais importante que determinar a origem dos magos e a natureza da estrela. Na realidade, embora envoltos em mistério e com toda a probabilidade em simbolismo, este episódio encerra lições que essas, sim, nos devem interessar e às quais devemos prestar toda a atenção, fazendo bem em aplicá-las ao nosso viver.

A primeira lição a aprender é que, na busca da verdade, é essencial colocarmos o registo evangélico no centro da nossa busca e extrair dele aquilo que de facto é fundamental e não acessório, seguro e não especulativo, perene e não transitório. No tocante à descoberta da Verdade, o nosso espírito tem de se deixar mergulhar na Palavra da Revelação porque é ela que nos esquadrinha o mais íntimo do nosso ser e nos dirige nos caminhos da verdade. De resto vemos isso no percurso dos magos. O seu conhecimento levou-os ao destino final, mas desembocaram num beco sem saída porque embora no local certo, foram à procura da resposta final na pessoa errada. O que nos diz que Deus nos fala na linguagem que entendemos e que dominamos. A linguagem, dos magos era a astronomia e foi nessa linguagem que Deus lhes falou e os guiou ao destino certo. Mas o seu conhecimento humano precisou da revelação divina para chegar àquele que era o anseio do seu saber e o destino final da sua caminhada. De igual modo, em aplicação do que a epístola aos Hebreus declara de que Deus fala muitas vezes e de muitas maneiras, Deus fala connosco segundo a linguagem do nosso conhecimento individual, desde que o coloquemos ao serviço daquele que tem a palavra final. E quantas vezes Deus não nos tem falado na linguagem do nosso saber? Que à semelhança dos magos coloquemos o nosso saber e o nosso conhecimento nesta caminhada ao encontro do Senhor da vida, o Rei eterno e imutável. Mas seguros também de que onde o nosso conhecimento falha, aí começa a intervenção da revelação. O que nos indica que conhecimento e revelação não são incompatíveis, mas complementares e que aquele sem esta leva sempre a um beco sem saída.

À semelhança dos magos, por vezes o nosso conhecimento pode levar-nos ao lugar errado. No caso dos Magos, levou-os ao centro do que podemos considerar a sede das teorias da conspiração. Os Magos abeiraram-se de Herodes, o Grande que, manhosamente, os procurou enfeitiçar com palavras piedosas: “Procurai diligentemente o menino para que eu também vá e o adore”. Ou seja, os Magos pocuraram no poder político a resposta para as suas indagações. E mal vai o Cristianismo quando tem de depender do poder político, seja ele qual for, para que a sua mensagem seja validada e ratificada. O rei do Cristianismo não pode ser outro senão aquele que é o cumprimento das Escrituras, não pode ser outro senão aquele que tem o respaldo da Revelação, não pode ser outro senão aquele que detém as chaves da sabedoria divina perene e permanente. O seu nome é Jesus! E embora ouvindo uma mensagem herodiana adocicada e na aparência de uma piedade louvável, os magos não perceberam que era uma mensagem enganadora porque por trás dela residia uma conspiração para matar o recém-nascido rei que Herodes catalogou de seu rival. Por isso, podemos afirmar que os Magos estavam perante uma teoria da conspiração. Toda a teoria da conspiração é criminosa e assassina e mal vai o Cristianismo e mal vão os Cristãos quando se deixam embalar por teorias da conspiração por mais doces que sejam, por mais piedosas que na aparência possam ser. De novo, os Magos necessitaram de uma intervenção divina para lhes revelar as verdadeiras intenções de Herodes. Avisados por divina revelação foram para a sua terra por outro caminho. Que à semelhança dos Magos, os Cristãos do nosso tempo possam estar atentos à verdadeira revelação divina no desmascarar dos falsos Messias modernos que, com as suas palavras doces e pretensamente piedosas, querem levar os filhos de Deus ao engano. Tenhamos, pois, os nossos ouvidos atentos ao que Deus revela e leiamos a Sua Palavra não segundo os decretos do coração humano mas segundo o espírito meigo e salvador de quem deu a Sua vida por nós, nunca esquecendo o que Ele disse: “O meu reino não é deste mundo. Se fosse deste mundo, os meus fiéis guerreariam por ele.” O reino de Deus não se impõe pela força, mas pela convicção dos corações através da acção do Espírito Santo.

Uma outra lição que aprendemos com os magos é que eles não se limitaram a ir ao encontro do rei nascido de mãos vazias e estribados no seu conhecimento e saber. Chegando-se à casa onde se encontrava o rei menino, adoraram-no e ofertaram-lhe dádivas. Podemos ver um simbolismo nessas oferendas. Sem menosprezo por outras interpretações, podemos considerar o ouro como reconhecimento da Sua realeza, o incenso, como confirmação do Seu sacerdócio e a mirra como confissão da Sua posição de profeta e prenúncio da Sua morte vicária em favor de toda a humanidade. Cada uma dessas oferendas valiosas reconhecia um aspecto do carácter, da missão e do valor do rei-menino junto de quem colocavam não apenas o produto das suas cogitações, mas também toda a sua pessoa, numa atitude de serviço e reverência. Que nós também nos aproximemos daquele que é rei, sacerdote, profeta e Salvador não de mãos vazias mas com o tributo da nossa adoração e a rendição da nossa posição de seres humanos.

Curioso também é verificar que estes magos não sendo provavelmente judeus, seriam por isso gentios, gente de outra nação, de outra etnia. E neste facto, temos uma outra lição a aprender – aquele que consideramos nosso Rei é o soberano não de uma classe especial ou de uma etnia eleita, mas de toda a humanidade, pelo que, como cristãos, está-nos vedado enveredar pelos caminhos do racismo, da xenofobia ou da segregação com base em alguma diferença, seja ela de género ou de posição sócio-económica ou cultural. Por isso, Paulo podia clamar: “Nele não há judeu, não há gentio, não há masculino nem feminino, não há servo nem livre”. Todos têm entrada livre no Reino de Deus. Apenas temos de nos curvar perante aquele que é Rei deste Reino e ofertar-lhe em primeiro lugar a nossa vida e a nossa devoção.

Ligada aos magos está uma estrela. Muito provavelmente Mateus teria presente o texto de Números 24:17, também conhecido como a Profecia da Estrela: “Uma estrela procederá de Jacob e um ceptro subirá de Israel”. A ser assim, isso explicaria a inclusão da estrela no seu relato natalício. Seja como for, uma estrela guiou os magos e ela levou-os sem falhas ao destino que era o seu. Ela foi como que o seu farol a indicar-lhes o caminho. E ainda que por momentos oculta, no momento da decisão final voltou a aparecer-lhes, desta vez parando sobre o local da sua busca. Que à semelhança dos magos tenhamos os olhos fixos na estrela que guia os nossos passos, sabendo que mesmo quando não a vemos ou por impossibilidade pessoal ou porque por algum outro motivo ela mesma se ocultou, ela continua no céu da nossa vida a guiar-nos e irá aparecer de forma segura para nos mostrar já não o caminho, mas o lugar de repouso e de encontro. Dos vários títulos atribuídos a Jesus, um deles é o que encontramos no livro de consolação de João, o Apocalipse, a Estrela da manhã, conforme vemos em Apocalipse 22:16: “Eu sou a raiz e a geração de David, a resplandecente estrela da manhã.” Ele é a nossa estrela da manhã. Não uma estrela qualquer, mas, note-se, a resplandecente Estrela da Manhã. O seu brilho é o mais intenso que possamos imaginar e Ele guia os nossos passos, o nosso caminhar vacilante ou ousado, em tempos de fartura ou de penúria, em tempos de refrigério ou em tempos de angústia. E é curioso que é num livro de consolação, o Apocalipse, que os homens transformaram num livro de terror, que encontramos este título magnífico – o nosso rei é a nossa estrela da manhã. O seu brilho é próprio, não é reflectido, é intenso, brilhando na escuridão das nossas incertezas. Com Ele, nasceu um novo dia, que, como diz o hino, será um dia de justiça, um dia de verdade, um dia em que haverá na Terra a paz, em que será vencida a morte pela vida e a escravidão enfim acabará. Este é o nosso rei. A ele queremos servir.

Soli Deo gloria

SAC, 9.Dez.2020