SÍNTESE

SÍNTESE

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Revelação natural (Salmo 19), escrita (2 Timóteo 3.16), e pessoal (João 1:1-18; Hebreus 1:1,2; 1 João 1:1-4) de um Deus pessoal, distinto da natureza, omnipotente, omnisciente, omnipresente, santo, soberano, amoroso, justo, misericordioso, gracioso (Génesis 1:1). Não dependemos da nossa opinião, do nosso ponto de vista, do nosso relativismo, da nossa imaginação, dos nossos critérios, dos nossos achismos no que diz respeito à essência da nossa existência, da nossa conduta, das nossas origens e da nossa finalidade. Deus não é um ser sozinho. Deus é um ser trino. A “família” divina aponta-nos para um relacionamento de amor absoluto e eterno. A paternidade divina com um amor que excede em muito o amor de mãe é muito significativa à luz da experiência humana, mas muito mais como orientadora dessa mesma vivência (Isaías 49:15,16). Em Jesus Cristo, pelo Espírito Santo, podemos chamá-Lo de “Abba Pai” – paizinho (Gálatas 4:6). Deus é um Deus relacional. Ser pessoa só é verdadeiramente possível diante da pessoalidade divina. Não é da matéria ou da energia que retiramos essa compreensão.

 

Sentido, razão de ser, propósito e desígnio para a vida. Não somos resultado do acidente, do acaso, do nada e do absurdo. A vida é um mistério com sentido quando vivida a partir de Deus (Efésios 1). Só em Deus temos sentido e propósito. Não somos nós que podemos inventar o nosso desígnio. Não fomos nós que nos criámos e fizemos, e em última instância não somos sequer nós mesmos que nos sustentamos. Existimos e continuamos a existir em Deus (Actos 17.28). Como geração de Deus não O podemos confundir com a matéria ou a energia em bruto ou manipulados pela arte e imaginação do homem, em forma de ídolo (Actos 17.29).

 

Dignidade, identidade, auto-estima como criação à imagem e semelhança de Deus (Génesis 1:27). Nós prestamos apesar das consequências históricas e globais causadas pelo uso errado do livre-arbítrio (Génesis 2:9). Nós não somos o Criador e Sustentador nem de nós mesmos nem do planeta e do universo em que vivemos, não somos nós que podemos estabelecer ou alterar os princípios que a eles presidem e que se inserem na natureza do próprio Deus. Fomos criados para Ele e nada há melhor do que isso. Não podemos viver sem Ele e a vida só vale a pena mergulhados, dominados, absorvidos, encharcados do Seu amor e da Sua graça em santidade e justiça. Por e em Jesus sabemos isso perfeitamente. Deus não se impõe, apesar de não podermos existir sem Ele. Fomos criados podendo rejeitá-Lo, embora não possamos dar um passo sem ser pelo Seu sopro. (Actos 17:16-34)

 

Explicação da actual condição humana relativa à presença do mal, da maldade, da dor, do sofrimento, da doença, das catástrofes, da violência, da guerra, do egoísmo, da vingança e da morte, bem como do bem, da solidariedade, da bondade e da vida à luz da liberdade e da responsabilidade humana. O egocentrismo, o orgulho, a soberba, a arrogância e a pseudo-auto-suficiência do homem é a raiz do pecado, de onde brotam todos os pecados, toda a injustiça, toda a violência, todos os crimes, toda a imoralidade, toda a ofensa, toda a ruína, toda a destruição. Não é possível viver inconsequentemente contra a vontade e a natureza santa de Deus. O salário do pecado é a morte, separação de Deus e do Seu plano e propósito. Deus é o Criador e o sustentador, o Legislador e o Juiz, o Senhor e o Salvador, o Redentor e o Consumador. (Romanos 1:18-32)

 

O modelo perfeito de amor, graça, justiça, santidade em Jesus Cristo, Deus feito homem (100% Deus e 100% homem). Deus não é um ser distante, ausente, insensível, alheado da Sua criação. Deus fez-se à nossa imagem, sendo nós à Sua imagem, degradada pelo pecado. O que é um testemunho poderoso e elucidativo de quem Ele é e de quem nós somos, da Sua magnanimidade e do nosso valor n’Ele. Deus não desistiu de nós. Deus entrou na nossa história. Deus fez-se um de nós. Deus provou a nossa condição, menos no pecado. Deus assumiu sobre Si as consequências eternas do nosso pecado. Deus sabe que sofremos e provou o nosso sofrimento. O nosso Deus sabe por experiência própria o que são as consequências da nossa condição pecaminosa. (João 1:1-18; 1 João 1:1-4)

 

Um meio pessoal de acesso directo a Deus por Jesus Cristo, na certeza absoluta de perdão e reconciliação, em que o homem pode ser feito nova criação, filho de Deus pela graça e mediante a fé, que não depende em nada dos méritos ou virtudes humanas (Efésios 2.8-10; 1 Timóteo 2.5). Em Jesus Cristo Deus veio ao nosso encontro e através d’Ele nós vamos ao encontro de Deus. O Seu absoluto e incondicional amor bem como a Sua justiça ficaram bem explícitas na cruz em que Jesus morreu em nosso lugar. A Sua morte substitutiva, redentora, expiatória, vicária e justificadora é o ponto central da História e da eternidade. Toda a singularidade do Evangelho radica na revelação de que o próprio Deus, o Criador e Sustentador de todas as coisas, o Legislador e o Juiz supremo morreu no lugar do réu. Nada de maior pode ser inventado pelo homem. O mistério da cruz, guardado no coração divino desde antes da fundação do mundo, é a nossa salvação. Mas o Filho de Deus não ficou prisioneiro da morte, Ele venceu. Cristo ressuscitou. A vida eterna está ao nosso alcance. O maior de todos os pecados é rejeitar o perdão divino. A condenação eterna do homem não ficará a dever-se aos seus pecados, mas à recusa do perdão gracioso que Deus nos estende em Cristo. (João 3; João 14:1-15; 2 Coríntios 5:17-21)

 

Uma mensagem regeneradora, libertadora e portadora de saúde, que gera fé em Jesus Cristo, o autor e consumador dessa fé que é confiança, submissão e dependência incondicionais. Espírito, alma e corpo; mente, afectos, emoções e vontade abrangidos pela acção salvadora de Cristo. Deus é um Deus de milagres. Desde o milagre da vida ao milagre do novo nascimento, passando pelos milagres de conservação da criação, da cura do corpo e da mente, dos afectos e das emoções, da vontade e dos relacionamentos. (Marcos 16:14-18)

 

Declaração Universal de valores de santidade, amor, perdão e serviço inscritos milenarmente nos textos da Bíblia dos quais se destacam os Dez Mandamentos (Êxodo 20:1-17) e o Sermão da Montanha (Mateus 5-7). Tanto um como outro, bem como todo o relato bíblico, brotam do inexcedível amor de Deus (1º Coríntios 13).

 

Um ideal com valor eterno de construção do reino de Deus em que o amor é a lei e reúne todos os que aceitam Jesus Cristo como Salvador e Senhor e que é a Igreja.

 

Um compromisso de amor incondicional, sacrifício abnegado, renúncia, tolerância e verdade em amor na construção do Reino de Deus. (Mateus 10:34-39; Mateus 11:28-30)

 

A presença constante do Espírito Santo para uma vida de crescimento contínuo segundo o carácter de Cristo, habilitando-nos com todos os recursos necessários ao projecto do Reino. (1 Coríntios 12:1-11; Gálatas 5:16-26)

 

Esperança relativa ao futuro, de “novos céus e nova terra em que habitará a justiça eternamente” e que depende única e exclusivamente do Criador, Sustentador, Redentor e Consumador de todas as coisas. (2 Pedro 3:13; Apocalipse 21:1)

 

Samuel R. Pinheiro

BEM-AVENTURADOS OS QUE NÃO VIRAM MAS CRERAM

BEM-AVENTURADOS OS QUE NÃO VIRAM MAS CRERAM

Esta afirmação de Jesus surge no contexto da Sua ressurreição quando apareceu aos discípulos na ausência de Tomé. Ficou proverbial relativamente a este discípulo a 2022fev14 ADbenfica fotosCatarinaSousa - 3expressão “ver para crer”. Entretanto Jesus correspondeu à dúvida honesta e sincera do apóstolo Tomé. Entrou no espaço em que eles se encontravam, sem bater à porta, e sem necessidade que Lhe abrissem a porta. Apresentou ao discípulo incréu as evidências que Ele reivindicava e logo que o fez surge a confissão “Senhor meu e Deus meu”. Jesus mostrou-lhe as marcas da Sua morte que O identificavam como sendo Ele mesmo. E acrescentou: “Porque viste, creste? Bem-aventurados os que não viram mas creram” que nos serve de título.

Em primeiro lugar Jesus não nega as evidências necessárias a quem honestamente apresenta as suas dúvidas e hoje essa circunstância serve-nos de base para esclarecer interrogações que são legítimas. Sabemos que Jesus ressuscitou e o registo que nos foi deixado é suficientemente esclarecedor. É interessante verificar que na primeira visita que Jesus realizou aos Seus amigos mais chegados no primeiro dia da semana, estando as portas da casa trancadas com medo dos judeus “mostrou-lhes as mãos e o lado”, depois da saudação: “Paz, seja convosco”. A exigência de Tomé vem em linha com o que Jesus já tinha feito espontaneamente! A diferença é que Tomé não apenas queria ver, mas queria tocar: “Se eu não vir nas suas mãos o sinal dos cravos, e ali não puser o meu dedo, e não puser a minha mão no seu lado, de modo algum acreditarei.” (João 20:25, ARA)

Em segundo lugar há o livre-trânsito de Jesus junto dos discípulos. Comparece porque está antecipando o momento em que será assumpto ao céu e conforme a Sua promessa estará na presença de dois ou três que se reúnam no Seu nome (Mateus 18:20). A dimensão relacional a que somos chamados por Ele. Entra sem necessitar de bater à porta e de que a porta Lhe seja aberta. Dois aspetos singulares de que na vivência dos Seus seguidores Jesus não precisa de pedir licença para entrar como acontece com os nossos amigos mais íntimos. Ele entra. Não existem datas especiais, não é apenas ao domingo ou dias feriados. Não existem dias santos no calendário religioso, não são precisas liturgias ou cerimoniais para que Ele se manifeste, não é necessário um lugar ornado de peças de valor incalculável, basta o nosso aposento. Não existem obstáculos que possam impedir a Sua presença. Na cela de uma prisão, na cama de um hospital, no cadafalso das perseguições movidas pelos poderes das trevas do obscurantismo, nas profundezas do mar ou dentro de uma nave espacial – Ele está presente na vida de todos os que O receberam. Não há muros que Lhe possam barrar a presença e a ação. Ei-Lo junto dos discípulos que se vão habituando a essas passagens inesperadas e esse trânsito do transcendente e do imanente, entre o espiritual e o físico.

Em terceiro lugar temos a presença de Tomé o ausente, agora presente. Jesus não depende de presenças e de ausências. Ele aparece pura e simplesmente. O discípulo já não precisa das marcas, mas ainda assim elas são apresentadas. A fisionomia de Jesus era suficiente ou a fé que desponta pelo aparecimento inusitado cresceu. Mas Tomé vai mais longe e faz uma declaração central no Evangelho sobre a identidade de Jesus: “Senhor meu e Deus meu”.

Em quarto lugar Jesus aproveita a ocasião para fazer a ponte em relação ao futuro próximo: “Bem-aventurados os que não viram mas creram”. Hoje como ontem nós fazemos parte dessa multidão incontável de crentes que não viram mas creem. Não cremos no vazio, não cremos por crer, não cremos de forma ignorante ou crédula. Cremos porque os factos foram registados, cremos porque ao crer a manifestação divina aconteceu em nós, cremos porque não podemos deixar de crer. Mas, no caso dos Apóstolos, o que eles viram com os seus próprios olhos levou-os a estarem dispostos a morrer na expectativa das moradas que Jesus prometeu iria preparar. Não podiam negar o que era evidente. As suas vidas foram transformadas e tocadas pelo poder do Altíssimo. Eles sabiam de facto que Jesus ressuscitou e isso muda tudo! Foi assim que um meu aluno confessou quando coloquei o cenário da ressurreição face ao hipotético vazio da vida, ao sem sentido e ao absurdo que a obra de Virgílio Ferreira Aparição elabora. ISSO MUDA TUDO!

Hoje Jesus está à porta da vida de cada um que ainda não O recebeu ou dos que já O receberam, mas entretanto O “despejaram”: “Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa, e cearei com ele e ele comigo.” (Apocalipse 3:20).

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Samuel R. Pinheiro
Diretor de Publicações

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A LOUCURA DE DEUS

“Eu sei bem como parece loucura, para os que estão perdidos, dizer que Jesus morreu 2020junho28 ADbenfica - 2peqna cruz para os salvar.” (1 Coríntios 1:18 – O Livro). Palavras do primeiro século, no berço da Igreja cristã, face à cultura grega. A própria necessidade de salvação é ofensiva para uma mentalidade humanista em que o homem ocupa o centro de todas as coisas. Hoje em dia carrega consigo a filosofia evolucionista, ou seja tudo o que existe é resultados das forças cegas da natureza, em que tudo surgiu do nada, a vida da não vida, o orgânico do inorgânico, a inteligência da não inteligência, do mesmo modo a linguagem, a consciência, a ética e a moral. Habilitado de um cérebro que continua a ser para todos nós um mistério, com um esforço titânico para se descobrir, conclui que a inteligência apenas nos tem a dizer que tudo é sem sentido. Na realidade se o homem é resultado das energias aleatórias da matéria a ideia de salvação é patética. Levando até às últimas consequências o raciocínio ficam justificados o holocausto, os gulags, os genocídios, os infanticídios; o que vale é o interesse particular dos mais fortes. A situação ainda fica mais disparatada para o homem natural quando essa salvação é resultado da morte de Jesus.

“Contudo, para nós que estamos salvos, isso é a expressão do poder de Deus”. (18 – O Livro). A diferença do raciocínio do homem e a sabedoria de Deus, tem o tamanho do pecado humano. Tudo muda de figura quando Deus entra em cena. Em vez de uma evolução temos a queda em que o homem ficou desfigurado, corrompido, por causa da sua desobediência. Mas Deus veio em nosso socorro. Não foram os pregos que prenderam Jesus à cruz, mas o Seu amor pela humanidade. O poder desse amor nos liberta para uma nova vida segundo Deus.

“O que dizer então desses sábios, desses especialistas na Lei, desses comentadores das grandes questões mundiais? Deus tornou a sua sabedoria em loucura. Porque Deus, na sua sabedoria, determinou que o homem não o encontraria por meio da sua inteligência, mas que haveria de salvar todos os que cressem nele mediante a loucura da pregação.” (20,21 – O Livro). É preciso ser muito inteligente para entender as teorias humanas, as filosofias, a ciência e a tecnologia. Se Deus tivesse determinado que assim fosse no plano da salvação, só os que nascem com um coeficiente de inteligência superior, é que entenderiam o plano da salvação. Teríamos que ser Deus para captar toda a sabedoria, toda inteligência, todo o conhecimento divino. Somos criação inteligente e o que nos é requerido é que humildemente, no reconhecimento das nossas limitações, acolhamos o Seu plano de salvação. O problema não está do lado de Deus, mas do nosso. Estamos espiritualmente falidos diante do Criador. Toda a inteligência do homem pode levá-lo à Lua, mas não chega para levá-lo a Deus. Até uma criança entende isso quando segura a mão do pai, ou quando pede à mãe para fazer o que ela não consegue. Foi isso que Deus fez. Na Sua passagem por esta terra Jesus exclamou: “Naquele momento, Jesus, cheio da alegria do Espírito Santo, disse: ‘Pai, Senhor do céu e da Terra, graças te dou por teres escondido estas coisas aos instruídos e aos sábios e as revelares às criancinhas. Sim, obrigado, Pai, pois foi assim que quiseste!’” (Lucas 10:21 – O Livro). Não se trata de um elogio à ignorância e estultícia, mas precisamente o contrário. É a exaltação da sabedoria divina que só se alcança com um coração humilde e singelo. A este propósito Jesus nos apela: “Aprendam de mim, porque sou brando e humilde, e acharão descanso para as vossas almas.” (Mateus 11:29 – O Livro). E o apóstolo Paulo por seu turno quando dirige uma carta aos Romanos exclama em adoração: “Como é imensa a riqueza de Deus e a sua sabedoria e ciência! Quem poderá explicar os seus planos e compreender os seus caminhos! Bem diz a Escritura: Quem é que conheceu os pensamentos do Senhor? Ou quem lhe serviu de conselheiro? Quem antes deu algo a Deus para que isso lhe seja retribuído? É que tudo veio de Deus e tudo existe por ele e para ele. A Deus seja dado louvor para todo o sempre. Ámen.” (11:33-36 – BPT). Sejamos sábios na sabedoria de Deus.

“Os judeus pedem sinais milagrosos e os gentios procuram sabedoria. Mas, quanto a nós, pregamos que Cristo foi crucificado, os judeus escandalizam-se e os gentios dizem que é loucura.” (22, 23 – O Livro). O escândalo e a loucura de religiosos e filósofos, são estultos, porque a o problema espiritual é nosso, e só Deus tem o poder de o resolver segundo a Sua natureza de amor e justiça. O amor de Jesus sem medida, satisfez a justiça divina, e reconciliou com Deus todos os que tomam estas coordenadas como base da sua vida. Em Jesus somos salvos! Bendita loucura e escândalo!

Samuel R. Pinheiro

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OS SOFRIMENTOS DO TEMPO PRESENTE

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Ainda bem que dói! Pode parecer estranho… mas não é masoquismo nem sadismo. Quando dói significa que algo não está bem e é preciso atender aos sinais para tratar do que está a provocar dor, e ainda bem. Quem não sente dor o organismo não reage e o problema vai-se agravando até ao ponto de ser tarde demais. O médico Paul Brand que escreveu com Philip Yancey, e que era especializado no tratamento da lepra, aspirava por devolver aos seus pacientes o dom da dor. Podemos dizer que nas emoções quando dói, por exemplo quando um ente parte, doer significa que há um relacionamento de intimidade, memórias e sentimentos que foram tão significativos que chegam ao ponto de parecer que não se consegue viver sem essa pessoa. Ainda bem que dói! Em termos espirituais também é possível sentir dores relacionadas ao sentido, desígnio de propósito da vida, e à ausência de Deus, porque só Ele nos preenche e só Jesus Cristo nos reconcilia em todas essas dimensões. Ainda bem que dói!

 

A questão do pecado é muito grave, acima de tudo porque ao provocar a morte espiritual, torna o homem insensível à sua situação no que é mais significativo e essencial. Precisamos do Espírito Santo para nos apercebermos da nossa situação espiritual. É isso que Jesus diz quando promete o Consolador: “Agora, volto para aquele que me enviou, mas nenhum de vocês me pergunta para onde vou. Em vez disso, sentem apenas tristeza. Na verdade, é melhor que eu vá, porque se eu não for não virá o Consolador. Se eu for, ele virá, pois vou enviá-lo. E quando ele vier, convencerá o mundo do pecado, de que têm de contar com a justiça de Deus e de que haverá um juízo. O pecado do mundo é não crer em mim. Haverá justiça porque eu vou para o Pai e vocês não me verão mais. O juízo virá porque o chefe deste mundo já foi julgado.” (João 16:5-11 – O Livro). É por isso que todos os que são vivificados são mais sensíveis à condição espiritual da humanidade.  Ainda bem que dói!

 

A redenção, o sermos filhos de Deus em Jesus Cristo, a presença do Espírito Santo em nós, o abraço do Pai, são fatores determinantes para tratar das nossas dores, quaisquer que elas sejam. Mas a esperança que o evangelho nos incute é marcante. É do texto bíblico, na escrita do apóstolo Paulo, que retiramos o nosso título: Com efeito, considero que aquilo que somos chamados a sofrer agora nada é comparado com a glória que ele nos dará mais tarde.” (Romanos 8:18 – O Livro). O que foi no Jardim do Éden, não é o que vivemos atualmente. O que vivemos em Jesus Cristo é uma antecipação das moradas eternas, é apenas um cheirinho, um perfume – é muito bom. Mas a plenitude virá no futuro que nos está reservado ao confiarmos e obedecermos ao Deus trino – Pai, Filho e Espírito Santo.

 

“As aflições deste tempo presente não se podem comparar com a glória que em nós há de ser revelada.” (JFA). Só é possível compreender os espirituais negros nesta gloriosa esperança. Cantar como Paulo e Silas na prisão (Atos 16:25). Como Paulo que chegou a desesperar da própria vida, mas o consolo com que foi consolado por Deus, era a razão de ser do consolo que ministrava aos coríntios (2 Coríntios 1:8-11). Os heróis da fé dos quais o mundo não era digno: “Houve mulheres que receberam os seus entes queridos ressuscitados. Outros foram torturados, preferindo morrer a ficarem livres, porque esperavam, pela ressurreição, alcançar uma vida melhor. Outros foram ridicularizados, açoitados, acorrentados em prisões. Alguns morreram apedrejados, serrados ao meio; outros foram tentados a renegar a sua fé, acabando por ser mortos à espada. Houve os que andaram vagueando pelos desertos e pelas montanhas, vestidos de peles de ovelha e de cabra, escondendo-se em covas e em cavernas, sem amparo, perseguidos e maltratados. O mundo não era digno deles.” (Hebreus 11:35-38 – O Livro). Falemos dos mártires como Estêvão (Atos 7), os apóstolos, e os milhares que foram mortos e os que ainda hoje enfrentam a morte única e exclusivamente por confessarem Jesus como Senhor e Salvador. Esta esperança ainda hoje está disponível para cada um de nós no plano eterno de Deus. O próprio Jesus Cristo, o Justo que nos justificou, morreu tendo em vista o resultado futuro do seu sacrífico: “E quando vir que tudo isso foi realizado através da angústia da sua alma, verá a luz e ficará satisfeito. Por causa de tudo por que passou, o meu Servo justo fará com que muitos sejam considerados justos perante Deus, visto que levará todos os seus pecados. Por isso, lhe darei as honras de quem é grande e poderoso, pois derramou a sua alma, indo até à morte. Ele foi contado entre os transgressores, carregou os pecados de muitos e intercedeu junto de Deus pelos pecadores.” (Isaías 53:11,12 – O Livro).

 

O tempo presente não encerra toda a nossa existência. Existe em Jesus Cristo à nossa disposição uma dimensão eterna de glória. Vivamos intensamente esta bendita esperança.

 

Samuel R. Pinheiro

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O BAPTISMO DE JOÃO – Mateus 21:23-27

O Baptismo de João

Jorge Pinheiro 7

Dr. Jorge Pinheiro

 

Mateus 21:23-27

Perguntou Jesus: O baptismo de João de onde era? Do céu ou dos homens?
Na sequência do episódio em que ordena que a figueira seque por não ter figos. Jesus dirige-se ao templo onde, como era Seu hábito, se põe a ensinar, provocando uma reacção de antagonismo por parte dos responsáveis religiosos que Lhe perguntam com que autoridade exercia o Seu ministério. A isto Jesus responde com uma pergunta e exige-lhes que Lhe digam qual a origem do baptismo de João. Numa atitude de cautela, para não serem apanhados em falso com uma resposta que não contemplasse a verdade, assumem a sua ignorância quanto à origem desse baptismo. Ante isso, Jesus replica que, não tendo recebido uma resposta positiva, não se vê obrigado a revelar-lhes com que autoridade praticava o Seu ministério.

Este é o exemplo típico de um dilema que Jesus enfrentou durante o Seu ministério. Num dilema, temos de escolher entre duas resposta antagónicas e contraditórias ou insatisfatórias para a resolução do problema apresentado. Ou seja, em termos práticos qualquer das respostas que possamos dar está errada. A verdade é que, ao longo da Sua vida, Jesus enfrentou diversos dilemas, sendo talvez o mais conhecido a questão do tributo (Mateus 22:15-21). Quando Lhe perguntaram se é lícito pagar o tributo a César, depois de pedir que Lhe mostrassem uma moeda, Jesus respondeu com uma frase famosa e que muitas vezes tem sido citada fora do contexto: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Poderíamos citar outra situação em que Jesus enfrenta um dilema. Encontramo-la na tentação (Mateus 4:1-11), em que pelo menos duas das três tentações podem ser consideradas dilemáticas. Para além de outras que, a um estudo mais aprofundado poderemos encontrar nos evangelhos, pensamos que o mais emblemático e importante dilema que Jesus enfrentou ocorreu quando estava crucificado: “Se és Filho de Deus, desce da cruz” (Mateus 27:40). Poderia ter descido da cruz? Poderia e essa decisão revelaria ser não apenas o Filho de Deus e o Messias há tanto tempo aguardado. Mas Jesus permaneceu na cruz, cumprindo até ao fim o Seu papel de vítima expiatória e vicária. E garantindo não local mas universalmente, não momentânea mas eternamente que é o Salvador e o Rei dos reis e Senhor dos senhores.

Embora por norma não haja resposta para um dilema e todos quantos o enfrentam fiquem enredados na sua teia, a verdade é que Jesus sempre que confrontado com um deu uma resposta assertiva sem se deixar prender na armadilha. Porque entrar na lógica do dilema é entrar num círculo vicioso de que só se pode sair se “pensarmos fora da caixa”, aplicando o que os especialistas designam por “pensamento lateral”. O pensamento lateral estimula uma nova perspectiva e é isso que o ensino de Jesus nos aponta – perante os dilemas da vida apresentados ou não pelos sistemas que nos governam, há sempre uma nova perspectiva ao nosso dispor e que se obtém com a recomendação de Paulo em Romanos 12:1-2: não nos conformando com este mundo, mas transformando-nos pela renovação do nosso entendimento. E isso é possível porque segundo Paulo, temos a mente de Cristo (1 Coríntios 2:16). Só temos de deixar que a mente de Cristo vá ocupando paulatina e totalmente todo o nosso entendimento. Durante todo o processo, não haverá dilema que não possamos vencer.

Neste episódio, Jesus não enfrenta nenhum dilema mas é Ele quem confronta os seus adversários com um. E ao contrário dos dilemas que teve de enfrentar e aos quais respondeu positivamente, este deixa os seus oponentes sem possibilidade de resposta, porque em qualquer resposta que dessem seriam sempre achados culpados de inconsistência e toda a sua hipocrisia e falsidade seriam desmascaradas. Eles próprios o reconhecem porque se respondessem que o baptismo vinha do céu, seriam acusados de não crerem, eles que eram os profissionais religiosos e defensores da verdade celeste. Se respondessem que o baptismo era de origem humana, veriam a sua posição de privilégio ameaçada porque todo o povo considerava que João era um profeta, logo com uma mensagem e um ministério validados por Deus. Receando as consequências de qualquer das respostas optam por esconder-se atrás da ignorância. O que também não milita em seu favor porque ou não se preocupam com uma questão de primordial importância (o baptismo que apela ao arrependimento e a uma maior comunhão com Deus) ou estão mais preocupados com aquilo que é passageiro – a vanglória do poder humano. E assim a sua própria resposta os condena.

Que João Baptista era profeta a Escritura confirma porque, segundo as palavras de Jesus (Mateus 11:14), foi o Elias profetizado e que surgiria antes do grande e terrível dia do Senhor, conforme anunciara Malaquias 4:5. De resto, João Baptista, interrogado sobre quem era, limitou-se a identificar-se como a voz que clama no deserto, preparando o caminho ao Senhor (João 1:23), em cumprimento da profecia de Isaías 40:3: Voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor; endireitai no ermo vereda a nosso Deus.

É verdade que João surge como uma figura estranha e singular que foge aos modelos tradicionais. Vestido de forma simples e natural, com uma alimentação mais que frugal, escolhendo como palco da sua actuação não o cenário das grandes cidades, mas um local deserto e inóspito que exige aos que o queiram ouvir a terem de deixar o conforto da cidade e aventurar-se num lugar tão pouco hospitaleiro, a sua mensagem e prática manifestam-se com um cunho que foge às exigências normais da religiosidade tradicional. Além de anunciar uma mensagem de arrependimento porque o dia do juízo se aproxima e a vinda do Messias prometido está próxima, João Baptista faz acompanhar a declaração de decisão de arrependimento de um sinal ou prática sensível: um banho ritual. Ou seja, não basta a confissão vocal em que apenas a boca e a voz estão envolvidos, mas a decisão prática de experimentar em todo o corpo essa mesma decisão através da lavagem simbólica nas águas do Jordão.

O banho ou lavagem ritual não era coisa desconhecida entre os judeus, mas ele estava mais destinado aos sacerdotes que tinham de se purificar antes de ministrarem no templo. É verdade que todo o judeu tinha de se purificar antes de oferecer um sacrifício, mas com João Baptista, o baptismo extensivo a todo o que se arrepende abre a todos a possibilidade de também se assumirem como sacerdotes do Deus a quem prometeram servir. Esta ideia central do baptismo de João continua presente no baptismo cristão, o que significa que todo quanto é baptizado em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, se compromete a reconhecer que abandona a sua vida velha de pecado consciente e se entrega de corpo e alma à acção do Espírito de Deus que o conduzirá à prática de uma nova vida de que Cristo é o centro e a quem serve como Seu sacerdote porque, como já sabemos, somos o templo do Espírito Santo.

Ao tempo de Jesus, havia um grupo, os Essénios, que voluntariamente voltavam as costas à cidade e se juntavam em comunidade em lugares desertos e em que os banhos rituais eram praticados com assiduidade. Com toda a probabilidade João terá convivido com eles ou terá sido por eles influenciado, uma vez que, conforme Lucas 1:23, esteve nos desertos até ao dia em que havia de se mostrar a Israel. Por outro lado, a sua zona de pregação e baptismo situava-se num local onde a história prova ter existido uma comunidade essénia ou, pelo menos, com as características desse grupo. Os Essénios cuja prática faz lembrar um pouco os monges que se retiram do chamado século para viver em reclusão ou em local ermo, defendiam a necessidade de uma reaproximação de Deus, através do arrependimento das acções e atitudes que impediam uma vida santa. E a marca visível desse arrependimento e reaproximação eram exactamente os banhos rituais. Mas fosse ou não essénio, João Baptista surge não apenas como o precursor do Messias mas como o anunciador de uma prática e de uma decisão essenciais para que a vontade de Deus se cumpra na vida do crente e se torne visível e efectiva – a exigência do arrependimento. Vemos que essa foi a primeira mensagem de Jesus ao iniciar o Seu ministério: Desde então começou Jesus a pregar e a dizer: “Arrependei-vos, porque é chegado o reino dos céus.” (Mateus 4:17), essa foi a primeira mensagem no dia de Pentecostes. À pergunta da assistência “Que faremos, varões irmãos?”, Pedro responde com toda a ousadia e convicção: Arrependei-vos e cada um de vós seja baptizado em nome de Jesus Cristo para perdão dos pecados; e recebereis o dom do Espírito Santo (Actos 2:37-38). Essa tem de ser também a mensagem da igreja hoje quando anuncia o evangelho: “Arrependei-vos e aceitai Cristo como o único Mediador entre Deus e os homens”. Essa tem de ser a mensagem central para correcção de algum desvio em que entretanto qualquer crente tenha incorrido: “Arrepende-te e regressa ao caminho da santidade.” Essa tem de ser a prática que cada um de nós tem de viver diariamente: aproximarmo-nos arrependidos a Deus, sempre que entramos na Sua presença, gratos porque Ele a ninguém lança fora desde que se apresente a Ele com um coração contrito e arrependido.

Sem dúvida alguma a resposta certa ao dilema de Jesus era que o baptismo de João vem de Deus. E ao responder assim, a pergunta deixa de ser um dilema e passa a ser a confissão de uma verdade que nos abre a porta ao privilégio de sermos chamados filhos de Deus.
A Deus toda a glória!

OS SETE MILAGRES

Os Sete Milagres

Jorge Pinheiro 8Dr. Jorge Pinheiro

 
E Jesus, passando adiante dali, viu assentado na alfândega um homem chamado Mateus e disse-lhe: Segue-me. E ele, levantando-se, o seguiu. E aconteceu que, estando ele em casa sentado à mesa, chegaram muitos publicanos e pecadores e sentaram-se juntamente com Jesus e seus discípulos. E os fariseus, vendo isto, disseram aos seus discípulos: Porque come o vosso Mestre com os publicanos e pecadores? Jesus, porém, ouvindo, disse-lhes: Não necessitam de médico os sãos mas sim os doentes. Ide, porém, e aprendei o que significa: Misericórdia quero e não sacrifício. Porque eu não vim a chamar os justos, mas os pecadores ao arrependimento.

(Mateus 9:9-13)

 

Este é um capítulo que narra uma série de milagres executados por Jesus, a maioria de cura divina.

Não contando com o número indefinido de curas, registadas no versículo 35, podemos concluir que, neste capítulo, estão mencionados sete milagres individuais. Não valorizando nem atribuindo qualquer significado simbólico ao facto de serem sete, há que concluir que num texto tão breve os milagres são o seu tema dominante. E dizemos dominante porque o capítulo não se limita à referência e descrição de milagres, mas inclui ensino e polémica (vv. 12-17; 3-6).

É natural que um milagre suscite admiração e espanto e se torne motivo de discussão e, logicamente, no seu seguimento, de polémica e incredulidade.

Embora haja muitas definições de milagre, potenciadas pelas diversas palavras que o Novo Testamento utiliza para o designar, podemos definir milagre como um acto que desafia e rompe as leis naturais conhecidas à época da sua ocorrência, sejam elas explicadas ou não científica ou empiricamente.

É verdade que, em termos teológicos, esta definição de milagre é pobre e curta, mas de momento ela é suficiente, tanto mais que ajuda a perceber as reacções que os diversos milagres descritos suscitaram.

Há um traço comum em todos estes milagres, inclusive nos de um número indeterminado do versículo 35 – todos eles envolveram pessoas ou, dito de outro modo, em todos eles há pessoas beneficiadas com a acção e o resultado dos milagres. Ao contrário de outras ocasiões no ministério de Jesus em que os milagres, embora impressionando e afectando pessoas, tiveram como alvo elementos da natureza – é o caso da multiplicação dos pães e da tempestade acalmada.

No entanto, mesmo nestes, houve pessoas que, embora indirectamente, são afectadas pelos resultados dos milagres referidos.

Neste capítulo, a maioria dos milagres é de cura. Este simples facto indica que quando o crente roga ou necessita de um milagre, este não se circunscreve apenas à cura física. Sem forçar o texto, podemos afirmar que nos tempos de Jesus, devido ao facto de a medicina não estar tão desenvolvida quanto hoje, um doente ou enfermo estaria completamente dependente de um milagre para o seu restabelecimento físico. Paralelamente e sem desvirtuar o significado e natureza bíblico-teológica do milagre, podemos dizer que, em qualquer época, quando a ciência é impotente para resolver um problema, o crente em Deus tem no Criador o seu último recurso.

Podemos classificar do seguinte modo estes sete milagres:

a) cinco de cura – o paralítico (vv. 1-8); a mulher com hemorragia (vv. 20-22); os dois cegos (vv. 27-32); o mudo endemoninhado (vv. 32-34)
b) um de ressurreição – a filha de Jairo (vv. 18-19; 23-26)

Até aqui, temos seis milagres. E o sétimo qual será? Não pode ser o número indeterminado do versículo 32 por não sabermos quantos foram curados e porque, à partida, por causa disso, os excluímos desta enumeração.

Só nos resta o episódio envolvendo Mateus (vv. 6-13).

É verdade que não se trata de um milagre de cura física, mas isso não impede que o consideremos também um milagre e um milagre de transformação. Transformação de carácter, de modo de vida, de alteração de propósito de vida, de adopção na família de Deus. De facto, Jesus chama Mateus, convidando-o a deixar uma vida obscura, apagada, centrada no imediato, no terreno, muito provavelmente impregnada do engano e da injustiça. Em troca, Jesus oferece-lhe a entrada numa relação directa com aquele que tem as chaves da vida e da morte, com aquele que está acima das contingências humanas, com aquele que não apenas aponta o caminho de comunhão plena com Deus e a Sua vontade, mas que é o próprio caminho.

Trata-se, pois, de um milagre de mudança de carácter e de perspectiva de vida. Quantas vezes nos centramos nas contingências da vida, cuja resolução é justificada e aceitável e nos esquecemos de que acima de tudo, Deus, sem deixar de se interessar pela nossa contingência, está mais interessado em receber-nos em comunhão plena?

Busquemos a resolução dos problemas da nossa contingência, se for esse o caso. Não há mal nesse desejo e procura. Mas não olvidemos nem secundarizemos o nível mais importante – o nosso relacionamento com Deus, baseado e alicerçado na renovação do nosso carácter.

Curiosamente, neste 7 casos, apenas Mateus é mencionado pelo nome. Em relação aos outros, não sabemos como se chamavam. Não podemos afirmar que haja uma intencionalidade da parte do evangelista, mas se repararmos que o autor deste evangelho é o mesmo Mateus chamado por Jesus, podemos considerar esse registo não apenas como uma “assinatura”, mas também como indicação de que o episódio da sua chamada, início da sua transformação como pessoa, marcou-o profundamente. Que o mesmo é dizer que quando temos um encontro com Jesus, esse é um episódio que não somente nos marca como é fulcral no nosso viver, a ponto de querermos que o máximo de pessoas fique a par da nossa experiência de transformação em Cristo.

Neste conjunto de milagres, verificamos que eles atingem áreas fundamentais da nossa condição de seres humanos: o paralítico passa a poder locomover-se; os cegos recuperam a visão; o mudo endemoninhado volta a usar o dom inefável da fala e vê-se liberto da opressão espiritual que o diminuía enquanto ser humano; a filha de Jairo retorna à vida, numa segunda oportunidade de viver. Deus não só é um Deus de segunda oportunidade como intervém nas áreas mais sensíveis da nossa existência. Só isso já seria bastante, mas Jesus vai mais longe no caso da mulher com o fluxo de sangue. Não só lhe restabelece o equilíbrio orgânico, estancando uma hemorragia de doze anos, como lhe franqueia a porta da comunhão no Templo e a liberta de toda a vergonha e humilhação.

Uma hemorragia persistente é uma doença que deixa a pessoa depressiva porque se sente envergonhada e rejeitada. Hoje, há possibilidade de ocultar os sinais exteriores evidentes de um episódio hemorrágico persistente, com o recurso a pensos e tampões. No tempo de Jesus, essa era uma solução quase inviável e sem retorno.

Acresce que, no caso da mulher, a lei considerava-a impura enquanto a hemorragia persistisse e obrigava-a a um período de nojo que se prolongava para lá do momento da interrupção da hemorragia. É o que encontramos em Levítico 15:25 (A mulher, quando manar o fluxo do seu sangue por muitos dias, fora do tempo da sua separação, ou quando tiver fluxo de sangue por mais tempo do que a sua separação, todos os dias do fluxo da sua imundície será imunda como nos dias da sua separação). Pelo código religioso da época, isso implicava que, na sua condição de impura, a mulher não podia ir ao Templo nem toar em ninguém. Para além da vergonha sentida pela sua condição, a mulher via-lhe rejeitada a possibilidade de uma comunhão plena com a comunidade a que pertencia, que o mesmo é dizer que tal situação era sinónimo de exclusão e rejeição.

Acresce ainda que este milagre ocorre quando Jesus é chamado para satisfazer o pedido de Jairo, um dos responsáveis religiosos. Não é Jesus que se dirige propositadamente à mulher, mas é a mulher que se aproxima de Jesus, em quem não apenas vê a solução mas o único que a pode libertar da situação em que se encontrava.

O que nos indica que Jesus não está tão ocupado com os outros que não possa atender a um pedido inesperado e dramático. Porque, mesmo com a multidão a apertá-Lo, Jesus sabia que a mulher Lhe tocara porque, conforme diz Lucas (8:45-46), conheceu que de si saíra virtude.

O que também nos indica que, num momento de desespero, como era o caso de Jairo, embora atendendo a outras situações, Jesus não se esquece do nosso pedido de angústia nem da angústia dos nossos pedidos.

E se cremos que Ele é o mesmo ontem, hoje e eternamente (Hebreus 13:8), então recorramos sempre a Ele, sabendo que o Seu braço não está encolhido (Isaías 59:1) a ponto de não nos poder socorrer.
SAC, 20.04.2021

OS DOIS SEGREDOS

Os Dois Segredos

Jorge 2022-1Dr. Jorge Pinheiro

 

E tendo nascido Jesus em Belém de Judeia, no tempo do rei Herodes, eis que uns magos vieram do oriente a Jerusalém, dizendo:

– Onde está aquele que é nascido rei dos Judeus? Porque vimos a sua estrela no oriente e viemos adorá-lo.

E o rei Herodes, ouvindo isto, perturbou-se e toda Jerusalém com ele. E congregados todos os príncipes do povo, perguntou-lhes onde havia de nascer o Cristo. E eles disseram:

– Em Belém da Judeia, porque assim está escrito pelo profeta: “E tu, Belém, terra de Judá, de modo nenhum és a menor entre as capitais de Judá, porque de ti sairá o Guia que há-de apascentar o meu povo de Israel.”

Então, Herodes, chamando secretamente os magos, inquiriu exactamente deles acerca do tempo em que a estrela lhes aparecera. E, enviando-os a Belém, disse:

– Ide e perguntai diligentemente pelo menino e, quando o achardes, participai-mo para que também eu vá e o adore.

E, tendo eles ouvido o rei, partiram. E eis que a estrela que tinham visto no oriente ia adiante deles, até que, chegando, se deteve sobre o lugar onde estava o menino. E vendo eles a estrela, alegraram-se muito com grande alegria. E, entrando na casa, acharam o menino com Maria sua mãe e, prostrando-se, o adoraram. E, abrindo os seus tesouros, lhe ofertaram dádivas: ouro, incenso e mirra.

E sendo por divina revelação avisados em sonhos para que não voltassem para junto de Herodes, partiram para a sua terra por outro caminho.
Mateus 2:1-12
Este texto refere dois dos grandes mistérios/segredos do Natal, os magos e a chamada estrela de Belém, ambos inter-relacionados. Não há magos sem estrela e não há estrela sem magos.

Deixando de lado a questão de saber se este relato da Natividade é histórico ou meramente literário-simbólico, centremos a nossa atenção primeiro na estrela e, depois, nos magos. Se considerarmos que é histórico, então teremos de concluir que houve de facto uns magos guiados por uma estrela que os guiou até à terra da Judeia. Se considerarmos que é literário-simbólico, o evangelho segundo Mateus não deixa de ser fiável no tocante à Natividade, uma vez que, tendo por base um facto histórico, interpreta-o à luz do seu simbolismo e descreve-o com um timbre literário. Na realidade, há uma como que preocupação de Mateus em interpretar a trajectória de Jesus desde o Seu nascimento, à luz da Revelação anterior transmitida pelos profetas. E a prova disso são as diversas citações que ele faz da Escritura, afirmando com isso que aquela personagem actua no cumprimento do que dela já estava profetizado. Naturalmente que nesta perspectiva toda a descrição virá recheada de simbolismos que a audiência a que este evangelho se destinava não teria dificuldade em identificar e interpretar. Pondo de lado os magos e a estrela, que podemos considerar uma unidade conceptual, tudo o resto tem base histórica, devidamente comprovada: as cidades (Belém e Jerusalém), a terra (Israel), o poder político-religioso (Herodes, sacerdotes e escribas), o rigor profético (Miqueias 5:2), os guardiões da Revelação (sacerdotes e escribas). Inclusive, até, a marca de oportunismo político de Herodes, o Grande, que a História bem atesta.

Comecemos pela estrela de Belém. Ainda hoje, o mistério permanece e não se pode afirmar com garantia e certeza do que se tratava. Por isso, temos de nos contentar com as diversas hipóteses, restando-nos a opção de escolher a que mais nos agrada ou vai de encontro às nossas convicções preconcebidas ou não. Sem nos preocuparmos em pormenorizar essas diversas opções, podemos reduzi-las a quatro: um fenómeno sobrenatural, um cometa, uma supernova ou uma conjunção de astros celestes. Cada uma delas tem os seus defensores desde a Antiguidade aos nossos dias. Se todas as explicações naturais falharem, há sempre o recurso a uma intervenção sobrenatural, uma vez que o sobrenatural tudo explica e, por vezes, nada explica, antes complica. Das outras três, descartemos o cometa, porque era considerado um sinal maléfico, o que não condiz com o carácter benfazejo do nascimento do menino. Das outras duas, a que acaba por ter mais peso e é a minha preferida, é a da conjunção de planetas, no caso vertente, a de Júpiter e Saturno na constelação de Peixes, que ocorrera antes da morte de Herodes, o Grande em 4 a.C. e que se repetiria por outras duas vezes, uma delas a que se terá juntado a estrela Régulo. A interpretação astrológica (os Magos, como veremos, eram astrólogos) está em consonância com a afirmação da certeza dos Sábios do Oriente: “Onde está o que é nascido rei dos Judeus, porque vimos a sua estrela?”

Passemos aos Magos. A tradição fê-los reis, deu-lhes nome e considera-os em número de três, muito provavelmente por causa dos presentes oferecidos ao Menino: ouro, incenso e mirra. Há até uma lenda piedosa que fala de um quarto mago que se terá perdido dos companheiros e, vagueando durante anos pelo Oriente, acaba por se encontrar com Cristo a caminho do Gólgota. Mas atendo-nos ao texto, verificamos que todas essas afirmações são fruto da Tradição ou da imaginação piedosa. Na verdade, o texto não nos diz que eram reis, nem três e é omisso quanto ao seu nome. Dele, inferimos que eram sábios astrólogos-astrónomos, que vieram do Oriente, que ofertaram os produtos atrás citados, que viram um fenómeno celeste no Oriente interpretado segundo os seus conhecimentos. Também ficamos a saber que, ao contrário das representações de alguns presépios, quando se encontraram com o Menino não foi na manjedoura, mas numa casa e provavelmente seria um bebé cuja idade não ultrapassaria os dois anos, uma vez que Herodes manda matar as crianças de dois anos para baixo. Ficamos também a saber que a “estrela” lhes aparece duas vezes: uma no Oriente e outra na região de Belém da Judeia, o que dá força à hipótese da conjunção de astros que, sendo a de Júpiter e Saturno, ocorreu pelo menos duas vezes. Sendo Júpiter indicador do deus supremo e Saturno considerado o imutável, reunidos na constelação de Peixes, considerada a constelação do deus da sabedoria e do povo judeu, seria fácil a um astrólogo chegar à mesma conclusão dos Magos: na terra dos Judeus nasceu um rei sábio e imutável. É verdade que eles apenas referem “ao que é nascido rei dos Judeus”, mas sendo à época normal considerar os reis como divinos e estando a sabedoria ligada a Deus ou aos deuses, o “sábio e imutável” torna-se implícito a este rei.

Os Magos provavelmente seriam naturais da Pérsia e sacerdotes da religião de Zoroastro, o que não deixa de ser especulação. O que não é especulação é o facto de eles serem astrólogos-astrónomos e de se terem servido dos seus conhecimentos para chegarem à conclusão de que nascera o rei dos Judeus. O facto de serem astrólogos-astrónomos não nos deve surpreender pois à época não se estabelecia diferença entre os dois conhecimentos. Apenas a partir da revolução científica na Europa, por volta do séc. XVIII, é que a astronomia se autonomizou em relação à astrologia. Basta pensar que Copérnico e Képler (sécs. XVI e XVII, respectivamente), considerados pais da astronomia científica moderna eram eles também astrólogos. À época dos magos, o estudo científico dos astros, dos seus movimentos e inter-relações (registo astronómico) andava de mãos dados com as superstições do destino de pessoas e coisas ditado pelas posições dos astros no horizonte celeste (registo astrológico).

Estas são as conclusões a que podemos chegar após uma breve leitura e análise do texto de Mateus. Estando estes dois elementos da Natividade envoltos em mistério, fácil é cairmos na tentação de nos preocuparmos com a sua resolução e de nos perdermos em especulações, esquecendo-nos daquilo que é muito mais importante que determinar a origem dos magos e a natureza da estrela. Na realidade, embora envoltos em mistério e com toda a probabilidade em simbolismo, este episódio encerra lições que essas, sim, nos devem interessar e às quais devemos prestar toda a atenção, fazendo bem em aplicá-las ao nosso viver.

A primeira lição a aprender é que, na busca da verdade, é essencial colocarmos o registo evangélico no centro da nossa busca e extrair dele aquilo que de facto é fundamental e não acessório, seguro e não especulativo, perene e não transitório. No tocante à descoberta da Verdade, o nosso espírito tem de se deixar mergulhar na Palavra da Revelação porque é ela que nos esquadrinha o mais íntimo do nosso ser e nos dirige nos caminhos da verdade. De resto vemos isso no percurso dos magos. O seu conhecimento levou-os ao destino final, mas desembocaram num beco sem saída porque embora no local certo, foram à procura da resposta final na pessoa errada. O que nos diz que Deus nos fala na linguagem que entendemos e que dominamos. A linguagem, dos magos era a astronomia e foi nessa linguagem que Deus lhes falou e os guiou ao destino certo. Mas o seu conhecimento humano precisou da revelação divina para chegar àquele que era o anseio do seu saber e o destino final da sua caminhada. De igual modo, em aplicação do que a epístola aos Hebreus declara de que Deus fala muitas vezes e de muitas maneiras, Deus fala connosco segundo a linguagem do nosso conhecimento individual, desde que o coloquemos ao serviço daquele que tem a palavra final. E quantas vezes Deus não nos tem falado na linguagem do nosso saber? Que à semelhança dos magos coloquemos o nosso saber e o nosso conhecimento nesta caminhada ao encontro do Senhor da vida, o Rei eterno e imutável. Mas seguros também de que onde o nosso conhecimento falha, aí começa a intervenção da revelação. O que nos indica que conhecimento e revelação não são incompatíveis, mas complementares e que aquele sem esta leva sempre a um beco sem saída.

À semelhança dos magos, por vezes o nosso conhecimento pode levar-nos ao lugar errado. No caso dos Magos, levou-os ao centro do que podemos considerar a sede das teorias da conspiração. Os Magos abeiraram-se de Herodes, o Grande que, manhosamente, os procurou enfeitiçar com palavras piedosas: “Procurai diligentemente o menino para que eu também vá e o adore”. Ou seja, os Magos pocuraram no poder político a resposta para as suas indagações. E mal vai o Cristianismo quando tem de depender do poder político, seja ele qual for, para que a sua mensagem seja validada e ratificada. O rei do Cristianismo não pode ser outro senão aquele que é o cumprimento das Escrituras, não pode ser outro senão aquele que tem o respaldo da Revelação, não pode ser outro senão aquele que detém as chaves da sabedoria divina perene e permanente. O seu nome é Jesus! E embora ouvindo uma mensagem herodiana adocicada e na aparência de uma piedade louvável, os magos não perceberam que era uma mensagem enganadora porque por trás dela residia uma conspiração para matar o recém-nascido rei que Herodes catalogou de seu rival. Por isso, podemos afirmar que os Magos estavam perante uma teoria da conspiração. Toda a teoria da conspiração é criminosa e assassina e mal vai o Cristianismo e mal vão os Cristãos quando se deixam embalar por teorias da conspiração por mais doces que sejam, por mais piedosas que na aparência possam ser. De novo, os Magos necessitaram de uma intervenção divina para lhes revelar as verdadeiras intenções de Herodes. Avisados por divina revelação foram para a sua terra por outro caminho. Que à semelhança dos Magos, os Cristãos do nosso tempo possam estar atentos à verdadeira revelação divina no desmascarar dos falsos Messias modernos que, com as suas palavras doces e pretensamente piedosas, querem levar os filhos de Deus ao engano. Tenhamos, pois, os nossos ouvidos atentos ao que Deus revela e leiamos a Sua Palavra não segundo os decretos do coração humano mas segundo o espírito meigo e salvador de quem deu a Sua vida por nós, nunca esquecendo o que Ele disse: “O meu reino não é deste mundo. Se fosse deste mundo, os meus fiéis guerreariam por ele.” O reino de Deus não se impõe pela força, mas pela convicção dos corações através da acção do Espírito Santo.

Uma outra lição que aprendemos com os magos é que eles não se limitaram a ir ao encontro do rei nascido de mãos vazias e estribados no seu conhecimento e saber. Chegando-se à casa onde se encontrava o rei menino, adoraram-no e ofertaram-lhe dádivas. Podemos ver um simbolismo nessas oferendas. Sem menosprezo por outras interpretações, podemos considerar o ouro como reconhecimento da Sua realeza, o incenso, como confirmação do Seu sacerdócio e a mirra como confissão da Sua posição de profeta e prenúncio da Sua morte vicária em favor de toda a humanidade. Cada uma dessas oferendas valiosas reconhecia um aspecto do carácter, da missão e do valor do rei-menino junto de quem colocavam não apenas o produto das suas cogitações, mas também toda a sua pessoa, numa atitude de serviço e reverência. Que nós também nos aproximemos daquele que é rei, sacerdote, profeta e Salvador não de mãos vazias mas com o tributo da nossa adoração e a rendição da nossa posição de seres humanos.

Curioso também é verificar que estes magos não sendo provavelmente judeus, seriam por isso gentios, gente de outra nação, de outra etnia. E neste facto, temos uma outra lição a aprender – aquele que consideramos nosso Rei é o soberano não de uma classe especial ou de uma etnia eleita, mas de toda a humanidade, pelo que, como cristãos, está-nos vedado enveredar pelos caminhos do racismo, da xenofobia ou da segregação com base em alguma diferença, seja ela de género ou de posição sócio-económica ou cultural. Por isso, Paulo podia clamar: “Nele não há judeu, não há gentio, não há masculino nem feminino, não há servo nem livre”. Todos têm entrada livre no Reino de Deus. Apenas temos de nos curvar perante aquele que é Rei deste Reino e ofertar-lhe em primeiro lugar a nossa vida e a nossa devoção.

Ligada aos magos está uma estrela. Muito provavelmente Mateus teria presente o texto de Números 24:17, também conhecido como a Profecia da Estrela: “Uma estrela procederá de Jacob e um ceptro subirá de Israel”. A ser assim, isso explicaria a inclusão da estrela no seu relato natalício. Seja como for, uma estrela guiou os magos e ela levou-os sem falhas ao destino que era o seu. Ela foi como que o seu farol a indicar-lhes o caminho. E ainda que por momentos oculta, no momento da decisão final voltou a aparecer-lhes, desta vez parando sobre o local da sua busca. Que à semelhança dos magos tenhamos os olhos fixos na estrela que guia os nossos passos, sabendo que mesmo quando não a vemos ou por impossibilidade pessoal ou porque por algum outro motivo ela mesma se ocultou, ela continua no céu da nossa vida a guiar-nos e irá aparecer de forma segura para nos mostrar já não o caminho, mas o lugar de repouso e de encontro. Dos vários títulos atribuídos a Jesus, um deles é o que encontramos no livro de consolação de João, o Apocalipse, a Estrela da manhã, conforme vemos em Apocalipse 22:16: “Eu sou a raiz e a geração de David, a resplandecente estrela da manhã.” Ele é a nossa estrela da manhã. Não uma estrela qualquer, mas, note-se, a resplandecente Estrela da Manhã. O seu brilho é o mais intenso que possamos imaginar e Ele guia os nossos passos, o nosso caminhar vacilante ou ousado, em tempos de fartura ou de penúria, em tempos de refrigério ou em tempos de angústia. E é curioso que é num livro de consolação, o Apocalipse, que os homens transformaram num livro de terror, que encontramos este título magnífico – o nosso rei é a nossa estrela da manhã. O seu brilho é próprio, não é reflectido, é intenso, brilhando na escuridão das nossas incertezas. Com Ele, nasceu um novo dia, que, como diz o hino, será um dia de justiça, um dia de verdade, um dia em que haverá na Terra a paz, em que será vencida a morte pela vida e a escravidão enfim acabará. Este é o nosso rei. A ele queremos servir.

Soli Deo gloria

SAC, 9.Dez.2020

OS DOIS SENHORES

Os Dois Senhores

Dr. Jorge Pinheiro

2021dez20 Jorge Pinheiro _ peq
Texto: Mateus 6:19-34.
O Sermão no Monte está estruturado por agrupamentos de assuntos.

Neste capítulo, encontramos sete temas diferentes, embora inter-relacionados. Nesta secção, detectamos quatro temas distintos, interligados, a saber:

vv. 19-31 – o tesouro no céu.
vv. 22-23 – o olho puro.
v. 24 – os dois senhores.
vv. 25-34 – a solicitude da vida.

1. O tesouro no céu (vv. 19-21)

Não está errado ter um tesouro ou trabalhar para ele – o versículo 20 declara: mas ajuntai tesouros no céu. O problema está não no tesouro em si mas na sua localização e natureza. Estes versículos contrastam a Terra e o Céu.

Não nos limitemos a considerar “céu” como sinónimo do domínio do espiritual, morada de Deus, vida depois da morte: Terra aponta para o relativo, o imanente, o passageiro; Céu aponta para o absoluto, o transcendente, o permanente.

O nosso tesouro – o que mais apreciamos – deve estar situado e depositado no domínio do Absoluto, o qual não está sujeito ao desgaste do Relativo.

Na Terra, todo o tesouro está sujeito a desgaste por causas naturais – traça e ferrugem – ou sociais – os ladrões que minam e roubam.

Onde está o nosso tesouro está o nosso coração. O que significa que o nosso coração tem de estar num tesouro imperecível. Por isso, devemos dizer “NÃO” a toda a tentativa de transformar os tesouros perenes em tesouros perecíveis. O Evangelho não gira à volta de riquezas materiais.

Este texto fala então de valores e do seu fundamento, não da realização de boas obras como passaporte para obter as graças de Deus.

2. A candeia dos olhos ou os olhos puros (vv. 22-23)

A candeia ilumina. O que ilumina o nosso corpo são os nossos olhos. Quanto mais intensa for a candeia, mais claras se tornam as coisas.

O nosso olhar tem de ver o mais claramente possível. Aqui, olhos referem-se não apenas ao nosso órgão da visão mas aos meios que nos permitem relacionar com o exterior. Para uns, os olhos são os ouvidos, para outros é o raciocínio, a reflexão. Caso contrário, os cegos estariam excluídos das bênçãos das bem-aventuranças.

É costume dizer que colhemos o que semeamos mas não menos é verdade que semeamos o que colhemos. Neste tema, Jesus retoma a lição e significado do tema do sal e da luz (Mateus 5:14), embora numa outra perspectiva.

3. Os dois senhores (v. 24)

Aqui, Jesus coloca em oposição duas realidades antagónicas: Deus e mamon. Mamon significa apenas dinheiro, riqueza ou tesouro. Este tema está intimamente relacionado com o primeiro.

Mamon não é um demónio, mas podemos transformá-lo em demónio, se permitirmos que ele ocupe o lugar que pertence a Deus.

Não podemos servir dois senhores. A nossa fidelidade tem de ser para com aquele de quem dependemos. Se não dependemos de Deus, então transformamo-nos em senhores de Deus. O mesmo em relação às riquezas.

Já vimos que onde estiver o nosso tesouro, aí estará o nosso coração. Já vimos também que não está errado termos tesouros. Mas temos de ser seus senhores e não seus servos.

Quando a Igreja se preocupa só com o dinheiro, deixou de servir Deus. Paulo diz que o amor ao dinheiro é a raiz de todo o mal.

Jesus parte de uma realidade comum – impossibilidade de servir dois senhores – para uma realidade essencial: impossibilidade de emparceirar Deus com outras entidades, por muito importantes que elas possam ser e por muito relevante que o seu papel possa ser nas nossas vidas.

4. Ansiedade com as solicitudes da vida (vv. 25-32)

Vivemos num mundo com o qual nos relacionamos e, por causa disso, entramos numa situação de dependência, de resolução de necessidades que vão surgindo e que precisam de ser supridas. São necessidades tanto básicas como complexas, muitas delas dependentes do sistema de organização da sociedade em que vivemos.

Se Deus cuida das básicas, também cuida das complexas.

Como Igreja, não podemos (nem devemos) descurar nenhuma dessas necessidades. As nossas necessidades individuais e colectivas variam em grau de intensidade e de importância, podendo variar de indivíduo para indivíduo. E algumas só podem ser satisfeitas quando outras já estiverem resolvidas. Vejamos algumas:

Necessidades básicas: alimentação, vestuário, habitação, possibilidades de rendimento.
Necessidades emotivas: auto-estima, amizades, carinho, compreensão.
Necessidades intelectuais: aprender, manifestar e explorar capacidades cognitivas ou artísticas.
Necessidades sociais: relacionamentos com indivíduos, empresas e sociedades simples ou complexas.
Necessidades espirituais: realização dos nossos anseios pelo transcendente, pelo divino.

As necessidades, pelo seu peso e importância, podem esmagar-nos ou querer esmagar-nos, mas Jesus apela à confiança em Deus – vv. 31-32.

Isso só se consegue se a nossa relação com Deus for a de pai para filho – v. 32 – vosso Pai.
5. Conclusão

Se a nossa confiança estiver em Deus, nem podemos (ou devemos) ignorar a situação nem devemos entrar em pânico – Deus vela por nós. Mas para isso, devemos buscar primeiro o reino de Deus e a sua justiça ou rectidão. E todas as outras coisas nos serão acrescentadas.

SAC, 9.Março.2021

A ENTRADA TRIUNFAL

A Entrada Triunfal
Mateus 21:1-17

2021dez02 JorgePinheiroDr. Jorge Pinheiro

Este capítulo de Mateus refere-se ao período do ministério de Jesus a que se convencionou chamar a Semana da Paixão de Cristo. Ou seja, dá início ao relato dos acontecimentos que irão desembocar na prisão, julgamento, morte e ressurreição de Jesus.

Este facto é importante porque nos encaminhamos rapidamente para o clímax da vida de Jesus, para o momento fundamental da vinda do Salvador a este mundo – a glorificação de Deus na redenção da humanidade através da obra vicária e expiatória de Jesus Cristo.

Sem menosprezo por tudo quanto Jesus fez e disse até este momento, podemos afirmar que sem os acontecimentos que os evangelistas vão narrar a partir deste episódio, a passagem de Jesus por este mundo nunca O elevariam à posição que Ele alcançou na cruz e que foi ratificada na Sua ascensão aos céus.

Como Cristãos, esta é a fase mais importante e significativa da nossa relação com Deus e aquela que nos permite confessar com toda a certeza e garantia que nos tornámos filhos de Deus.

Este capítulo refere seis episódios ocorridos em apenas dois dias da estada de Jesus em Jerusalém:

 no primeiro dia, a entrada triunfal de Jesus na cidade e a purificação do templo;
 no segundo dia, a figueira que secou a uma ordem de Jesus, a discussão sobre a natureza do baptismo de João Baptista e duas parábolas, a dos dois filhos e a dos lavradores maus.

A sequência dos quatro primeiros eventos é confirmada pelos outros dois evangelhos sinópticos, embora Lucas omita o episódio da figueira.

Diz o evangelho que Jesus entrou em Jerusalém montado num jumentinho, dando assim cumprimento ao que fora anunciado pelo profeta Zacarias: Alegra-te, ó filha de Sião, exulta, ó filha de Jerusalém. Eis que o teu rei virá a ti, justo e salvador, pobre e montado sobre um jumento, sobre um asninho, filho de jumenta. (Zacarias 9:9).

É preciso entender que na cultura judaica da época, o jumento e a mula eram considerados montadas nobres que os reis e os ricos cavalgavam. Para tanto, basta consultar as seguintes passagens do Antigo Testamento:

Débora e Barac dirigem-se aos poderosos de Israel: Vós, os que cavalgais sobre jumentas brancas, que vos assentais em juízo… (Juízes 5:10);
Abraão foi num jumento de Berseba ao monte Moriá: Então se levantou Abraão pela manhã de madrugada e albardou o seu jumento… (Génesis 22:3);
Dois juízes de Israel, gente poderosa, eram donos de jumentos: E tinha este [Jair] trinta filhos, que cavalgavam sobre trinta jumentos…; E tinha este [Abdom] quarenta filhos e trinta filhos de filhos, que cavalgavam sobre setenta jumentos… (Juízes 10:4; 12:14);
Balaão ia montado numa jumenta: Viu, pois, a jumenta o anjo do Senhor, que estava no caminho com a sua espada desembainhada… (Números 22:23);
Parte da riqueza de Job incluía mil jumentos: E assim abençoou o Senhor o último estado de Job, mais do que o primeiro, porque teve catorze mil ovelhas e sei mil camelos… e mil jumentas… (Job 42:12).

Assim, quando Jesus entra na cidade santa de Jerusalém, vai numa montada digna de uma categoria real, o que indica a sua elevada posição. Atendendo a que partiu d’Ele a ideia de ir montado num jumento, leia-se um meio de transporte régio, isso significa que estava a enviar uma mensagem a quem o recebesse – o rei aproxima-se da cidade.

Por isso, não admira que tenha sido recebido com gritos de hosana (Mateus 21;9; Marcos 11:9) e aclamado como rei pela multidão, conforme Lucas regista (Lucas 19:38).

Recordemos que em Aramaico, hosana significa “peço-te a salvação.” Jesus foi recebido com pedidos e aclamações de salvação, sendo assim reconhecido como aquele que pode conceder a salvação. Jesus é de facto o rei salvador.

Jerusalém não era uma cidade qualquer. Nela situava-se o templo, o ponto central da devoção judaica, a razão de ser da sua existência, um lugar sacratíssimo por natureza. Por estas razões, Jerusalém era considerada a cidade santa por excelência. Disso dá conta o Salmo 137:5-6:

Se me esquecer de ti, ó Jerusalém, esqueça-se a minha dextra da sua destreza, apegue-se-me a língua ao paladar se me não lembrar de ti, se não preferir Jerusalém à minha maior alegria.

Por essa razão, na sua visão apocalíptica, João vê a descer do céu a grande cidade morada de Deus, que designa por santa Jerusalém (Apocalipse 21:10).

A cidade de Jerusalém era já conhecida nos tempos de Abraão (Génesis 14:18) como cidade de Salém, cujo rei, Melquisedeque, era sacerdote do Deus Altíssimo e que, para o autor de Hebreus, representava uma figura de Cristo (Hebreus 7).

Apesar de os Israelitas estarem já instalados em Canaã, a terra prometida a Abraão, a cidade de Jerusalém permaneceu nas mãos de amorreus e jebuseus até ser conquistada por David (2 Samuel 5:9), razão pela qual passa a ser conhecida também pela designação de “cidade de David.” Mais tarde, este rei transforma-a na capital do reino, ordenando que nela ficasse instalada a Arca da Aliança.

Após a morte de David, Salomão levanta o templo que se tornará não apenas o centro de adoração da nação, mas também local obrigatório de peregrinação.

Mas apesar de todos esses atributos de santidade, apesar de nela estar a entrar “O rei que vem em nome do Senhor” (Lucas 19:38), numa aclamação esfusiante de alegria e de confiança, é nela que o Salvador é morto, condenado pelo sistema religioso ortodoxo, por aqueles que tinham a obrigação de que estavam incumbidos de zelar pela preservação e difusão da revelação divina e condenado talvez por alguns dos que à Sua chegada à cidade O aclamavam.

Antevendo o fim que a cidade Lhe destinava, ao chegar a Jerusalém Jesus chora sobre ela: Ah! Se tu conhecesses também ao menos neste teu dia o que à tua paz pertence,” conforme Lucas regista (Lucas 19:42).

Nos evangelhos, vemos que Jesus chorou pelo menos duas vezes: uma, por ocasião da morte do Seu amigo Lázaro (João 11:35) e neste episódio da Sua chegada à cidade santa. Muito provavelmente, de forma segura, terá chorado em outras duas ocasiões: quando nasceu, porque todo o bebé chora ao nascer, sinal de que está vivo e quando orava no Getsémani. A angústia que Ele experimentou naquele momento (Mateus 26:37) levou-O a confessar “A minha alma está cheia de tristeza até à morte” (Mateus 26:38). Lucas regista que a angústia era tal que o “Seu suor se transformou em grandes gotas de sangue” (Lucas 22:44).

Após a Sua entrada triunfal, Jesus dirige-se ao templo, onde já estivera antes pelo menos uma vez, por ocasião da Festa dos Tabernáculos e onde faz um dos mais fantásticos e poderosos pronunciamentos: Se alguém tem sede, venha a mim e beba (João 7:37).

O templo era uma estrutura muito complexa. À volta do santuário em si, estendia-se de forma hierárquica uma série de átrios ou pátios. Por ordem decrescente de importância e a partir do santuário, o átrio dos sacerdotes, o átrio dos homens ou de Israel, o átrio das mulheres e o átrio dos gentios.

O santuário estava dividido e duas secções: o Lugar Santo e o Lugar Santíssimo, separados por uma grossa dupla cortina que se rasgaria de alto a baixo por ocasião da morte de Jesus. No Lugar Santo, encontrava-se o altar do incenso, o candelabro de sete braços ou Menorá, sempre aceso, e a mesa dos pães da proposição renovados todas as semanas. Quanto ao Lugar Santíssimo, era uma câmara vazia ao tempo de Jesus mas nela deveria estar a Arca da Aliança entretanto perdida. Nele entrava o sumo sacerdote uma vez por ano, no Dia da Expiação, ou Yom Kippur, o dia mais sagrado para os Judeus, em que era oferecido um sacrifício pelos pecados de todo o povo, confessados ou omitidos.

Todo o conjunto era uma estrutura que podemos classificar com um cunho profundamente hierárquico e concêntrico.

Quando o evangelho diz que “Jesus entrou no templo de Deus e expulsou todos os que vendiam e compravam no templo e derribou as mesas dos cambistas” (Mateus 21:12), temos de entender que “templo” aqui se refere não ao santuário duplo propriamente dito, mas ao local onde o edifício se erguia. Muito provavelmente, o local onde esta cena ocorreu terá sido o átrio dos gentios mais propício a uma actividade comercial de compra de animais para o sacrifício e de transacção cambial.

De facto, ali era o local onde os devotos judeus compravam os animais que iam sacrificar e onde se trocavam as diversas moedas em curso no resto do Império Romano pela moeda corrente no templo, o xéquel.

Não custa imaginar que, tratando-se de uma transacção comercial, o lucro estivesse presente, beneficiando quem vendia. Como também não custa admitir a existência de um aproveitamento por parte da classe sacerdotal, que exercia o seu poder sobre tudo quanto se passava no templo. Desde sempre a indústria religiosa deu bastante lucro. Esse não é um fenómeno novo e ainda hoje está presente.

Mas mesmo sendo um local de transacção comercial e cambial, aquele átrio não deixava de ser um local sagrado, por fazer parte de toda a estrutura do templo.

Por esse motivo, Jesus indignou-se e justificou com a Escritura o Seu acto de derrube das mesas dos cambistas, exclamando: Está escrito: a minha casa será chamada casa de oração. Mas vós a tendes convertido em covil de ladrões. (Mateus 21:13). Ao agir assim, Jesus teve sem dúvida em mente Isaías 56:7 e principalmente Jeremias 7:11: “É, pois, esta casa que se chama pelo meu nome, uma caverna de salteadores aos vossos olhos? Eis que eu, eu mesmo, vi isso, diz o Senhor.”

Antes de se retirar para Betânia para repousar e depois de limpar o local, Jesus ainda teve ocasião para se disponibilizar a curar enfermos (v. 14) e para provocar uma reacção de agrado de meninos que O aclamavam, e de indignação por parte dos principais dos sacerdotes.

As acções de purificação respaldadas pela Escritura suscitam sempre a aclamação dos simples e dos puros e a indignação dos poderosos que vêem nelas uma ameaça às suas posições de privilégio.

Não tenhamos dúvidas: toda a acção de purificação terá de ter sempre o respaldo da Escritura e ela nunca virá pela instrumentalidade de quem está preocupado em última instância em defender os seus interesses pessoais.

Ora, à semelhança do povo israelita que tinha uma cidade santa, centro e razão da sua existência, assim também cada um de nós tem a sua cidade santa. Para uns, será o seu país, a sua cidade de origem ou de habitação, o seu bairro ou a sua rua. Para outros poderá não ser nenhum equipamento urbano mas talvez seja uma propriedade, um bem adquirido ou uma realização pessoal. Para outros ainda, será a família, um grupo de amigos ou uma colectividade que lhes seja querida.

Mas seja qual for a natureza e característica da nossa cidade santa, que mesmo profana é santa para nós, temos todos uma cidade que consideramos santa.

Uma lição que extraímos deste episódio da chegada de Jesus à cidade santa dos Judeus é que “o que vem em nome do Senhor” quer entrar na nossa cidade. Disso é reflexo o texto apocalíptico de João: Eis que estou à porta e bato… (Apocalipse 3:20).

Que Ele está a bater à porta da nossa cidade não há dúvida alguma. Que Ele quer entrar na nossa cidade, essa é uma certeza inabalável.

Que Ele entre na nossa cidade! Que O possamos aclamar com hosanas e com o reconhecimento de que o rei está a chegar. Que da nossa cidade Ele não possa dizer que ela não conhece o que à sua paz pertence, mas que nossa seja a herança da Sua promessa: Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou. (João 14:27). Não a paz dos cemitérios, não a paz adiada para as moradas celestes, não a paz da fuga para a frente, mas a paz que excede todo o entendimento, aqui e agora (Filipenses 4:7).

De igual modo, à semelhança da estrutura do templo em Jerusalém, todos nós temos um templo. Ou melhor ainda, todos nós somos um templo, conforme diz Paulo: Nós somos o templo de Deus e o Espírito Santo habita em nós. (1 Coríntios 3:16). A verdade é que todo o ser humano é um templo dedicado ao deus da sua devoção e tudo nesse templo, que o mesmo é dizer, em toda a vida tudo gira em torno do deus a que esse templo está dedicado.

Tal como a estrutura do templo de Jerusalém se ordenava em círculos concêntricos hierarquizados, assim nós, qual templo de Deus, temos a nossa vida ordenada em círculos concêntricos hierarquizados. É possível que a ordem dessa concentricidade não seja rigorosamente igual em todos nós, mas que ela se manifesta na existência de cada um, disso não haja dúvidas.

E à semelhança do templo, em que mesmo o círculo mais distante do centro, ou seja, o átrio dos gentios em relação ao Lugar Santíssimo, continuava a ser terreno sagrado e casa do Senhor Deus, assim também no nosso templo que somos nós, o círculo mais afastado do nosso centro e que muitas vezes se confunde (ou confundimos) com o profano, continua a ser terreno sagrado, casa de Deus, templo do Senhor.

Ou seja, não há sector não há área, não há círculo de interesse em que nos movimentemos que esteja longe ou separado da influência da presença de quem habita no nosso Lugar Santíssimo, desde que nos consideremos e sejamos templo do Senhor.

Se somos templo do Senhor, a Sua presença não pode estar arredada de nenhuma área de actividade em que estivermos envolvidos.

Quando porventura conspurcamos ou temos por independente alguma área do nosso templo, não nos espantemos se a seu tempo o nosso rei intervier, derribando as mesas que deixámos que cambistas estranhos ao templo as erigissem e se apossassem de um átrio que de direito pertence ao Senhor.

A Deus toda a glória.

SAC, 28.Setembro.2021

O Pedido de Tiago e João

O Pedido de Tiago e João

Mateus 20:17-28

Jorge PinheiroDr. Jorge Pinheiro
Para lá de Mateus, este episódio encontra-se também em Marcos 10:32-45 e Lucas 18:31-34. Em conjunto, apresentam aspectos e pormenores diferentes entre si e, por isso, são relatos que exigem uma harmonização. Como base, utilizaremos o registo de Mateus.

v. 17: E subindo Jesus a Jerusalém.

Jesus encontrava-se na Pereia (Mateus 19:12) e dirigia-se para Jerusalém via Jericó.

Se quisermos ver algum simbolismo neste trajecto, podemos dizer que Jesus seguia da cidade da guerra (Jericó) para a cidade da paz (Jerusalém). Basta recordar que Jericó está ligado a um episódio de guerra, conquista e destruição e que o termo Jerusalém pode ser traduzido como “cidade da paz”. Esse é o caminho que Ele nos convida a trilhar. A cidade da guerra foi conquistada pela força das armas mas a cidade da paz foi conquistada pelo sofrimento e pela entrega. Não há paz se não estivermos dispostos a experimentar o sofrimento e uma entrega pessoal.
v. 17: chamou de parte os discípulos e no caminho disse:

Jesus não se limitou a enviar os discípulos sozinhos: “Ele chamou-os a si.”
Jesus não guardou para si as suas intenções: “Disse.”
Jesus não ficou na retaguarda, resguardado “no caminho”. Ele não só acompanhou os discípulos, estando no meio deles, como toda a Sua acção não foi passiva mas activa. “No caminho” – ele caminhou.

E que lhes disse Ele?

v. 18: Eis que vamos para Jerusalém.

Note-se o para. Não iam a mas para. Não iam de passagem mas para ficar. Iam com um propósito. A nossa caminhada rumo à paz tem de ter um propósito e o propósito de lá ficar, dispostos a tudo de ordem pessoal para que a paz permaneça. Se queremos ser soldados, temos de ser soldados da paz, um pouco à semelhança dos actuais bombeiros que a si próprios se designam por “soldados da paz” e que apagam fogos, resgatam vidas, carregam os velhos, protegem os desprotegidos, recuperam bens perdidos, evitam ou minoram catástrofes, seguindo o seu lema “Vida por Vida”. Da minha parte, homenagem e louvor aos bombeiros.

E que iam fazer a Jerusalém?
vv. 18-19: O Filho do homem será entregue aos príncipes dos sacerdotes e aos escribas e condená-lo-ão à morte e o entregarão aos gentios para que dele escarneçam, o açoitem e crucifiquem e ao terceiro dia ressuscitará.

Jesus revela aos discípulos o que se vai passar. Torna-os participantes ou pelo menos conhecedores das Suas intenções. O clímax, o ponto máximo da vida de Jesus aproxima-se e Ele quer que os Seus não fiquem na ignorância.

Que exemplo para os líderes actuais. Quantos deles não agem em segredo, não envolvendo os liderados numa tarefa que se pretende comum e escondem a totalidade ou parte dos planos de acção? E quantos não apelam ao sacrifício, ao esforço e à entrega dos seus liderados e se excluem de toda essa entrega que se pretende e tem de ser comum?

Esta é a terceira vez em Mateus que Jesus revela que irá passar por aquilo que é conhecido como a Sua Paixão – a Sua condenação, morte e ressurreição:

• Mateus 16:21 – no seguimento da confissão de Pedro, reconhecendo a messianidade de Jesus;
• Mateus 17:22-23 – após a cura do epiléptico;
• Mateus 20:18-19 – antecedendo o pedido de Tiago e João.

Há uma quarta ocasião, em Marcos 9:31, que antecede a discussão de quem seria o maior no reino de Deus.

No versículo 18, vemos que Jesus declara sem rodeios que, uma vez entregue aos responsáveis religiosos, será por estes condenado à morte. Quando a religiosidade se sobrepõe à espiritualidade, a verdade torna-se incómoda e o caminho a seguir é eliminá-la sem hesitações. Este é um processo que se repete vez após vez em todos os quadrantes da vida em sociedade e que tragicamente não está ausente em muitas hostes ditas cristãs. Que o Senhor nos guarde e nos ajude para que a nossa teologia pessoal ou grupal não se sobreponha à limpidez cristalina da revelação do Evangelho.

É que, cuidando estarmos a ser guardiões da verdade, podemos acabar por ser um tropeço para todos os que, com um coração quebrantado e arrependido, conforme exige a Escritura, querem apresentar-se doentes como estão Àquele que os pode curar e restaurar. Em vez de os deixarmos entrar para serem tratados e curados, exigimos a apresentação de uma credencial assinada por uma qualquer entidade, por norma abstracta, controladora do acesso ao Evangelho.

O versículo 19 menciona os gentios. Aqui, referem-se à autoridade romana. Ao tempo, qualquer condenação à morte tinha de ser ratificada pelas instâncias judiciais romanas. Ao longo da História, este é um debate que continua em aberto: quem matou Cristo? Judeus ou Romanos? Há quem queira encontrar um terceiro executor: Deus. E enchem páginas de teologia, demonstrando que foi Deus quem matou Jesus, abandonando-O à Sua sorte porque, encarnando o pecado, Jesus levou Deus a não ter outro remédio senão afastar d’Ele a Sua presença. Que evangelho macabro, sinistro e malvado esse.

Se dizemos que Jesus morreu por nós, então só nos resta concluir que foi o nosso pecado que O matou. E se foi o nosso pecado que O matou, não podemos deixar de O amar e de nos esforçar, até mais não podermos, por não pecar, procurando a cada momento identificar a nossa vida com o modelo de ser humano perfeito que Ele preparou para nós.

O anúncio de Jesus está sem dúvida carregado de drama, de tragédia, de tristeza, de desespero e de impotência. Se isso vai acontecer, nada há que possamos fazer para o impedir e a única saída viável e natural parece ser o desespero.

Mas – e a grande notícia e consolo que o Cristianismo oferece – o processo não acaba ali – Ele ressuscitará. E se é verdade que, conforme predisse, foi entregue aos religiosos, foi condenado por estes à morte e foi escarnecido, açoitado e crucificado pelos gentios e morreu segundo as leis da Natureza, se tudo isso, repitamo-lo, é verdade porque aconteceu, também não é menos verdadeira a Sua ressurreição. Jesus ressurgiu, está vivo, intercede por nós e voltará segunda vez, não como um D. Sebastião mítico, mas como Rei dos reis e Senhor dos senhores.

Após esta declaração, Lucas (Lucas 18:34) afirma que os discípulos não captaram o seu significado e alcance. Realmente, é estranho porque, conforme já vimos, esta não era a primeira vez que Jesus anunciava os Seus sofrimentos. Talvez porque essa afirmação contradissesse a ideia que eles tinham da majestade do Messias. Ou talvez porque lhes parecesse impossível ou improvável que a rejeição de Jesus por parte do sistema chegasse a esse ponto, apesar de serem testemunhas de que a mensagem de Jesus incomodava muita gente e ia ao arrepio do que os outros mestres ensinavam e praticavam.

Desconhecemos a razão dessa incompreensão dos discípulos. Mas ela acaba por nos ser familiar e contemporânea. Quantos de nós, embalados por uma interpretação tradicional das Escrituras, tornada quase um dogma, temos dificuldade em conciliar determinadas passagens da Revelação com aquilo que tomamos como adquirido, com aquilo que consideramos a única interpretação possível?

O versículo 20 introduz uma divergência com o relato de Marcos (Marcos 10:35). Mateus diz que o pedido é feito pela mãe de Tiago e João, enquanto Marcos afirma que o pedido foi feito pelos dois irmãos.

São possíveis duas respostas:

• A mãe dos irmãos encontrava-se no grupo (versão de Mateus).
• Os dois irmãos verbalizaram um pedido ou desejo expresso da mãe (versão de Marcos).

No entanto, apesar desta discrepância, ambos os relatos são concordes quanto ao conteúdo e matéria do pedido. E o pedido consiste em que Jesus concedesse aos dois a possibilidade de um se sentar à direita e o outro à esquerda de Jesus quando este ocupasse o trono do Seu reino (v. 21).

Muito provavelmente, ainda lhes ecoava a garantia dada por Jesus de que os discípulos se assentariam sobre doze tronos para julgarem as doze tribos de Israel (Mateus 19:28).

Pelo pedido, e ainda mais pela resposta de Jesus, não é descabido concluir que os discípulos, ou pelo menos estes dois, ainda não tinham percebido as características especiais do Reino de Cristo, que não se regia segundo as normas de um qualquer reino humano.

Esta conclusão detecta-se no início da resposta de Jesus: Não sabeis o que pedis (v. 22). No resto da resposta, Jesus sonda os pensamentos dos dois irmãos, forçando-os a declarar em que moldes viam o Reino de Cristo, uma vez que Jesus prossegue: Podeis beber o cálice que eu hei-de beber e ser baptizados com o baptismo com que sou baptizado?

Na aparência, a resposta dos dois leva a supor que eles teriam entendido a essência do Reino. Quanto a mim a resposta não é mais do que um adiamento, de um compasso de espera.

O cálice aponta para o que nos pode acontecer nesta vida, no nosso encontro com as circunstâncias. Pode representar tanto o que de bom nos acontece (Salmo 16:5 – O Senhor é a porção da minha herança e do meu cálice; Salmo 23:5 – …unges a minha cabeça com óleo, o meu cálice transborda; Salmo 116:13 – Tomarei o cálice da salvação; Jeremias 16:7 – …nem lhes darão a beber do copo de consolação) como o que de mau nos atinge (Salmo 75:8 – Na mão do Senhor há um cálice, cujo vinho ferve, cheio de mistura e dá a beber dele; Apocalipse 14:10 – Também o tal beberá do vinho da ira de Deus que se deitou, não misturado, no cálice da Sua ira.)

Como Cristãos, quando se fala em cálice, recordamos de imediato a oração no Getsémani: Passe de mim este cálice. (Mateus 26:39), em que o cálice está associado ao sofrimento experimentado por Cristo.

Na segunda metade da resposta, Jesus refere o baptismo: Podeis ser baptizados com o baptismo com que sou baptizado? O baptismo aponta para uma dissolução pessoal e voluntária num meio que nos é hostil e até fatal. Etimologicamente, significa “mergulhar” e mergulhar bem fundo. Nesta resposta de dupla interrogação, estão implícitos o sofrimento (o cálice) e a morte (o baptismo).

A resposta dos dois não se fez esperar: Disseran-Lhe eles: Podemos. (v. 22). A história futura confirma que, conscientes ou não das implicações da resposta, estavam a ser sinceros. Tiago foi o primeiro apóstolo a conhecer o martírio – foi morto à espada por Herodes Agripa (Actos 12:1), enquanto João viveu o exílio na inóspita ilha de Patmos, onde teve a visão do Apocalipse.

Podemos dizer, como Robert Little, que “Tiago morreu como mártir e que João viveu como um mártir”. Recordemos que mártir significa testemunha.

Relembremos que Tiago e João pertenciam a um grupo mais estrito dos Doze em que se incluía Pedro, testemunha do momento alto da vida de Jesus – a Sua transfiguração; recordemos também que no jardim do Getsémani Jesus os tomou à parte, tendo eles testemunhado a tristeza e a angústia do Mestre e que João era chamado “O discípulo amado”, muito próximo de Jesus, em cujo peito se reclinava.

Talvez por todos estes episódios os dois irmãos se julgassem credores ou merecedores de uma benesse especial de Cristo e, por isso, se tenham atrevido a formular tal pedido.

Sentar-se à direita e à esquerda da majestade implica o reconhecimento de segunda autoridade do reino. O que os dois irmãos estavam a pedir era nem mais nem menos que uma posição de autoridade sobre todos os outros agentes de autoridade, apenas inferior à autoridade suprema. Recorde-se que Jesus está sentado à mão direita do poder de Deus (Lucas 22:69).

Jesus confirma (v. 23) que os dois beberiam o cálice e seriam baptizados com o Seu mesmo baptismo (Marcos 10:39). Isso de facto cumpriu-se como já vimos. No entanto, sentar-se à direita e à esquerda, isso estava fora de questão (Mateus 20:23). É assim que este texto deve ser entendido e não como se a Jesus faltasse o poder para o conceder. Foi como se Jesus dissesse: “Essa atribuição não depende dos vossos esforços nem é uma recompensa pela vossa dedicação.”

De facto, no reino de Deus há dois agentes intervenientes: Deus e o Homem. É o que vemos em João 3:16 que também nos diz que o que Deus tinha a fazer já fez (os verbos de que Deus é sujeito estão todos no passado) e que naquilo que é da competência de Deus o Homem não pode intervir. Em sequência, o Homem tem o seu papel a desempenhar no avanço do Reino, que é a sua entrega e dedicação. A atribuição do galardão é da competência exclusiva de Deus.

E esta resposta de Jesus fala à nossa condição e deixa pistas preciosas. Por O seguirmos voluntária e comprometidamente aceitamos ter de passar pela dor, pelo sofrimento, pela angústia, se essa for a porção que Ele nos tem destinada, sabendo que Deus, como justo juiz, nos dará o galardão que nos tem reservado. Caso contrário, se tivermos olhos para o galardão que nós próprios nos atribuímos, estaremos a agir como mercenários, cujo interesse é egoísta e não a busca da maior glória de Deus, conforme Jesus já ensinou: Buscai primeiro o reino de Deus e a sua justiça e todas estas coisas vos serão acrescentadas. (Mateus 6:33).

A reacção dos outros discípulos (v. 24) não podia ser senão de indignação. De indignação não porque considerassem errada a motivação dos dois irmãos mas porque eles se lhes anteciparam no pedido que eles próprios não recusariam solicitar.

Como é tão contemporânea essa atitude. A tentação e a atracção pelo poder são um mal a que poucos conseguem resistir. A História está cheia de exemplos de homens que transformaram a acção do Reino de Deus num mero jogo de interesses, em que o oportunismo campeia e em que a subjugação do outro, recorrendo ao medo e às maldições, é moeda corrente que ganha mais validade com a pompa de títulos e a elocução de pretensas profecias justificativas.

Nos versículos 25-28, Jesus deixa bem clara a natureza do Reino de Deus na sua relação com o poder.

Entre os reinos deste mundo, a ambição maior é o exercício do poder baseado na subjugação dos súbditos. Todos os meios e armas são lícitos para se alcançar essa subjugação que é a deterioração de uma submissão genuína e voluntária. Duas dessas armas são o medo e o servilismo. Em conjunto, transformam os súbditos numa massa alienada, acrítica e supersticiosa.

No Reino de Deus, as coisas não funcionam assim. Tal o líder, assim os liderados. O nosso Rei assumiu a nossa natureza, identificou-se com as nossas fraquezas, sentiu as nossas insuficiências, experimentou as nossas angústias. Riu-se connosco. Chorou connosco. Despiu-se de qualquer título, não impôs a Sua realeza, mas caminhou pelas mesmas pedras que os nossos pés calcorrearam.

Quem entre vós quiser fazer-se grande seja vosso serviçal. (v. 26)

Só pode ser grande aquele que não dispensa quem está no mais fundo do vale mais escuro e o traz para a luz, mostrando-lhe que há um que vê em cada um o potencial para que a glória de Deus encha a terra como as águas cobrem o mar.

A Deus toda a glória.