UMA ÉTICA PRÉ-CRISTÃ EM PÍNDARO

JTPUma ética pré-cristã em Píndaro

João Tomaz Parreira

Píndaro, o maior poeta lírico da Grécia no séc. V a.C., representa o lirismo que impõe valores éticos na poesia, a fim de serem seguidos em excelência pelos homens.

A sua lírica coral perorava poeticamente sobre o que o poeta considerava excelência dos vencedores dos jogos pan-helénicos, celebrava com odes triunfais, não só quem vencia, mas os valores que se traduziam a partir das vitórias, que eram cantados e se espalhavam dos seus poemas para a música.

Na Grécia clássica celebrava-se a luta (àgonía / ἀγωνία) individual. Não havia jogos coletivos, nem vitórias em equipa. A honra ou desonra era individual, mas os pensamentos do lirismo de Píndaro ajustavam-se, sobretudo, à humanidade, ao coletivo dos homens.

Da sua obra poética, chegaram, passando pelas primaveras e pelos outonos das várias civilizações até à contemporaneidade, apenas quatro livros: 14 Odes Olímpicas, 12 Odes Píticas, 11 Odes Nemeias e 8 Odes Ístmicas de Corinto.

Em alguns dos versos das suas odes píticas – dedicadas aos heróis dos jogos em Delfos, onde se premiavam os vencedores com uma coroa de louro –, isolados do contexto que lhes é próprio e que lhes deu origem, e subtraindo os que eram dedicados a Apolo, antevemos essa excelência que, mais tarde, o cristianismo tornou universal e, muito antes, alguns livros sapienciais do Velho Testamento também universalizaram.

Píndaro, no conceito sobre o sagrado que os gregos possuíam, foi um poeta “próximo” dos deuses. Do poeta se dizia, no seu tempo e após a sua morte, que os sacerdotes, todas as noites, à hora do jantar, mandavam um arauto dizer: “Píndaro vem hoje jantar com os deuses”. Havia sempre uma mesa posta para o lírico, tal a excelência da sua poética de valores.

Antecipados assim de cinco séculos, em relação aos valores cristãos, o que lemos hoje é algo que, pela sua importância dos valores pronunciados, é transversal a religiões e a ideologias, porque estão no propósito divino da moral e da ética.

 

Um bom e inteligente governo em prol do povo

1ª Ode para Hierão de Etna: “Possa o homem que tem a chefia ordenar ao seu filho que, depois de recompensar o povo, o faça voltar à tranquilidade da concórdia” (4ª Antiestrofe); “Guia com leme justo a multidão.” (5ª Estrofe)

2º Livro de Crónicas, 10:7: “ Eles (os conselheiros do rei Roboão) disseram: Se te fizeres benigno para com este povo e lhes agradares e lhes falares boas palavras, eles se farão teus servos para sempre”.

 

O valor substantivo da verdade

5ª Estrofe: “Forja a língua na bigorna infalível da verdade”.

Salmo 91:4: “A sua verdade é escudo e broquel”.

Isaías 11:5: “(do Messias) a verdade será o cinto dos seus rins”.

 

O valor essencial da honestidade

5ª Estrofe: “Não te deixes enganar, amigo, com ganhos lucrativos mas de proveniência vergonhosa”;

Provérbios 3:35: “Os sábios herdarão honra”. 

Eclesiastes 6:2: “O homem a quem Deus conferiu riquezas, bens e honra”.

I Pedro 2:12: “Tendo o vosso viver honesto entre os gentios”.

 

Condenação da luxúria

2ª Ode, 2ª Antistrofe: “O leito da luxúria atira-nos vezes sem conta para a miséria”.

            Oseias 4:12: “porque o espírito de luxúria os engana”.

Hebreus 13:4: “Venerado seja entre todos o matrimónio e o leito sem mácula”.

 

Condenação da maledicência

3ª Estrofe: “É necessário que eu fuja à forte dentada da maledicência”.

4ª Estrofe: “As insinuações caluniosas são um mal inexpugnável para ambos os lados, semelhantes em tudo ao carácter de uma raposa”.

Provérbios 12:19: “A língua mentirosa dura só um momento”.

Provérbios 20:19: “O que anda maldizendo descobre o segredo” (isto é, descobre-se o seu carácter de mexeriqueiro).

Tiago 3:8: “Mas nenhum homem pode domar a língua. É um mal que não se pode refrear; está cheia de peçonha mortal”.

 

Condenação da inveja

Epodo 4: “O invejoso põe a bitola alto de mais, e inflige ao seu próprio coração uma ferida dolorosa”.

Provérbios 14:30: “A inveja é a podridão dos ossos”.

Tiago 3:14: “Mas, se tendes amarga inveja, e sentimento faccioso em vosso coração, não vos glorieis, nem mintais contra a verdade.”

 

As boas convivências

Epodo 4: “Oxalá possa eu conviver com homens de bem”.

Salmo 1: “Bem-aventurado o varão que não anda segundo o conselho dos ímpios.”

 

O perigo das meias verdades

4ª Ode, Estrofe 5: “De que ventre venerável de entre os humanos, nascidos na terra, vieste? Não manches a tua origem com mentiras odiosas e diz-me quem são os teus.”

Génesis 12:13-19: “ Dize pois que és minha irmã (…) Disse Faraó a Abrão: Que é isso que me fizeste, por que não me disseste que era ela tua mulher? E me disseste ser tua irmã?”

Na tradição destes hinos de Píndaro está a celebração do herói, a relação deste com o cântico não é o homem, mas os seus feitos. Estes são, pela sua própria natureza, temporais: um feito suplanta outro feito.

As referências à Sabedoria de Deus ao nosso dispor, essas são eternas e condicionam a vida do Homem.

Nestas Odes há a imitação da vida, porque se trata de arte. A prática dos valores éticos, segundo a Bíblia Sagrada, é vida. As lições éticas das Escrituras Sagradas mudam os costumes do homem, a Musa não.

A “HISTÓRIA” DE DEUS E O DEUS DA HISTÓRIA NA HISTÓRIA DO HOMEM

A “HISTÓRIA” DE DEUS e O DEUS DA HISTÓRIA

NA HISTÓRIA DO HOMEM

 estrelas           É nossa convicção que o homem por si nunca poderá alcançar Deus e conhecê-lO através da sua mente, pela sua intuição, pelo seu pensamento e imaginação, pela sua filosofia ou pela sua ciência. Tudo o que o homem por si próprio possa dizer acerca de Deus não é digno de confiança. O homem não tem como saber acerca de Deus se este não se revelar a Si mesmo.

Foi isto que Deus fez através das coisas criadas, através da Palavra inspirada, pelo Seu Filho unigénito entre nós, e pelo Espírito Santo que se move na história dos homens e habita em todos os que confessam a Jesus Cristo como Salvador e Senhor.

Pela história de todas as religiões o máximo que nós podemos ter é o anseio do ser humano em todos os tempos e em todas as latitudes e longitudes, em todas as culturas, pelo transcendente, pelo divino, pelo sobrenatural, pela espiritualidade. Ao mesmo tempo temos aí muita da rebeldia do homem em não querer aceitar as evidências da existência do Deus pessoal substituindo-o pelas coisas criadas, pelas forças e energias cósmicas, pela natureza, pelos objectos, pelos ídolos fabricados pela imaginação e engenho humano, pelas ideais e conceitos religiosos e filosóficos, enfim tantas vezes até pelo próprio homem mesmo quando nega Deus (ateísmo) ou dúvida de que seja possível saber alguma coisa acerca Dele (agnosticismo).

Consideramos que apesar de podermos encontrar em todas as culturas sinais que possivelmente Deus permitiu ao homem discernir ou que o próprio Deus aí inseminou, quem é que poderia ou poderá distinguir e articular o que são os factores divinos, os lampejos da verdade e o que é ilusão e falsidade resultado das limitações e insuficiências humanas?

Como já dissemos anteriormente estamos convictos de que Deus falou e continua a falar-nos através das coisas criadas, da Bíblia Sagrada, de Jesus Cristo e do Espírito Santo. Essa revelação é suficiente embora não seja absoluta. Não sabemos tudo acerca de Deus, mas sabemos o suficiente.

Especialmente em Jesus Cristo nós temos Deus entre nós na dimensão que nós podemos captar, entender, tocar, contemplar, conhecer, acompanhar, seguir. Diante de Jesus Cristo não temos qualquer dúvida acerca da existência de Deus.

Convém abrir aqui um parêntesis para confessarmos que se a ciência não pode provar nem negar que Deus existe porque Ele não se confunde nem está confinado, aprisionado, limitado, contido pela matéria e pela natureza, não é de admirar que racionalistas, intimistas, materialistas e naturalistas não o divisem. Deus não se prova, não se demonstra, não se explica. Deus é Deus – pessoal, triuno, Criador, Sustentador, Redentor, Restaurador e Consumador. Para nós Ele é auto-evidente. Por isso nem a Bíblia nem Jesus Cristo gastam tempo a provar o que está aí diante do nosso nariz e dos nossos olhos. Para quem é crente Deus é visível em tudo o que existe como obra das Suas mãos, a nossa existência não faz sentido sem a Sua existência.

Ele não existe porque nós existimos, mas nós existindo sabemos que Ele existe (de outra forma não o saberíamos). Da mesma forma que não precisamos que ninguém nos prove que existimos, também não necessitamos de nenhuma prova de que Ele existe e, no entanto, existindo temos todas as provas.

Esperamos pelo momento em que aqueles que O negam ou duvidam, estejam finalmente diante Dele para então sabermos o que Lhe dirão face a face, ou o que Dele ouvirão se é que será necessário dizer o que quer que seja. Ou seja será que diante Dele, não tendo como não aceitar a Sua existência ou duvidar dela, continuarão a não crer porque crer é muito mais do que admitir a existência, é confiar, é depender, é abandonar-se, é aceitar, é confessar, é adorar, é louvar, é gratidão… crer! Eu creio!!! O resto é pecado – errar o alvo da vida, querer ser deus sem Deus e contra Deus, acima de Deus – loucura.

Alguns perguntarão pelos que tendo apenas a criação e não tendo conhecimento da Bíblia como Palavra de Deus e de Jesus Cristo como Deus entre nós. Não temos qualquer dúvida que Deus sabe como lidar com cada um desses casos em conformidade absoluta com a sua natureza santa, amorosa, graciosa e justa. Não nos preocupa tanto os que não sabem mas o que sabendo rejeitam esse conhecimento, evitam com mil e uma desculpas e justificações a sua incredulidade. Cabe-nos como crentes a suprema tarefa de vivermos de tal forma que através de nós o conhecimento de Deus, do Seu amor, da Sua graça, da Sua santidade, da Sua perfeição, da Sua justiça chegue ao maior número possível de pessoas através de todos os meios porque só em Deus o homem verdadeira se encontra e é verdadeiramente humano.

Na Bíblia temos a “História” de Deus na história dos homens, temos o Deus da História na Sua soberania e na liberdade do ser humano. Nela não se confunde a palavra do homem com a Palavra de Deus, toda ela é Palavra de Deus porque toda ela foi escrita pela inspiração do Espírito Santo, pelo querer de Deus, ela mesmo distingue o que é palavra de homens, de loucos, até de demónios e as declarações do Altíssimo. Por isso a Bíblia não contém a Palavra de Deus misturada com as palavras humanas, mas é a Palavra de Deus. A palavra divina usando as palavras dos homens para que saibamos o quanto Ele nos ama e que só Nele encontramos o sentido, o desígnio, o propósito, a essência, a verdade.

A nossa história só ganha sentido e plenitude na História de Deus. Fomos criados por Ele e para Ele, só nos encontramos n’Ele. Ele é o Deus da História e da nossa história individual.

 

Samuel R.Pinheiro

www.samuelpinheiro.com

DUAS LINGUAGENS EM RISCO DE VIDA

Duas Linguagens em Risco de Vida

João Tomaz Parreira

Cruz_ LuisPaçoA linguagem do insulto perante a crucificação de Jesus Cristo, antes de mais revelou a inconsistência, a visão errática e o desespero de grupos definidos da multidão.

Sim, desespero, porque os homens e as mulheres de Jerusalém estavam diante da falta de respostas quer da sua religião, quer da política vigentes. Estavam sob um protectorado, que não alimentava o orgulho exclusivista da Judeia. O seu último morto histórico por causa do judaísmo, dos costumes e da moral, havia sido João o Baptista.

Diria que a linguagem foi a do insulto dos impotentes, que não obstante se assumiram como psêudo “heróis” em matilha – como quase sempre sucede-, em conflito consigo mesmos. O poeta argentino Jorge Luís Borges escreveu, num excelente poema (”Cristo na Cruz”): “Não o alcança a mofa da plebe / que viu a sua agonia tantas vezes”.

 Os Evangelhos narram esses insultos, que no fundo ultrapassaram a própria cordialidade e humanidade com que a ancestral lei mosaica tratava os condenados até pela justiça divina. Perante momento tão solene e profético, as atitudes deveriam conter o espírito de tolerância que presidiu no passado longínquo à edificação das “cidades de refúgio”, deveriam manter-se no registo do “bater com a mão no peito” ou no menear a cabeça. Nunca no verbo injurioso.

Mateus e Marcos têm uma diegese pormenorizada com as falas que não deixam de exibir o histerismo da multidão diante do sangue que iluminava a cruz central. Dialogias de blasfémia e de ironia religiosas, a roçarem o ódio, a ignorância e o absurdo:

“Ó tu que destróis o santuário e em três dias o reedificas!”

“Salvou os outros, a si mesmo não pode salvar-se”,

“Desça da cruz, e creremos nele”,

“Confiou em Deus; pois que venha livrá-lo agora”. (Dos Evangelhos)

Os próprios malfeitores que foram crucificados com Jesus, não resistiram ao impropério generalizado da multidão, não obstante a tragicidade do seu estado, e juntaram as suas vozes para blasfemar também. Os dois primeiros evangelhos sinópticos não branqueiam o facto, referem mesmo que o alegado “ladrão arrependido” também blasfemou.

Os discursos dos malfeitores

Desconhecemos quais foram as palavras pronunciadas pelo chamado “ladrão arrependido” – sintagma usado como título dos versículos de Lucas  -, as mesmas teriam o idêntico registo injurioso dos demais?  Impropérios, segundo Mateus (Bíblia Anotada de Scofield), insultos, diz-nos Marcos. Afinal também era – como o referido poeta argentino lhe chama – “un bandolero que Judea / clava a una cruz”, mas que pôde saber da clemência divina apesar da sua condição (1). Porque soube fazer uma escolha, deixar de lado o “politicamente correcto”, isto é, o facilitismo de seguir a multidão dominante; quis antes fazer uma escolha, voluntariamente.

Uma escolha contextualizada na Fé e no Arrependimento. O seu anti-discurso prova-o: “Nem ao menos temes a Deus, estando sob igual sentença? Nós na verdade com justiça, porque recebemos o que os nossos actos merecem; mas este nenhum mal fez.” (Lc 23, 40-41)

Mas aquele que a tradição apócrifa e a literatura costumam classificar como o “ladrão impenitente” (2) ou  mau ladrão vociferava palavras não tanto de ódio, mas de egoísmo e de comiseração por si próprio e por Cristo: “Não és tu o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós também.” (Lc 23,39)

Nestas brevíssimas frases, a dúvida  anulava o que poderia ser entendido como uma pequena fé, e quereriam dizer : “Afinal se fosses o Cristo, como dizem, salvavas-te a ti e a nós”. Gritava o ladrão impenitente, no seu desespero, era o grito da incapacidade humana de se salvar.

 As suas palavras se não fossem trágicas, poderiam pretender uma ironia.

Outro escritor, o francês Henri Michaux ao chamar-lhe num texto poético “o ladrão não arrependido”, traçou-lhe o destino no século XX, o destino da Tragédia a um passo da Salvação, que poderia ter acontecido de uma cruz a outra cruz.

 

                                                                                         © João Tomaz Parreira

  1. Poema “Lucas, XXIII”, Antologia Poética, J.L.Borges, Alianza, Madrid, 1983
  2. Longfellow, Henry Wadsworth; The Golden Legend, que refere ambos

    os ladrões Penitente e o Impenitente. E sugere-lhes nomes.

O Último Verso do Salmo 23

O ÚLTIMO VERSO DO SALMO 23

João Tomaz Parreira

“E habitarei na casa do Senhor por longos dias” , 23,6

Salmo23Este verso, ao contrário do que pode parecer, não remete exclusivamente para a eternidade, ou o post mortem do crente, revela-se e amplifica-se no seu sentido maior, que cada momento da nossa vida será preenchido com  as mais ricas bençãos de Deus.

Os versos da poesia bíblica, designadamente nos Salmos, não têm que ter apenas uma leitura submetida a uma única contextualização e uma aplicação literal fechada, tão pouco uma leitura exclusivamente alegórica, neles existe história ( a história de Israel e a do homem como criatura de Deus) como existe teologia, louvor e adoração; por vezes até o Eu poético, num registo intimista, amargurado e arrependido diante do Senhor ( vd o 51).

Particularmente o último verso do Salmo do Pastor, podemos lê-lo de dois modos e dar-lhe a dimensão da eternidade a partir do tempo. Podemos ler o que está lá e o que não está, numa metalinguagem divina. De um modo ou de outro, lê-lo é também um exercício semântico que não dispensa a leitura contextual do verso anterior (vs 5).

 

O parágrafo que separa ambos os versos 5 e 6, como uma divisão apenas tipográfica que une duas frases num texto, completa todo o sentido de um lugar habitável em que o anfitrião prepara a mesa, proporciona abundância de bens metaforizada no “cálice que transborda”, dá hospitalidade e unge segundo as normas orientais. E nessa habitação não há lugar para os inimigos dos convidados.

Nestes dois versos temos a figura da casa, como habitação onde somos hóspedes de Deus, e sobretudo a narrativa poética da comunhão com Deus na graça e na bondade divinas todos os dias.  A partir deste ponto, podemos ler com uma perspectiva mais alargada, o derradeiro verso com que o salmo termina.

Dividindo assim o verso em elementos, do ponto de vista linguístico observamos o que a frase nos transmite.

“E habitarei” - é em si mesma, literalmente, uma expressão que fala de permanência. No grego da Septuaginta ( a Versão dos 70), no Salmo 23 encontramos o termo katoikein, que significa “lugar onde se vive” e contêm o substantivo “casa” ( oikos).

“na casa do Senhor” - A casa do Senhor poderia ser exclusivamente uma metáfora do Céu, mas parece-nos que o contexto não é isso que nos diz, razão pela qual alguns comentaristas tendem a estender o significado. Mas stricto sensu quer significar quase sempre, como sabemos, o Templo e não o Céu.

A verdade é que tanto no Velho como no Novo Testamento, no grego, quando os autores sagrados  falam do Céu ou Céus, fazem-no de um modo literal para falar de firmamento ou da habitação de Deus.

Os termos usados em dois salmos significativos são comuns e idênticos na tradução grega do Velho Testamento já citado. Salmos 8, 3 e 73,25.

Neles a palavra  “Ouranos”  é também metáfora perceptiva para falar do divino, da divindade do lugar. No grego da literatura clássica tinha também um significado merecedor de nota, era “aquilo que é apropriado para um deus”, isto é, um lugar divino.

Deste modo e seguindo a linguagem poética salmódica, o que o autor sagrado (David ou o autor desconhecido de um dos Cânticos dos Degraus, no Salmo 122 ) quer dizer qundo escreve “casa do Senhor”, é perceptível como sendo o lugar onde Deus está eclesialmente, o templo,  a casa de oração, o lugar onde os crentes se reunem para louvar, adorar e aprender as Escrituras Sagradas, onde estiverem “dois ou três reunidos em meu nome” – disse Jesus Cristo.

Com efeito, na linguagem grega esta figura perceptiva é clara: “oikõ kuriou”.

“para todo o sempre” ou “ao longo dos dias”

A versão da chamada Bíblia dos Capuchinhos exara deste modo o  final do salmo: “A minha morada será a casa do Senhor ao longo dos dias.”

No VT as alianças de Deus com o Seu povo referiam-se ao tempo, aos dias (Ecl 12,1), mas dado o carácter da lógica da aliança divina, que não tinha falhas nem fim, dirigiam-se também para a eternidade.

A expressão na Septuaginta é, deste ponto de vista, clara: makroteta émerõn; indica uma longa distância de dias, o que vai no sentido da conhecida frase coloquial “aquela pessoa teve uma longa vida”.             

A longevidade dos dias neste precioso quanto simples salmo, já chamado “canção da fé” e “de beleza tranquila”, alongam-se para a eternidade. No tempo, porém, vai colocando ao dispôr da ovelha ( metáfora perceptiva) um acervo de bençãos. “A maior das bençãos será uma comunhão íntima com Deus através da continua adoração” (1) na vida e na comunidade do crente.

No decurso de milénios, desde a data em que foi composto, este poema bíblico de várias metáforas extensivas, de fácil percepção, que começa com uma metáfora tomada da vida pastoril e bucólica,  tem dado serenidade e confiança ao crente com a presença divina, mesmo no vale da sombra da morte. Porque além desta está a eternidade.

Finalmente, o sentido prático do derradeiro verso do Salmo 23 foi bem interpretado no livro “Formosa Herança” do saudoso pastor e amigo Alfredo R. Machado: “ Estas palavras além de fazerem referência à eterna habitação de Deus, também se aplicam ao nosso desejo de regularmente estarmos presentes nos cultos da Casa de Oração, juntamente com todos os santos”. (2)

 

___________________________

(1)  Comentário Bíblico Moody, Vol 2, Josué a Cantares,  pág. 377, Pfeiffer e Harrison, IBR

(2)  Pág. 67, CPAD e CAPU, 2006

 

©  João Tomaz Parreira

©

HOUSE, O PACIENTE DE DEUS

House, o paciente de Deus 

Ricardo Rosa

House_MD_S06_by_Aleks10Sou um fã confesso de séries de televisão e por vezes de séries opostas em termos de género. Não consigo deixar de me rir com personagens como Niles Crane (Frasier) ou Sheldon Cooper (The Big Bang Theory) onde o pretensiosismo, a cultura e o centralismo dão as mãos.

Talvez por isso, não deixe de simpatizar com o célebre dr. Gregory House (House MD). Não porque me faça rir ou porque tenha tiradas satíricas memoráveis. Na verdade, o que me intriga em relação a este médico que vive nos limites da sensibilidade e do egoísmo, acaba por ser o modo lógico como tende a analisar tudo (tal como Niles Crane) e o sentimento de que ele é o Sol no movimento heliocêntrico da vida de todas as outras pessoas (à imagem e semelhança de Sheldon Cooper).

A lógica e a ciência são as verdadeiras bengalas em que a personagem interpretada por Hugh Laurie se sustenta. O próprio define-se como ateu, na melhor de todas as hipóteses um agnóstico severo (sem sentido de denegrir o quem quer que seja) para quem a hipótese Deus é meramente alucinogénia ou patológica. A sua definição de fé é baseada na ausência lógica e na falta de qualquer experiência[1]. E essa ausência de um elemento teoricamente improvável, leva-o a viver uma vida em que opta por tentar encaixar teorias, leis, probabilidades, métodos e dados de modo satisfatório. Segundo o que aprendemos com este médico, a humanidade é simultaneamente uma doença e uma cura. É o homem pelo Homem, no final de contas, após o último impulso eléctrico ter cessado no corpo humano, tudo o que nos espera é o vazio e o conceito filosófico do nada.

A própria negação da fé de House leva-o a experimentar uma visualização do pós-vida. Numa tentativa de perceber o que existe para além do último fôlego, House electrocuta-se servindo de cientista, cobaia e experiência em simultâneo[2]. O resultado acaba por lhe desagradar e “força-o” a concluir que não existe pós-morte, muito menos o conceito de um deus, seja ele qual for.

É aqui que percebo que esta é uma dúvida que ocorre demasiado, talvez pelo medo do desconhecido, talvez pela falta de uma certeza, talvez porque simplesmente não queiramos aceitar algo que nos recusamos a admitir. House pode ser um médico com resultados clínicos brilhantes (socialmente e humanamente duvidosos no entanto), mas não deixa de ser um paciente para Deus. A sua busca lógica, estruturada e orientada pede não uma prova, mas uma série de evidências inabaláveis que o conduzam a um resultado final.

O mesmo aconteceu aos ouvintes de Paulo no Areópago[3], queriam um raciocínio lógico e irrefutável, algo que Paulo lhes concedeu. Até ao momento em que abrevia pelo atalho falando da ressurreição dos mortos[4]. E mais uma vez, a medicina de Deus proveu pela Graça que a condição do ser humano fosse mudada nas vidas de Dionísio, Dâmaris e outras pessoas[5].

Tudo o que Deus nos dá e faz é por meio da Sua Graça, sendo um pouco como o médico que trata doentes sem seguro. A diferença na medicina de House e de Deus está no facto de que o primeiro é finito e não pode reverter a morte, é-lhe impossível contrariar as leis da natureza em que ele próprio se baseia. Já Deus tem o prazer de baralhar as cartas e tornar a dar, dando vista aos cegos[6], dando voz a mudos[7], restituindo partes do corpo a amputados[8] e anulando a acção da morte ao trazer à vida um amigo[9].

Em tudo isto, o especialista em doenças infecto-contagiosas e nefrologia não consegue deixar de ser um paciente necessitado de uma cura. O vício que mais o transtorna não é o dos analgésicos para uma perna estilhaçada. É o da incerteza sobre quem é o totalitário dono da vida: se o Homem, se Deus… Em comparação com House, todos os efeitos que nega pela lógica, Deus prova-os pela prática e assina o atestado de existência e capacidade. No fundo, o problema de House com Deus não é que não consiga acreditar n’Ele, é o de não querer aceitar que o divino cria as leis e os processos pelos quais nos regemos logicamente e isso dá-lhe sempre uma vantagem, seja em que situação for. E esse é um reflexo do ser humano, não do moderno ou pós-moderno, mas simplesmente do Homem tal e qual como o conhecemos. A ética darwiniana da evolução e adaptação não consegue dar uma resposta a tamanho dilema. Podemos tentar retardar a morte, mas nunca a conseguiremos aniquilar por nós mesmos.

O pecado é uma doença infecto-contagiosa, que acaba por levar a melhor sobre o nosso corpo[10], mas que não deve assenhorar-se da nossa alma. Por essa razão, o anseio furioso de House não é mais do que o Homem à procura da resposta que naturalmente o deveria levar a Deus[11].

Mas porque o pecado continua a sua obra destrutiva em cada um de nós[12], precisamos de perceber que a cura está ao alcance do ser humano e que Yhwh é o nosso médico pessoal…

Ricardo Rosa

 

[1] - http://www.patheos.com/blogs/friendlyatheist/2008/09/16/house-md-and-atheism/

[2] - http://en.wikipedia.org/wiki/Gregory_House#cite_note-58

[3] - Actos 17:16-33

[4] - Actos 17:32

[5] - Actos 17:33

[6] - Mateus 9:27-31; Marcos 8:22-26; João 9:1-12

[7] - Mateus 9:32-34

[8] - Lucas 22:50,51

[9] - João 11:1-45

[10] - Salmo 89:48

[11] - Romanos 1:20

[12] - Eclesiastes 7:20; Romanos 3:23, 5:12; 1ª Coríntios 15:21

OS SETE MOMENTOS DA PÁSCOA

Os Sete Momentos da Páscoa

Jorge Pinheiro

Cruz

Pela fé, Moisés sendo já grande, recusou ser chamado filho da filha de Faraó, escolhendo antes ser maltratado com o povo de Deus do que por um pouco de tempo ter o gozo do pecado, tendo por maiores riquezas o vitupério de Cristo do que os tesouros do Egipto, porque tinha em vista a recompensa.

Pela fé, deixou o Egipto, não temendo a ira do rei; porque ficou firme como vendo o invisível.

Pela fé, celebrou a Páscoa e a aspersão do sangue para que o destruidor dos primogénitos lhes não tocasse.

Pela fé, passaram o Mar Vermelho como por terra seca, o que intentando os Egípcios pereceram

(Hebreus 11:24-29)

 

Introdução

Estamos na época da Páscoa. Mas, afinal, o que é a Páscoa? Qual a sua história? Qual o seu significado? Qual o seu valor? Qual a sua importância para os nossos dias? Qual a sua relevância para o homem nosso contemporâneo?

A Páscoa que comummente se procura recordar nesta época é a Páscoa ocorrida por altura da morte de Cristo. Ou melhor dizendo, procura-se recordar os acontecimentos ocorridos por altura da morte de Cristo. Porque aquilo que se procura recordar não é a Páscoa mas sim os acontecimentos que envolveram a vida daqueles treze homens. Note-se que insisto no “procura-se recordar” e não no “recorda-se” porque realmente o que acontece de um modo geral nesta altura não é bem o recordar, o reviver desses acontecimentos, mas antes uma tentativa que termina falhada porque o drama então ocorrido, a profundidade espiritual daqueles acontecimentos, o significado e a implicação pessoal das comemorações pascais, enfim, o valor dos valores aí envolvidos escapam-se total e completamente aos peregrinos do nosso tempo porque, afinal, aquilo que é evocado e que é retido não passa de elementos folclóricos de uma herança cultural colectiva.

Mas a Páscoa é mais do que isso. A Páscoa é mais do que folclore. A Páscoa é mais do que uma data comemorativa do calendário.

Para lá das circunstâncias do momento, com a dieta alimentar habitual modificada e melhorada, com os presentes que se trocam e as amêndoas que se oferecem para adoçar o amargor da vida, a Páscoa permanece intacta, esperando que os homens toquem, provem e vivam o seu significado.

A Páscoa que queria relembrar não é apenas a Páscoa vivida por Cristo mas sim a Páscoa, a ideia divina da Páscoa. Porque afinal ― ainda que seja paradoxal e possa parecer estranho a ouvidos desprevenidos ― nós, como Cristãos, não temos de nos preocupar em recriar ou reviver a Páscoa de Cristo, ou seja, a Páscoa vivida por Cristo. E porquê? É que sendo Cristo a nossa Páscoa, então temos de viver pessoal e individualmente a pessoa de Jesus Cristo porque só vivendo-O estaremos a comemorar condignamente a ideia divina da Páscoa.

A Páscoa de Jesus Cristo foi a Páscoa d’Ele, vivida por Ele. É um acontecimento de profundos significados e implicações teológicas mas não deixa de ser um acontecimento histórico. É um marco da nossa vida, é verdade, mas é um facto passado que só revive como todos os factos passados, como todas as datas históricas importantes que são relembradas.

A Páscoa de Jesus Cristo foi d’Ele. Ainda que sejamos participantes das Suas bênçãos e ainda que seremos participantes da Sua glória vindoura, a Páscoa de Jesus foi d’Ele, não é nossa, porque foi vivida por Ele, sofrida por Ele. Nós não estivemos lá.

Então, na nossa Páscoa, não vamos incluir Jesus? Então, que Páscoa nos resta? Que Páscoa vamos recordar?

É que o equívoco está precisamente aqui. Nós não temos de recordar a Páscoa. Nós temos é de viver a Páscoa. Porque a vida cristã não vive de recordações. A vida cristã vive da presença viva e actuante de um Cristo vivo e glorioso. As únicas recordações de que a vida cristã deve viver são as recordações futuras, porque é para lá que caminhamos.

Na nossa Páscoa, não temos de incluir Cristo. Cristo já está na nossa Páscoa. Se ainda temos de incluir Cristo na nossa Páscoa, isso significa que a nossa Páscoa ainda não é a Páscoa divina, isso significa que ainda não entrámos no calendário divino.

Porque se a nossa Páscoa consiste apenas e só em relembrar os acontecimentos ocorridos na Páscoa em que Cristo morreu, então a nossa Páscoa é oca e sem valor.

Mas se na nossa Páscoa contínua e perpétua que é, afinal, a vida cristã, recordarmos não apenas uma vez ao ano, mas sempre, a Páscoa em que Jesus morreu, então essa Páscoa não nos é estranha, deixa de ser um facto histórico, um drama do passado, um acontecimento a nós alheio e estranho e passará a ser não apenas recordada mas vivida na sua plenitude e significado, deixará de ser uma Páscoa onde nós não estivemos para passar a ser uma Páscoa onde todos nós nos encontrámos e nos encontrávamos presentes, crucificando com os nossos pecados o Salvador, aguardando com ansiedade o desfecho da luta entre o Messias e Satanás no Reino do Hades e gritando de alegria a vitória alcançada no Domingo da Ressurreição: CRISTO VIVE! Ressuscitou! É Senhor! Aleluia! A morte foi vencida. Os pecados estão perdoados. O caminho para Deus está aberto. Fomos libertos, Cristo é rei! É Senhor! Aleluia! Aleluia! Aleluia!

Mas em que consiste, afinal, a ideia divina da Páscoa? Fala-se de Páscoa dos Judeus e da Páscoa dos Cristãos. Fala-se dessas Páscoas como se fossem dois acontecimentos estranhos um ao outro. Mas Páscoa só há uma: a Páscoa de Deus! A Páscoa judaica e a Páscoa cristã são, no fundo, uma só. Elas não passam de dois momentos distintos de um mesmo acontecimento. Mas Páscoa é uma só, ainda que com diversos momentos da sua vida: é a Páscoa de Deus!

É que as ideias divinas lutam sempre com uma grande dificuldade: a sua calendarização no tempo humano. Por isso, uma mesma ideia que é una e inseparável e imutável surge repartida aos nossos olhos pelos diversos tempos do nosso viver colectivo histórico.

Nesta Páscoa divina, podemos distinguir sete momentos. Ou dizendo de outra forma, podemos detectar 7 Páscoas no calendário divino. E falamos nós de apenas duas: a de Moisés e a de Cristo!

Quais são esses 7 momentos ou 7 Páscoas?

Antes, convém definirmos o que entendemos por Páscoa. A palavra Páscoa vem do Hebraico Pesah, que significa “passar por cima”, no sentido de “poupar”, como se depreende de Êxodo 12:13:

E aquele sangue vos será por sinal nas casas em que estiverdes; vendo eu sangue passarei por cima e não haverá entre vós praga de mortandade quando eu ferir a terra do Egipto.

A Páscoa aponta para a situação e os meios que permitem fazer-nos escapar à ira e ao castigo divino, levando-nos a entrar num estado de beneficiários do favor divino. A Páscoa indica o meio que Deus coloca à nossa disposição, permitindo-nos gozar da Sua protecção, restabelecendo a comunhão perdida com Ele.

Quais são, então, esses 7 momentos de que falávamos?

 

1. A Páscoa da Eternidade Passada

A Páscoa teve a sua origem em Deus e teve o seu início na eternidade antes da fundação do mundo.

Em João 17:24, Jesus reconhece esse facto quando ora ao Pai, lembrando o amor com que Deus O havia amado antes da fundação do mundo: Porque Tu me hás amado antes da fundação do mundo.

E Apocalipse 13:8, referindo-se a Jesus, declara: E adoraram-na (à Besta que subiu do mar) todos os que habitam sobre a terra, esses cujos nomes não estão escritos no livro da vida do Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo.

A ideia da Páscoa não é humana ― é divina. Deus concebeu-a quando o mundo ainda não tinha sido falado à existência. Isto dá-nos a garantia de qualidade e qualidade divina, porque a única forma que nos pode garantir a comunhão e a graça de Deus é através da própria graça de Deus.

 

2. A Páscoa Adâmica

Quando Adão pecou, rompeu-se a comunhão com Deus e a ligação tornou-se impossível. A Humanidade caíra, ficando sujeita à punição do castigo divino. Mas Deus preparou um escape e ali no momento da queda, revelou o meio que Lhe agradava para que o Homem voltasse a obter os Seus favores.

E fez o Senhor Deus a Adão e a sua mulher túnicas de peles e os vestiu (Génesis 3:21). Para as túnicas de peles, houve necessidade de verter sangue inocente, a fim de que a ira de Deus passasse por cima de Adão e Eva, poupando-lhes a vida. Através daquele sangue vertido, refloria a esperança no coração da Humanidade ― Deus não estava longe e o Homem podia ter a certeza de que o caminho para Deus estava aberto. No início da Humanidade, a presença de Deus na vida dos seres humanos, dizendo-lhes que não estavam sozinhos, abandonados aos caprichos de um destino cego e cruel mas antes que Deus amava a Sua criatura e desejava o melhor para ela.

 

3. A Páscoa de Abel

O terceiro momento da concretização da ideia divina da Páscoa vamos encontrá-lo no sacrifício de Abel.

E Abel também trouxe dos primogénitos das suas ovelhas e da sua gordura e atentou o Senhor para Abel e para a sua oferta (Génesis 4:4).

Abel aprendera bem a lição que seus pais lhe transmitiram. Abel sabia que o único meio de obter os favores de Deus era não só reconhecê-Lo como Senhor e Deus mas também reconhecer e sujeitar-se à vontade de Deus e ao meio que o Senhor instituíra para ter comunhão com a Sua criatura.

É que não basta o reconhecimento de que Deus é Deus ― é necessário estarmos dispostos a sujeitarmo-nos ao Seu querer. E se para tanto se torna necessário render-Lhe o nosso querer e os nossos bens, então façamo-lo. Esta foi a atitude de Abel ― trouxe dos primogénitos das suas ovelhas. E ao avançar esse passo de fé, exemplo de todos os fiéis que se lhe seguiriam, Abel alcançou o favor de Deus ― o Senhor não atentou apenas para a sua oferta: atentou também para ele: e atentou o Senhor para Abel e para a sua oferta.

 

4. A Páscoa Moisaica

O quarto momento é a Páscoa que Deus instituiu através de Moisés.

Uma vez mais, na cerimónia do Pesah, a Páscoa judaica, está presente a ideia central da Páscoa, ideia divina ― Deus ama a Sua criatura e quer ter comunhão com ela. Esta comunhão é possível apenas e só por um único caminho: a obediência ao Senhor, a submissão da nossa vontade ao Seu querer. Esta comunhão só é possível com a receita divina. Nenhum outro meio nos restabelece a ligação perdida.

E tomarão do sangue do cordeiro e pô-lo-ão em ambas as ombreiras e na verga da porta, nas casas em que o comerem; e aquele sangue vos será por sinal nas casas em que estiverdes; vendo eu sangue, passarei por cima de vós e não haverá entre vós praga de mortandade. (Êxodo 12:7, 13).

E uma vez mais, a presença do sangue de uma vítima inocente a pagar o preço do resgate. Uma vez mais, a certeza de que a comunhão com Deus e o favor do Senhor são possíveis. Mas que nos traz de novo esta Páscoa? Muita coisa ― porque momento após momento, Deus vai desenrolando o rolo do plano da Sua ideia…

Agora, a Páscoa não se circunscreve a um punhado de homens e de mulheres que vão transmitindo a lembrança de um sacrifício.

Agora, a Páscoa estende-se a cada família de toda uma nação. A Páscoa judaica tem significado porque ela é o elo comum a todas as famílias que compõem a nação.

Mas ela lembra também a libertação da servidão de uma terra rica de bens materiais e culturais. Ela lembra que a sorte do povo não está naquilo que o mundo pode oferecer mas na entrega incondicional à promessa divina. A Páscoa judaica lembra a caminhada para uma terra prometida por Deus, onde o povo iria ter a oportunidade de ver o que Deus pode fazer quando alguém está disposto a render-se à visão de Deus.

Moisés recusou o título de honra de ser filho da filha de Faraó. Faraó era divino, era filho de Ra, o Deus Sol. Por isso, se chamava Fa-ra-ó. Ou, por outras palavras, Moisés recusou ser filho de um deus, mas de um deus menor e preferiu ser escravo do Deus Altíssimo, o Todo-Poderoso.

E na Páscoa judaica, Deus Jeová nos diz que não basta submeter-nos ao meio estipulado por Deus mas que temos de estar dispostos a voltar as costas às certezas deste mundo para nos entregarmos plenamente às ilusões e aos sonhos divinos. Porque para os Egípcios, Moisés corria atrás de uma miragem, mas a miragem que Moisés perseguia era uma miragem divina ― permaneceu firme como vendo o invisível.

 

5. A Páscoa de Cristo

O quinto momento da realização desta ideia divina da Páscoa encontramo-lo há cerca de dois mil anos, na Páscoa vivida por Cristo.

Sabendo que não foi com coisas corruptíveis como prata ou ouro que fostes resgatados da vossa vã maneira de viver que por tradição recebestes de vossos pais, mas com o precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro imaculado e incontaminado. (1 Pedro 1:18-19).

Pedro sabia do que estava a falar. Sabia que a morte de Cristo na cruz introduzia na história humana este quinto momento da ideia divina da Páscoa. Ele sabia que a morte de Cristo tinha um valor expiatório, substitutivo.

E uma vez mais, o sangue está presente. E uma vez mais, uma vítima inocente. E uma vez mais, um sacrifício instituído por Deus e que agradava totalmente ao Senhor Altíssimo. Uma vez mais, a confirmação de que a comunhão com Deus não só é desejável como possível. E possível porque foi ordenada e instituída pelo próprio Deus.

Mas que novidade nos traz esta Páscoa? Agora, a Páscoa não é exclusiva nem limitada a uma só nação. Ela é extensiva a todo o indivíduo que pessoal e individualmente se queira aproximar de Deus.

Agora, esta Páscoa diz-nos que não temos de estar dependentes da nossa provisão, indo buscar um cordeiro ao nosso rebanho, mas estamos antes dependentes da provisão de Deus que forneceu Ele mesmo o cordeiro necessário, suficiente e agradável.

Agora, esta Páscoa diz-nos que não basta estarmos dispostos a voltar as costas às certezas deste mundo para nos entregarmos plenamente às ilusões e sonhos divinos. É necessário agora que essa entrega seja fruto de um acto de amor. Porque é o amor que deve reger a nossa vida: “Um novo mandamento vos dou, que vos ameis uns aos outros”. “Nisto conhecerão que sois meus discípulos ― se vos amardes uns aos outros”. Porque o amor foi a motivação e a base da entrega pessoal de Jesus.

Agora, esta Páscoa diz-nos que, embora o centro da nossa Páscoa deva ser sempre o Senhor Deus, esse centro estará incompleto se na Páscoa não tivermos presente também o ser humano. Agora, cada ser humano não me é mais estranho ― é meu irmão! Em Cristo, não há judeu, não há gentio, não há rico, não há pobre, mas Cristo é tudo em todos. (Colossenses 3:11).

Agora, esta Páscoa diz-nos que, mais do que nunca, o Homem deixou de estar sozinho, porque Jesus é Emanuel, porque Deus Se identificou connosco na nossa pobreza e no nosso sofrer.

Agora, a Páscoa não tem significado se o amor que dizemos ter a Deus não se revelar um amor convertido em acções práticas, direccionadas para o nosso semelhante.

 

6. A Nossa Páscoa Presente e Individual

O sexto momento da concretização da ideia divina da Páscoa é a nossa Páscoa presente e individual que cada um de nós vive, é a Páscoa do Pacto da Graça, em que vivemos.

Que dizer desta Páscoa? É a Páscoa vivida na base da resposta que cada um de nós deve dar à mais importante de todas as perguntas: quem é Cristo para mim?

Se para mim, Ele é o Cristo, o Filho do Deus vivo, não apenas numa resposta remota e passada, de circunstância talvez, mas no reconhecimento diário e constante, momento após momento, então poderei dizer que estou a deixar Deus realizar em mim este Seu sexto momento da Sua ideia da Páscoa.

É que a Páscoa que cada um de nós deve viver é aquela em que Cristo e não nós, é o centro dos nossos interesses e motivações, em que procuramos viver a certeza de caminhar em direcção à estatura de varão perfeito em Cristo Jesus.

Se isto se verificar, então podemos dizer que esta Páscoa traz algo de novo. É que ela é uma Páscoa que se realiza momento após momento, dia após dia.

Então, esta Páscoa diz-nos que a Páscoa é extensiva a toda a Humanidade porque em cada esquina, em cada ocasião, estará sempre à mão do desesperado sem Cristo, uma possibilidade de salvação através do sacrifício voluntário de todo e qualquer seguidor de Cristo.

Rogo-vos, pois, irmãos, que apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional (Romanos 12:1-2).

Então, esta Páscoa diz-nos que não basta que a nossa entrega a Deus seja fruto de um acto de amor. É necessário que cada um de nós esteja disposto a ser um sacrifício vivo, à semelhança do Cristo Cordeiro de Deus dado em resgate de nós.

Páscoa, sem entrega e sacrifício não é Páscoa. Nesta Páscoa da Graça divina, estejamos dispostos a entregar-nos como sacrifício de expiação para salvação do homem, nosso semelhante, ainda que à custa daquilo que mais prezamos. O caminho da cruz não é fácil ― Jesus nunca disse que seria.

Porque só quando entrarmos por esse caminho, podemos ter a certeza de que estaremos também presentes no sétimo momento da ideia divina da Páscoa.

 

7. A Páscoa da Eternidade Futura

E esse sétimo momento é na eternidade vindoura, quando se realizarem as Bodas do Cordeiro e em que estaremos para sempre com o Senhor.

Aí, não haverá dor, nem pranto, nem doença, nem morte. Aí, Deus irá concluir todo este processo iniciado ainda antes da fundação do mundo.

Essa é a nossa meta. É para lá que Deus aponta. Mas enquanto não chegamos, temos de viver a Páscoa que é nossa ― a Páscoa da Graça de Deus.

Que esta estação pascal deste ano (e refiro-me a todo o ano corrente e não apenas à semana pascal) seja vivida, momento após momento, com a manifestação do Cristo vivo e ressurrecto, Páscoa nossa, na nossa vida.

Porque não é apenas hoje, mas em todos os dias que deve soar o nosso grito triunfante: Cristo vive! Cristo vive! O Senhor ressuscitou! Ele ressuscitou no meu coração! Ressuscitou verdadeiramente o Senhor!

 

“Tempos Difíceis”: Um Libelo Contra o Materialismo

“TEMPOS DIFÍCEIS”: UM LIBELO CONTRA O MATERIALISMO

Agora, o que eu quero é, Factosolidariedades. Não ensinar a estes meninos e meninas outra coisa senão Factos.”1 Thomas Gradgrind, a personagem central do romance Hard Times de Charles Dickens definia assim, desde o princípio, o tipo de educação materialista que as crianças iriam ter na Inglaterra do século XIX.

Thomas Gradgrind é um educador que crê somente nos factos que podem ser demonstrados. Leva os seus dois filhos, Thomas e Louisa por uma atmosfera sombria materialista que vai afectar para sempre as suas vidas. Faz mesmo casar a filha com um homem muito mais velho, mas rico.

O romance clássico de Dickens, Tempos Difíceis, é uma acusação contra a falta valores éticos, sociais, que estruturaram também, negativamente, a Revolução Industrial no século XIX. Dickens procurou defender valores cristãos com este romance profundamente preocupado com a infância e a vida familiar, a exploração do trabalho infantil e os baixos salários e a miséria.

No pano de fundo da Inglaterra de então, na era da industrialização, passou também a subversão da religião cristã, limitando-a a uma estrutura dirigida para os ganhos materialistas, como hoje. É o retrato do homem sem escrúpulos que faz do lucro um instrumento cego para destruir o próximo e sobre as ruínas deste erguer impérios financeiros.

O autor inglês fala também de Economia sob o ponto de vista do lucro e da injustiça, do enriquecimento de uns poucos contra a pobreza de milhares.

Embora seja um romance que, segundo a crítica literária, esteja acima de rótulos, escolas e catalogações, diria que é um libelo cristão, com o melhor do cristianismo na área social: o “amai-vos uns aos outros”.

Para fazer prevalecer este dogma necessário, apresenta-nos e enfatiza os efeitos da sociedade dominada pelos deuses da produtividade e dos lucros.

Uma das personagens pergunta, dramaticamente a outra: “Have you a heart?” (Tu tens coração?)

Alguém escreveu, como sinopse deste romance libelo, o seguinte: “Hard Times retrata Coketown, um vermelho-tijolo da cidade industrial típica do norte. Nas suas escolas e fábricas, crianças e adultos estão enjaulados e escravizados, sem liberdade pessoal, até seu espírito está quebrado.”

O empobrecimento colectivo para fazer crescer a economia de poucos, é um dos factos com que construiu (destruiu, afinal) a vida, a família, o personagem- chave do romance, Thomas Gradgrind.

No dia em que está sentado no seu escritório, e o barulho da chuva a bater nos vidros lá fora não conseguia abstraí-lo, Louisa entra e interrompe o fio dos seus pensamentos para o questionar com o que ele lhe fez: “Onde estão os sentimentos do meu coração? O que o senhor me fez, ó pai, o que o senhor me fez, com o jardim que deveria ter florescido no meu coração onde há agora um grande deserto!” 2

O pai estava a escrever sobre o Bom Samaritano que foi um Mau Economista. E esta ideia errada da personagem sobre a parábola bíblica é a justificação para defender que a caridade e o amor ao próximo não conferem lucros nem são boa política económica. A caridade não faz crescer a economia.

A história dos textos económicos enfatiza sempre que todas as facetas da sociedade humana se regem pelo interesse individual, o individualismo do homem e a maximização dos lucros continuam a prevalecer. E os investimentos no que é pertença do interesse próprio de cada um.

Quando Gradgrind está a escrever sobre o bom samaritano ter sido um mau economista, está a propor que, de acordo com as teorias económicas e a sua, sobretudo, o altruísmo é uma anomalia.

É a subversão da Bíblia do senhor Gradgrind com uma leitura enviesada e que faz parte de um fenómeno cultural – como lhe chamaram – do pensamento utilitarista. E a resposta de Charles Dickens é o romance Hard Times referindo a parábola do Bom Samaritano como programa necessário para repôr a fraternidade, o auxílio aos pobres, para a sua época, contra o interesse utilitário e os mercados que já estavam a impor as suas regras. Por exemplo, manter em baixa os preços dos cereais para não se aumentar o salário aos trabalhadores.

“GOOD SAMARITAN WAS A BAD ECONOMIST”3

É um princípio apenas proclamatório, mas gera uma crítica à atitude do bom samaritano e coloca em causa a fraternidade cristã.

O bom samaritano fez um investimento que, segundo o conceito individualista do lucro, não lhe renderia quaisquer dividendos. Pior, era um “desinvestimento” a longo prazo. Era uma perda.

O denário (danarius), moeda romana, pagava um dia de salário. Dois denarii (no texto grego de Lucas: denária) era uma quantia considerável. Há uma referência bíblica para os tempos da fome no livro de Apocalipse (6:6) que lhe marca a importância como um preço exorbitante: “Uma medida de trigo por um denário; três medidas de cevada por um denário”

Os argumentos arrolados pelos críticos da ação do Bom Samaritano da parábola ética de Jesus, não seriam produto de nenhuma lógica mas do individualismo e falta de caridade. O Bom Samaritano, que ia de viagem, usou primeiro da sua caridade e do seu despojamento pessoal ao não recear tocar com suas mãos no homem moribundo, depois usou dos meios que possuía presentemente – o animal que transportou o ferido, só depois usou bens financeiros: o dinheiro que entregou ao hospedeiro para, nos dias futuros, o homem que salvou da morte certa poder ser bem tratado e recuperar para a vida. E deixou lavrado o que terá feito dele “mau economista”: o que for gasto, “eu pagarei quando voltar”.

Não pensou em custos, não pensou em rendimentos, não impôs juros ao pobre homem encontrado, à beira da morte, no caminho.

As leis do Bom Samaritano4

Tal atitude fez história, não apenas no Evangelho de Lucas, mas universalmente nas legislações em benefício do próximo e no âmbito das organizações não governamentais.

Com efeito, as chamadas leis do Bom Samaritano oferecem não apenas proteção legal aqueles que dão assistência a feridos, doentes, incapacitados, como encorajam as pessoas a oferecer a sua assistência. Enquadrando-se nas leis civis de qualquer Estado de Direito, têm também o efeito legal de exigir o dever do socorro ao próximo.

 

João Tomaz Parreira

Colaborador

Aveiro

 

Publicado na revista “Novas de Alegria”, setembro 2013

 

1 Hard Times, Charles Dickens, Penguin Classics, pág.9; 2 Op.cit, pág. 215; 3 Bom Samaritano que um Mau Economista (tradução livre); 4 Good Samaritan Laws

JUSTIÇA HUMANA versus JUSTIÇA DIVINA

JUSTIÇA HUMANA VERSUS JUSTIÇA DIVINA

Amílcar Ribeiro

MarteloNa segunda carta que o apóstolo Paulo escreve a Timóteo (2:15), recomenda-lhe que se apresente a Deus como trabalhador da palavra da verdade, a fim de a utilizar correctamente para si e para os outros. Daqui resulta a exigência do seu estudo dedicado, que decorre da ideia de obreiro, e a da sua devida interpretação e aplicação, a que não pode, obviamente, ser indiferente a sua revelação pelo Espírito de Deus.

Esta ideia implica a de comunicação com alguém por via da palavra, e que todo aquele que tem por utensilagem de trabalho a comunicação verbal ou escrita, necessita de a transmitir de modo a que seja compreendida pelo seu interlocutor com o mesmo sentido com que foi emitida. A não ser assim, poderá o leitor ou ouvinte entender a mensagem de modo diverso da pretendida pelo seu autor e, assim, perder-se a comunicação. Um dos obstáculos suscitados na comunicação consiste na inevitável utilização de conceitos indeterminados, vocábulos de uso corrente que aparentemente se consideram de apreensão imediata, mas que, na verdade, carecem de preenchimento para que emissor e receptor os entendam do mesmo modo.

O título da presente reflexão é um bom exemplo do que fica dito, pois, parecendo que não necessita de qualquer explicitação prévia, demanda que o seu objecto seja delimitado, para que saibamos do que estamos a tratar.

O que se deve entender por justiça? Parecendo a resposta intuitiva e simples, contudo, muitos pensadores têm empreendido ao longo dos séculos a tarefa de alcançar uma definição que sirva o objectivo de um entendimento comum e pacífico do conceito, mas sem o terem logrado.

Agostinho, bispo de Hipona nos séc. IV e V d.C., escreveu na sua conhecida obra Confissões acerca do tempo: “Que é, pois, o tempo? Quem poderá explicá-lo clara e brevemente? Quem o poderá apreender, mesmo só com o pensamento, para depois nos traduzir por palavras o seu conceito? E que assunto mais familiar e mais batido nas nossas conversas do que o tempo? Quando dele falamos, compreendemos o que dizemos. Compreendemos também o que nos dizem, quando dele nos falam. O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém me perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei.”

O mesmo se pode dizer a respeito do conceito justiça. Todos pretendemos saber o que é, mas se nos perguntarem o que é, já não sabemos explicar. Diremos, de forma simplificada e não rigorosa, apoiando-nos no entendimento de Aristóteles, que justiça consiste em tratar igual o que é igual e diferente o que é diferente, na medida da diferença. Mesmo este conceito não está isento de críticas. A esta ideia poderá adicionar-se a clássica que entende a Justiça como: atribuir a cada um aquilo que é seu (de direito).

Sob o ponto de vista da sociedade humana, a justiça é um ideal absoluto para que tende o direito, mas que não alcançará, porquanto é produto de homens e mulheres limitados e imperfeitos e o sistema jurídico que constroem reflecte essas deficiências.

Justiça humana? Que civilização consideramos? Ora, mesmo os ordenamentos jurídicos das sociedades ocidentais na actualidade contêm diferenças entre si, que podem ser profundas em relação a valores vigentes em nações orientais. E a justiça humana compreende campos de aplicação de direito muito diversificados dentro do mesmo ordenamento.

E quanto ao conceito de justiça divina, constatamos que a ideia de Deus varia consoante os povos e as latitudes. Uma é a ideia de matriz judaico-cristã, outra é a de matriz islâmica.

Assim, para delimitarmos o nosso objecto, consideraremos a justiça no sentido exposto, sociedade humana a actual e ocidental, divina a de matriz judaico-cristã.

A justiça não se confunde com a lei nem com o direito. Aquela é o ideal para que tendem o direito e a lei, sem o alcançarem. O direito é servido por um sistema de normas escritas, mas também por princípios não escritos, que se destinam a ordenar uma certa sociedade segundo um determinado modelo. Este modelo poderá tender para a justiça, como conceito ideal, mas também poderá ser produzido para servir outros fins e, assim, a lei pode não reflectir nem o direito, nem a justiça.

De fins não serventuários da justiça resultam leis injustas. A respeito destas, poderemos recordar, a título de exemplo, as leis nacional-socialistas. Se o fim da justiça é a pacificação da sociedade e a resolução dos litígios, devemos ter sempre como objecto o homem em sociedade para a sua realização. Contudo, frequentemente os mais poderosos conseguem impor os seus interesses particulares em prejuízo dos gerais, por meio de leis produzidas para alcançar os fins que lhes interessam.

Todo o indivíduo tem uma noção empírica e pessoal do que é a justiça, o que tem dado origem à procura da sua fonte última. A noção de justiça confunde-se com a de direito positivo. É este um mero produto da razão humana ou tem uma origem transcendental? Há quem defenda que o direito não é mais do que aquilo que os homens querem que ele seja. Outros, que a justiça é um bem de origem divina, que vem inscrito já no espírito do homem desde o seu nascimento e que este se limita a descobrir, não alcançando, contudo, a sua completude, para depois o positivar.

Do exposto, resulta que a justiça humana é inelutavelmente imperfeita, quer na produção e sistematização das normas que constituem o sistema jurídico a que qualquer cidadão está obrigado a obedecer, quer na sua interpretação e aplicação pelas instâncias jurisdicionais. É recorrente os tribunais proferirem decisões consideradas injustas pelo comum das pessoas por excessivas ou por demasiado benevolentes ou mesmo decisões de primeira instância que são modificadas em sede de recurso. E, no entanto, nada disto deve ser considerado estranho à aplicação e interpretação das normas, porquanto os diferentes julgadores podem ter delas entendimentos diversos na procura da melhor solução jurídica. Continuará de igual modo a acontecer que pessoas sejam condenadas de forma injusta, outras indevidamente absolvidas por insuficiência de prova produzida para a condenação, testemunhas que alteram de modo consciente a verdade dos factos, continuará a haver uma justiça para os mais poderosos ou mais ricos e uma justiça para os socialmente mais débeis.

Em sentido contrário, a justiça de Deus é perfeita, porque é um dos Seus atributos, transmitidos na Sua revelação, a Bíblia. Nela, Deus é “o que faz justiça, o juiz de toda a terra” – Gn. 18:25, “é justo e recto” – Dt. 32:4, “a morada da justiça” – Jr. 50:7, “justiça e juízo são a base do teu trono” – Sl. 89:14.

Concordamos com Calvino, quando declara que a vontade de Deus constitui o padrão da Sua justiça. Este é o seu fundamento, pois não encontraremos outro acima dele. Os homens têm procurado encontrar qual o prius de onde deriva a ideia de justiça, sem o terem encontrado inequivocamente, mas a vontade perfeita de Deus é essa fonte última.

Por natureza, nada lhe pode ser ocultado. Se ao juiz humano não é possível fazer prova de tudo o que está no segredo daquele que está a julgar, porque este nada declara, não o podendo condenar se não existir qualquer prova complementar, do juiz de toda a terra tudo é conhecido. A sua natureza é a perfeição. Como a imperfeição não pode coexistir com a perfeição, todos os membros da comunidade humana são culpados. Se à justiça dos homens está vedado condenar um culpado em substituição de um inocente, na Sua sabedoria infinita Deus estabeleceu uma forma de justiça de substituição, para que houvesse a possibilidade de o culpado arrependido ser perdoado. Esta justiça substitutiva é Jesus Cristo, o inculpável, que leva a condenação daquele que, estando já julgado, espera o cumprimento da pena de separação definitiva da graça de Deus. Uma coisa apenas é necessária: aceitar essa substituição. Ela é eficaz e suficiente perante a perfeita justiça divina.

MAIS QUE TUDO

Jesus2 Jesus é único, singular, exclusivo e superior. Não tem comparação. Não é o maior, é inigualável. Como escreveu Augusto Cury, Ele é inconstrutível pela inteligência humana, ou seja, não poderia ter sido inventado se não existisse. Ele é parte da nossa História – diria mais – Ele é o centro da História e a razão dessa História. Ninguém como Ele foi e continua a ser tão controverso, provocando tanto reboliço e reações tão veementes. Alguns dos principais dos religiosos do Seu tempo acusaram-no de ser o demónio em pessoa, mas, pelo contrário, muitos outros adoraram-nO como Deus, como Senhor e Salvador, muito mais do que um Mestre ou um líder. Mas nunca disse nem poderá dizer mais e melhor sobre Ele do que o que Ele mesmo falou. Jesus apresentou-se como Deus entre nós, tendo colocado o âmago da Sua existência e da Sua presença entre nós, precisamente na evidência da Sua identidade.

A diferença de Jesus começa em quem Ele é, na Sua natureza, na Sua identidade. O resto é apenas decorrente de Quem Ele é. Não é possível em coerência estar disposto a aceitá-lO como um grande Mestre, um exemplo, um modelo, um líder espiritual, e não aceitá-lO como Senhor, como o Filho do Deus Criador – o único Deus verdadeiro.

Jesus distingue-se de todos os restantes porque falou como nenhum outro, porque a exigência moral que nos apresenta é inexcedível, nada mais, nada menos do que a perfeita santidade, sendo que Ele mesmo viveu em conformidade com esse padrão. Numa sociedade religiosa fundamentalista em termos morais e éticos, detentora e portadora dos dez mandamentos, diante do tribunal mais exigente possível entre os homens, desafiou os Seus detratores a apresentarem alguma falha no Seu carácter, nas Suas atitudes, no Seu comportamento.

Mas Jesus não se limitou a viver e a dizer como devemos viver, Ele dispôs-se a morrer por todos os que fracassam, sendo que perante Ele não há um justo nem um sequer. Não morreu para absolver-nos porque isso seria pouco, não deixaríamos de ser quem somos e perante o tribunal divino estaríamos sempre em falta. Ele veio para redimir, para expiar, para salvar, para ser o nosso substituto, para se apresentar em nosso lugar diante de Deus. Mas a Sua morte vicária também significa a possibilidade de uma transformação no íntimo que a religião, a educação, a filosofia ou a política, a ciência ou a tecnologia, nunca poderão alcançar. Jesus chamou-a de novo nascimento, nascermos de Deus e assim sermos feitos Seus filhos – isso é o que somos em Jesus Cristo. De Filho único tornou-se o primeiro, sem nunca perder a Sua singularidade, de uma multidão incontável de filhos do Pai. “Ele veio para seu povo, mas eles não o quiseram. Mas houve os que o quiseram de verdade, que acreditaram que ele era o que afirmava ser e que fez o que disse ter feito. Ele fez seu povo, os filhos de Deus. Filhos nascidos de Deus, não nascidos do sangue, não nascidos da carne, não nascidos do sexo.” (João 1:10-13 – paráfrase “A Mensagem”)

A vida de Jesus entre nós é diferente de todas as demais desde o Seu nascimento, à Sua morte, ressurreição, ascensão aos céus e promessa de segunda vinda em glória para dar início à plenitude do que veio concretizar, em novos céus e nova terra. A Sua existência é um permanente milagre. Jesus viveu na estrita dependência do Pai e no poder do Espírito Santo. Todos os milagres fazem parte da Sua essência e são sinais, evidências da Sua identidade divina e do Seu propósito salvador. Jesus não apenas nos ensinou a viver, mas é a própria vida que somos chamados a viver. Viver por Ele e para Ele. A Sua exigência é absoluta, radical, mas nenhum como Ele nos dá a mão quando fracassamos, quando falhamos. Não há lugar à frustração nem à condescendência.

A crise que vivemos é essencialmente de ordem espiritual. Para sair dela, cada um de nós precisa de ver a vida como Jesus a apresentou, amando, perdoando, servindo, recusando o suborno, a corrução, a mentira, a ganância, o egoísmo, a injustiça. Tudo começa com a salvação, a reconciliação com Deus. Por isso somos chamados a viver como embaixadores da parte de Deus recomendando a todos os homens que se reconciliem com Deus e abandonem os seus pecados. Sem Jesus tudo é nada… Jesus é mais que tudo!

 

Samuel R. Pinheiro
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A Bíblia é a Palavra de Deus?

A BÍBLIA É A PALAVRA DE DEUS?

Por Fernando Paiva

 

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INTRODUÇÃO

            Este trabalho tem  por finalidade  abordar  o  tema “ A Bíblia é a Palavra de Deus?”.

Muitos nos dias de hoje, têm considerado as questões relacionadas com a fé, como uma brincadeira, e a Bíblia Sagrada como mais um livro. Talvez daí, a proliferação e multiplicidade de religiões sem qualquer fundamento sólido, levando as pessoas a que  melhor se adapta a si e aos seus interesses, sem considerarem seguir O modelo. Mas, a verdade é que após algum tempo acabam por se sentir sós, vazios e abandonados, sem encontrarem resposta às perguntas fundamentais da vida, pois sem O exemplo o homem se sujeita a criar as suas próprias regras.

O mundo ainda tem a resposta e O exemplo a ser seguido, e esse é de facto o Jesus da Bíblia.

Se há uma Boa Nova, essa deverá surgir dos cristãos que sabem em que crêem e porque crêem. Apenas a fé vigorosa nas Escrituras, trás a verdadeira vitória às mais difíceis perguntas da vida.

 

  1. I.       A Arqueologia Bíblica

Ao dar início ao tema proposto, será importante dar ao algum tempo à questão relacionada com a arqueologia bíblica.

A palavra arqueologia provém de dois termos gregos, archaios e logos, que segundo o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea[1] refere que arqueologia é a ciência que estuda os testemunhos materiais deixados pelo homem no decurso do devir histórico. No que concerne à arqueologia Bíblica, esta poderá ser definida como um exame de artefactos antigos, outrora perdidos e hoje recuperados, os quais se relacionam ao estudo das Escrituras e à caracterização da vida nos tempos bíblicos.

Charles C. Ryrie[2], considera que a arqueologia ajuda-nos a compreender a Bíblia. Ela revela a vida nos tempos bíblicos, o significado real de passagens bíblicas obscuras e também a forma de entender as narrativas históricas assim como os contextos bíblicos.

Certamente, que em algumas áreas nem mesmo a arqueologia conseguiu desmontar questões complexas, mas será certo que com toda a segurança as respostas surgiram com o tempo. Pode afirmar-se que até aos dias de hoje não houve um caso sequer em que a arqueologia tenha chegado á conclusão que a Bíblia estava errada. Charles C. Ryrie[3] refere que os arqueólogos demonstram que o grego do NT não era uma língua inventada pelos seus autores como se pensava. Pelo contrário, era de modo geral a língua usada pelo povo dos primeiros seculos da era cristã. Alude ainda, que menos de cinquenta palavras em todo o NT foram cunhadas pelos apóstolos. Os papiros revelaram que a gramatica do NT era de boa qualidade, julgando-a pelos padrões gramaticais do primeiro século e não pelo período clássico da língua grega. Segundo o autor, até à pouco tempo atrás a passagem hebraica manuscrita mais antiga, era datada aproximadamente do ano 900 da era cristã e o AT completo, era cerca de um século mais recente.

 

  1. II.    O Que a Bíblia diz sobre si mesma?

Sobre esta questão poderíamos começar por citar o versículo bíblico em 2 Timóteo 3:16:

Toda a Escrituraé inspirada por Deuseútilparao ensino,paraa repreensão,paraa correcção,paraa educaçãonajustiça,”, a partir deste ponto pode dizer-se que isto significa que Deus, que é verdadeiro, “soprou” a verdade. Charles C. Ryrie[4] lança a pergunta: mas não teria o homem corrompido a verdade enquanto a registava? Ele responde dizendo que não, pois a Bíblia também testifica que os homens que a escreveram foram “movidos (lit., carregados) pelo Espírito Santo”. O texto de 2 Pedro 1:21 diz: ​“porque nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana; entretanto, homens santos falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo.”. O Espírito foi o co-autor de todos os livros da Bíblia.

Charles C. Ryrie[5], diz que sem dúvida a Bíblia afirma ser inerrante. Aponta ainda sobre de que maneira se poderia explicar o facto de Cristo ter reivindicado para as próprias letras que formam as palavras da Escritura um caracter permanente: “Porque em verdade vos digo: até que o céu e a terra passem, nem um i ou um til jamais passará da Lei, até que tudo se cumpra”(Mt 5:18). Diz que o “ i ” é a letra hebraica yod, a menor do alfabeto hebraico. O “til” era um pequenino traço que servia para distinguir certas letras hebraicas de outras. Este era usado em alguns livros, e seria menor que um milímetro! O autor refere que por outras palavras, o Senhor estava afirmar que cada letra ou palavra é importante, e que o AT seria cumprido exactamente como fora escrito em todos os seus detalhes, ou seja, letra por letra, palavra por palavra.

  1. III.      A Inspiração da Bíblia

A característica mais importante da Bíblia não é a sua estrutura e forma, mas o fato de ter sido inspirada por Deus. Não se deve interpretar de modo erróneo a declaração da própria Bíblia a favor dessa inspiração. Quando falamos de inspiração, não se trata de inspiração poética, mas sim de Autoridade Divina. A Bíblia é singular; ela foi literalmente “soprada por Deus“.

Foi já abordado o texto bíblico de 2 Tm 3:16, mas Erwin Lutzer[6] em seu livro 7 Razões Para Confiar na Bíblia, diz que esta é uma das declarações mais explicitas e mais conhecidas das Escrituras sobre a própria origem. Refere ainda que a palavra inspiração com o prefixo “in”, dá a impressão que depois dos vários livros da Bíblia terem sido escritos, Deus terá soprado neles, tornando-os livros “ inspirados”. A palavra grega significa que Deus “soprou”, e o resultado disso foram as Escrituras. Ou seja, a Bíblia metaforicamente falando, é o sopro de Deus.

Podemos assim, confirmar por Ela mesma, que a Bíblia é a Palavra de Deus divinamente inspirada.

Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade.” (Jo 17:17)

Fiel é esta palavra e digna de inteira aceitação.” (1 Tm 4:9)

Porque a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até a divisão de alma e espírito, e de juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e intenções do coração. E não há criatura alguma encoberta diante dele; antes todas as coisas estão nuas e patentes aos olhos daquele a quem havemos de prestar contas.” (Hb 4:12-13)

Para Norman Geisler[7] em seu livro A Inerrância da Bíblia, diz que os autores humanos não eram autómatos. Eles dependiam de Deus. Os autores da Escritura não agiam no vácuo, eles viviam e se moviam e tinham seu coração em Deus, a exemplo de todas as demais pessoas conforme Atos 17:28 “…porque nele vivemos, e nos movemos, e existimos;”. Refere que muitas das pessoas expressaram sua percepção da presença de Deus, do chamado Divino, de sua santidade, protecção, e de como ele as instava a falar e a escrever a Sua Palavra. Eles sabiam que dependiam de Deus e que tinham por obrigação conhece-lo, ama-lo e servi-lo. Geisler argumenta que O Deus dos autores bíblicos, embora estivesse activamente envolvido com eles, existia por si próprio, era eterno e imutável. Os autores eram dependentes; Deus era independente. Geisler[8] diz que os autores tinham a supervisão especial do Espirito como portadores que eram da palavra profética e apostólica que lhes foi dada no decorrer da composição e da redacção dos livros da Bíblia. O autor lança a pergunta[9]: “Como poderiam os seres humanos, ao escrever com base em sua experiencia pessoal, dispor de critérios para determinação das influências efectivamente provenientes de Deus?” O autor responde dizendo que os autores humanos das Escrituras estavam equipados para a sua missão extraordinária não somente graças aos ministérios comuns do Espirito, mas também em consequência de seus dons especiais como profetas e apóstolos e pelo milagre da inspiração. Graças a esses meios, Deus capacitou os autores humanos a escrever com autoridade.

 

  1. IV.      A Confiabilidade e Infalibilidade da Bíblia

Sobre a confiabilidade e infalibilidade das Escrituras, poderíamos dizer que uma coisa é afirmar que a Bíblia constitui uma fonte basicamente confiável de história e instrução religiosa; outra é sustentar que a mesma é inspirada, exacta e falível.

R.C.Sproul em seu livro Razão para Crer[10], diz que podemos apresentar alguns argumentos a favor da infalibilidade das Escrituras. Segundo o autor esses argumentos poderão ser os seguintes:

- A Bíblico é um documento basicamente confiável e seguro;

- Apoiados neste documento confiável, temos evidência suficiente para acreditar com segurança que Jesus Cristo é o filho de Deus;

- Por ser o filho de Deus, Jesus Cristo é uma autoridade infalível;

- Jesus Cristo ensina que a Bíblia é mais do que geralmente digna de confiança; ela é a própria Palavra de Deus;

- A Palavra, por ter origem em Deus, é absolutamente confiável, desde que Deus é absolutamente digno de confiança;

Em conclusão aos argumentos, com base na autoridade infalível de Jesus Cristo, a igreja crê que a Bíblia seja digna de toda a confiança e infalível.

 

  1. V.         Autenticidade da Bíblia – Jesus Cristo

Erwin Lutzer[11] refere que Cristo confirmou que o tema da Bíblia era a Sua própria vinda. Na controvérsia com os judeus, disse: “ Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim” (Jo 5:39). Frequentemente Jesus se referia às Escrituras apontando para Ele mesmo. O autor refere Lutero quando este disse: “Cristo está contido nas Escrituras como o corpo nas roupas”.

Os apóstolos viam Cristo como o centro das Escrituras. Erwin[12] diz que da primeira expressão do evangelho em Gn 3:15 “Porei inimizade entre ti e a mulher, e entre a tua descendência e a sua descendência; esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar” até ao “Vem, Senhor Jesus!” de Apocalipse 22:20, a Bíblia tem uma sequência histórica integrada.

Erwin[13] lança uma pergunta:”Podemos provar que a Bíblia é a Palavra de Deus?” Diz que certamente é possível apresentar diversas razões para aceitar a Bíblia como a Palavra de Deus. O autor diz que talvez um céptico espere um tipo de “prova” impossível de obter.

É verdade que dúvidas sobre a credibilidade das testemunhas, a exactidão de suas declarações, a veracidade dos copistas e dos manuscritos podem sempre ser levantadas. Erwin[14] diz que no caso da Bíblia, a questão da “prova” se torna ainda mais intrigante. Diz ser um livro que não apenas fala de assuntos de história e moral, mas também revela enfaticamente as sutis decepções do coração humano. Remata dizendo, “por isso, a razão mais complente porque creio que a Bíblia é a Palavra de Deus é aquela que está disponível apenas para os que têm o desejo de se submeter à autoridade dela”. Cita Jo 7:17 “​Se alguém quiser fazer a vontade dele, conhecerá a respeito da doutrina, se ela é de Deus ou se eu falo por mim mesmo”. Sem esse desejo não pode haver o conhecimento. Diz[15] que ficamos convencidos de que a Bíblia é a Palavra de Deus não por meio de pressentimentos subjectivos, mas pela destruição de nossos pressentimentos subjectivos quando nos humilhamos na presença de Deus revelada nas páginas da Bíblia. Revela que finalmente compreendemos que este Livro conta com a dolorosa verdade a respeito de nós mesmos e de nossos relacionamentos com o mundo. As peças da vida subitamente se juntam e somo levados a dizer: “Eu era cego e agora vejo!”.

Podemos afirmar, que a razão porque cremos que a Bíblia é a Palavra de Deus é a autoridade de Cristo. Erwin Lutzer[16] reforça ainda que muita gente descarta a narrativa do Diluvio, mas Cristo disse: “ Pois como foi dito nos dias de Noé, assim será também a vinda do Filho do homem. Porquanto, assim como nos dias anteriores ao dilúvio, comiam, bebiam, casavam e davam-se em casamento, até o dia em que Noé entrou na arca, e não o perceberam, até que veio o dilúvio, e os levou a todos; assim será também a vinda do Filho do homem.” (Mt 24:37-39). Diz ser interessante que Jesus tenha proferido essa afirmação sobre Noé e o dilúvio com as palavras: “Passará o céu e a terra, mas as minhas palavras jamais passarão.” (Mt 24:35). Diante disto estamos perante uma decisão e lança a pergunta:  “Cremos nesses críticos que não conseguem aceitar a confiabilidade dos relatos bíblicos, ou cremos em Cristo?” Erwin menciona o livro Cristo e a Bíblia de John Wenham[17] quando refere: “ O futuro Juiz está enunciando palavras de solene advertência aos que no futuro comparecerão como réus no seu tribunal. […] E ainda assim vamos supor que esteja dizendo que uma pessoa imaginaria em uma pregação imaginária de um profeta imaginário arrependeu-se na imaginação, e que ele [o Juiz] vai-se levantar nesse dia para condenar a impenitência real de seus ouvintes reais”. Cristo cria na história de Noé e do diluvio. Deixa a pergunta: Sabemos mais do que Ele?

O autor John Drane[18] em seu livro A Bíblia Facto ou Ficção?, depois de um explanar de ideias relacionadas com Jesus nos evangelhos, aborda a questão da prova da ressurreição e diz que a ressurreição de Jesus foi o que convenceu os primeiros cristãos da verdade de tudo isto. Paulo afirma em 1 Co 15:17 “ E, se Cristo não foi ressuscitado, é vã a vossa fé, e ainda estais nos vossos pecados.” A ideia de que Jesus ressuscitou da morte é certamente o aspecto mais extraordinário de todas as histórias a seu respeito, mencionadas na Sua Palavra.

John Drane[19] refere o erudito judeu Gez Vermes, ao escrever em seu livro “ O Judeu Jesus”: “ Quando todo argumento tiver sido considerado e pesado, a única conclusão aceitável para o historiador deve ser…que as mulheres que foram prestar a ultima homenagem a Jesus, para sua consternação, não encontraram um corpo, mas um túmulo vazio.”

Diante de tais factos reais expressos na Sua Palavra, o homem nada é diante de um Deus soberano.

Termino citando o profeta Habacuque: “Mas o Senhor está no seu santo templo; cale-se diante dele toda a terra.” (Hc 2:20)

CONCLUSÃO

            Em conclusão, ninguém que defenda a inerrância nega que a Bíblia use figuras de linguagem comuns (ex: “os quatro cantos da terra”, Ap7:1). Também não me oponho a que os autores por vezes pesquisaram os factos sobre os quais escreveram. “Visto que muitos têm empreendido fazer uma narração coordenada dos fatos que entre nós se realizaram, segundo no-los transmitiram os que desde o princípio foram testemunhas oculares e ministros da palavra, também a mim, depois de haver investido tudo cuidadosamente desde o começo, pareceu-me bem, ó excelentíssimo Teófilo, escrever-te uma narração em ordem. Para que conheças plenamente a verdade das coisas em que foste instruído.” (Lc 1:1-4).

Creio, que o produto foi guardado do erro pelo trabalho e supervisão do Espírito.

Também não nego que haja eventualmente problemas com o texto que usamos hoje, no entanto, problemas são diferentes de erros. Na verdade, considerando as declarações que a Bíblia faz a seu favor em termos de inspiração e inerrância, o mais razoável quando confrontados com os problemas, é colocar nossa fé nas Escrituras que se têm demonstrado confiáveis ao longo dos séculos, em vez de confiarmos em alguma opinião humana e falível. O conhecimento humano de muitos desses problemas é limitado e em algumas ocasiões comprovadamente errado.

Sem dúvida, que o tempo continuará a revelar que só a Palavra de Deus não falha.

 

Deus escreve com uma pena que nunca suja, fala com uma língua que nunca erra, age com uma mão que nunca falha”.

C. H. Spurgeon.

BIBLIOGRAFIA

 

DRANE, John. A Bíblia Facto ou Fantasia? Editora Bom Pastor, SP, Maio 1994, Tradução Neyd Siqueira

ERWIN, Lutzer – 7 Razões Para Confiar na Bíblia, Editora Vida, SP, 2001, Tradução Yolanda Krienvin

GEISLER, Norman – A Inerrância da Bíblia, Editora Vida, 2003, SP, Tradução Antivan Guimarães Mendes

SPROUL, R.C. Razão Para Crer – Editora Mundo Cristão, SP, Maio 1986, Tradução Neyd Siqueira

RYRIE, Charles C. – a Bíblia Anotada Expandida, Editora Mundo Cristão, SP, 2006, Tradução Susana Klassen



[1] Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, p.343

[2] RYRIE, Charles C., A Bíblia Anotada – Expandida, p. 1306

[3] Ibidem, p. 1307

[4] RYRIE, Charles C., A Bíblia Anotada – Expandida, p. 1298

[5] Ibidem, p. 1299

[6] LUTZER, Erwin, p. 33

[7] GEISLER, Norman, p.288

[8] p. 304

[9] p. 308

[10] SPROUL, R. C., p.23

[11] p.42

[12] p.43

[13] p.47

[14] p.49

[15] p.50

[16] p. 107

[17] p. 107

[18] p. 151

[19] p. 153